A Depressão e o Sistema Digestivo

A Depressão e o Sistema Digestivo

Depressão pode ter base inflamatória e intestinal?

Mantendo a nossa temática sobre o Sistema Digestivo e escrevendo hoje a fim de complementar o texto publicado há quinze dias, trago ao leitor um assunto muito importante: depressão e sua possível conexão com a inflamação crónica e os intestinos.

Respondendo à pergunta feita no título deste texto "depressão pode ter base inflamatória e intestinal?", segue a resposta:

Sim, pode! Muito além da alteração no equilíbrio e no balanço dos neurotransmissores (substâncias que conduzem informações entre os neurónios, uma das células que compõem o sistema nervoso), a maioria dos processos depressivos podem ter uma origem inflamatória crónica subclínica e intestinal.

Pesquisadores como Irwin et Al (2007), Penninx et Al (2003) e Tuglu et Al (2003) demonstraram que pacientes depressivos apresentavam níveis elevados de marcadores inflamatórios no sangue (especialmente Interleucinas 1 e 2, além de Fator de Necrose Tumoral Alfa e Proteína C Reativa); Muller et Al (2006), em um estudo randomizado, evidenciou que pacientes deprimidos tratados com anti-inflamatórios apresentavam melhoria superior quando comparados ao placebo (pacientes que recebiam "remédios" à base de farinha).

Mas, o que os intestinos têm a ver com isso?

Veja bem, processos inflamatórios iniciados nos intestinos ou através de quaisquer outros disparadores inflamatórios, bem como o excesso de "stress" (níveis recorrentes de cortisol elevado) estimulam a resposta imune inata (do tipo Th1). Essa, quando estimulada, faz com que os macrófagos (células de defesa do corpo) liberem substâncias pró-inflamatórias (citocinas) que rompem uma estrutura que protege o Sistema Nervoso Central, conhecida como Barreira Hematoencefálica, atravessando-a e ativando a micróglia cerebral (um tipo de célula de apoio do Sistema Nervoso).

A micróglia ativada então aciona uma via enzimática secundária, conhecida como via da Indolase 2,3 deoxigenase (ou via IDO), que realiza a conversão do Triptofano (aminoácido essencial proveniente dos alimentos) em Ácido Quinulínico (ao invés de Serotonina e Melatonina, via considerada principal e mais importante para o equilíbrio das emoções e para o sono). O ácido quinulínico então excita os recetores NMDA (glutamatérgicos), produzindo uma maior quantidade de Glutamato, substância excitatória que causa Neurotoxicidade e Neurodegeneração.

Sintetizando o que escrevi agora em uma linguagem mais acessível a todos: a importância prática deste texto é demonstrar que o adequado equilíbrio da microbiota Intestinal e o gerenciamento do "stress" são essenciais ao funcionamento harmonioso do organismo, já que uma microbiota doente e o cortisol em excesso poderão causar um processo de inflamação orgânica assintomática capaz de alterar a química cerebral, trazendo, como resultado, estados patológicos de ansiedade, irritabilidade, depressão, autismo e até as doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer.

Assim, nos dias atuais, já se sabe que a Depressão, nem de longe, é "bobagem", falta de Deus ou de fé; trata-se de uma doença multifatorial que pode ter base inflamatória, disparada por fatores genéticos, ambientais e, especialmente, pelo nosso estilo de vida (alimentação inadequada, "stress", falta de sono, uso de cigarros, álcool, drogas etc.). A adequada intervenção deve atender não apenas o uso de medicamentos inibidores da recaptação da serotonina, e sim dar a apropriada atenção ao microbioma intestinal, ao desbalanço na liberação do cortisol, ao reequilíbrio dos neurotransmissores (serotoninérgicos e glutamatérgicos), ao "stress" oxidativo e à inflamação crónica subclínica.

Autor | André Luís de Castro - Médico com residência em Clínica Médica

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