A boa diversidade do Cristianismo unido
O Cristianismo surgiu sob o signo da diversidade. Não uma adversidade belicosa, mas, antes, uma fruto das principais narrativas — certamente escritas por crentes, mas, por isso mesmo, impossíveis de não serem fiéis ao que havia sucedido com Jesus — que foram surgindo acerca deste. É um erro pensar-se que só uma dessas narrativas poderia ser verdadeira (como invetivou logo no séc. II o filósofo platónico Celso) e que o existirem quatro relatos era sinal de que eram todas falsas.
Relatos esses que, além do mais, foram e ainda são cuidadosamente aferidos e aceites como sendo fidedignos, não obstante apresentarem, em diversos momentos, distintas situações, circunstâncias e palavras. São, na verdade, quatro relatos (chamados “Evangelhos”, termo que vem do grego e quer dizer “Boa-notícia”) escritos por pessoas diferentes, em ocasiões distintas e para públicos diversos que, naturalmente, apresentam aquele “[o] que havia sucedido com Jesus” como se fossem, não quatro partes, mas como que quatro “dimensões óticas” dessa mesma realidade.
Dou um exemplo: se vinte pessoas vissem uma bicicleta a embater contra um navio de cruzeiro e, tudo tendo acabado bem — e até muito bem —, se pusessem a escrever aos seus familiares, amigos e conhecidos acerca do que assistiram, o essencial seria comum. Todavia, os pormenores não, dependendo estes de onde estavam tais narradores, bem como do que e do como viram e ouviram, porventura influenciados, no reavivar da sua memória, pelo que outras pessoas iam dizendo. Seriam, com naturalidade, tidas como verdadeiras todas as narrativas que tivessem aquele âmago e, conjuntamente, pormenores credíveis na comparação entre todas elas.
É isso que acontece(u) com o Novo Testamento: há quatro relatos, mais ou menos extensos, mais ou menos focados apenas na vida pública de Jesus que a Grande Igreja, num período que não havia controlo centralizado algum, verificou que eram genuínas expressões daquilo “que havia sucedido com Jesus”. E isto, mediante quatro critérios centrais: ligação verificável a um apóstolo de Jesus; aceitação universal nas comunidades mais díspares e geograficamente espalhadas; uso no culto celebrativo público; e mensagem consistente entre tais textos.
Muitas vezes para satisfazerem a curiosidade acerca do que aqueles quatro textos não referiram, dado que os seus autores não creram relevante mencioná-los, muitos outros textos que não cumpriam os critérios antes expostos, não foram aceites como suscetíveis de serem associados aos mesmos (nomeadamente por darem um relevo, exagerado e inconsequente, ao extraordinário). Todavia, tais textos não aceites não foram destruídos. Eram verazmente estimados no que de congruente eles possuíam com os outros quatro.
Nada, pois, no Cristianismo, como o que aconteceu com o islão, em que diferentes governadores (Uthman ibn Affan e, depois, Hajjaj ibn Yusuf) e com finalidades a elas inseparáveis, pegaram em todas as versões do “Corão”, trabalharam para ficarem com uma só, destruíram as demais e distribuíram a “oficial”. No Cristianismo, e lograda pelo amor à verdade e pela verdade que é amor, a variedade na unidade (que não é uniformização) é tida como um bem precioso. E é-o, viu-se, desde a sua génese, não só textual, mas do carácter pessoal de quem seguia a Jesus e veio, mais tarde, a lavrar esses textos.
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