As Judiarias de Monchique e Nova do Olival
2º Capítulo
A Judiaria de Monchique
Na atual freguesia de Miragaia, fora tanto da Cerca Velha como da Muralha Fernandina, formou-se posteriormente uma outra judiaria, ocupando uma área que ia da Calçada das Virtudes até ao Convento de Monchique, Rua da Bandeirinha e Largo do Viriato. Acredita-se que a criação da Judiaria de Monchique no século XIII tenha ocorrido devido às políticas de segregação e restrição que os judeus enfrentavam na época em Portugal. No caso de Monchique, é possível que os judeus tenham mudado para lá por causa da proibição de alugar ou vender propriedades dentro da Cividade, onde ficava a Judiaria Velha. Essa proibição era uma das muitas restrições impostas aos judeus em Portugal naquela época, e muitas vezes os forçava a se estabelecer em áreas periféricas e menos valorizadas das cidades.
Em Miragaia persistem ainda vários topónimos que aludem à presença judaica: Monte dos Judeus, Escadas do Monte dos Judeus, Largo dos Judeus ou Rua do Monte dos Judeus.
Por volta de 1380, o rabino-mor do rei D. Fernando, Don Yahuda Ibn Maner, fundou a terceira sinagoga do Porto na Judiaria de Monchique. Essa sinagoga era conhecida como a Sinagoga Grande de Monchique e era considerada uma das mais importantes sinagogas de Portugal na época. Dessa sinagoga (aberta entre 1380-86) existe um documento, uma “inscrição de inauguração”, que atualmente se encontra Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa. Na lápide, encontrada na parede ocidental da capela do referido convento, pode-se ler:
“Alguém poderá dizer: Como nom foi resguardada umha casa de tanta nomeada no interior dumha muralha? (...) O maior entre os Judeus, o mais forte dos heróis, e que se levantam os chefes ali está ele de pé. (...) Ele é o Rabi Don Yehudah ben Maner, luz de Judá e a ele compete autoridade”.
Fotografias de Artur Filipe dos Santos | Palácio das Sereias, construído no séc. XVI pela família Portocarrero, atualmente pertence ao Instituto das Filhas da Caridade.
Há relatos que um cemitério judaico (Maqbar) existiu perto da antiga Sinagoga Grande de Monchique, em uma área que hoje é chamada de Monte dos Judeus, contudo não havendo certezas quanto à sua localização exata. Alguns defendem que o cemitério ficava no local onde hoje está o Palácio das Sereias/Mamudas, ao fundo da Rua Bandeirinha, enquanto outros argumentam que este poderia ter estado mais a leste, nos socalcos do atual Jardim Municipal do Horto das Virtudes, próximo da Igreja de S. Pedro de Miragaia.
Judiaria Nova do Olival
A última judiaria do Porto foi a do Olival, conhecida como a Judiaria nova, fundada em 1386 por ordem de D. João I. Os judeus que viviam em Monchique foram realojados nesta nova judiaria, que se situava numa zona fortificada, protegida pela muralha Fernandina. A judiaria do Olival ocupava um terreno de 30 courelas (unidade de medida agrária utilizada na época, correspondente a 100 braças de comprimento por 10 de largura), pagando anualmente 200 maravedis pelo seu uso, conforme estipulado num contrato celebrado com a Câmara Municipal a 2 de junho de 1388. A escritura de posse foi assinada num edifício pertencente à Vereação, na Rua de Belmonte, junto ao Convento de S. Domingos, entre representantes da Câmara e os líderes da Comuna dos judeus, os físicos Mestres Moussem, Dourado, Isaac e Ananias.
Fotografias de Artur Filipe dos Santos | À esq. Igreja de Nossa Senhora da Vitória, construída no local onde terá existido a “esnoga” da judiaria nova do Olival. À dir. Escadas da Vitória, antigas Escadas da Esnoga, uma das portas de entrada da Judiaria Nova do Olival.
O bairro era cercado por uma cerca com duas portas, uma voltada para o Largo da Porta do Olival e outra para as "Escadas da Esnoga" (hoje, Escadas da Vitória) e para o caminho de Belmonte. A Judiaria desenvolveu-se em torno de um eixo principal norte-sul, constituído pela Rua de S. Miguel, que correspondia às atuais ruas de S. Bento da Vitória e de S. Miguel. A partir desse eixo principal, abriam-se travessas perpendiculares que davam acesso às casas e estabelecimentos comerciais da comunidade, limitado a norte por uma viela que seguia para as barreiras da muralha.
Em 1482, houve um aumento na sublocação de casas na Judiaria, encontrando-se aforamentos de edifícios do lado exterior da porta da judiaria.
Decorria 1492, quando ocorreu o édito de expulsão dos judeus do reino de Espanha por Isabel e Fernando, o rei português D. João II negociou com o rabino Isaac Aboab, rabino-mor (gaon) de Castela o estabelecimento de trinta famílias de judeus expulsos na Judiaria do Olival, oriundos maioritariamente das localidades galegas de Ribadavia e Allariz. Essas informações são relatadas pelo médico Emanuel Aboab na sua obra Nomologia.
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Junto à entrada do Mosteiro de S. Bento da Vitória podemos encontrar uma lâmina de mármore que recorda a memória dos judeus convertidos à força.
A pressão da princesa Isabel (coagida pelos seus pais, Fernando de Aragão e Isabel de Castela), que futuramente se casaria com D. Manuel I, foi um dos motivos que levou à escritura, em dezembro de 1496, do Édito de Expulsão dos judeus de Portugal, que teriam 10 meses para abandonar Portugal. No entanto, é importante ressaltar que o próprio D. Manuel I não via com bons olhos essa medida. De facto, muitos judeus eram comerciantes bem-sucedidos em Portugal e contribuíam significativamente para a economia do país. Por isso, o rei não queria perdê-los e adotou políticas de conversão forçada e a separação de famílias para tentar manter muitos dos judeus em Portugal, como por exemplo a retirada de crianças com menos de 14 anos de idade para serem educadas por famílias cristãs. Mesmo um judeu influente, como por exemplo, Abraão Zacuto, astrónomo do rei, um dos grandes responsáveis pela descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, não conseguiu fugir a essa nova realidade, tendo abandonado Portugal por não querer converter-se ao Cristianismo, acabando os seus dias na Síria.
Fotografias de Artur Filipe dos Santos | Casa na Rua da Vitória: na sua fachada ainda é visível o desenho de uma cruz, marca que distinguia as casas habitadas por cristãos-novos.
Diga-se, a bem da verdade, que Portugal terá sido dos últimos países da Europa a tomar a decisão de expulsar as comunidades judaicas do seu território. Muitos judeus foram forçados a abandonar a sua religião e cultura e enfrentaram discriminação e perseguição mesmo após se converterem ao cristianismo, ganhando o epíteto de “Cristãos-Novos”. Não eram permitidos casarem com cristãos “velhos”, não poderiam exercer atividades económicas controladas por guildas cristãs e as suas casas eram marcadas com o sinal da cruz. Ainda hoje podemos encontrar, na Rua da Vitória, mais concretamente no número 223, uma casa com uma cruz na fachada.
Vários foram os membros da judiaria do Olival que partiram na diáspora sefardita rumo aos Países Baixos (como o célebre filósofo Uriel da Costa), França, Inglaterra (um dos grandes primeiros-ministros da rainha Vitória, Benjamin Disrali, é de origem judaica portuguesa) e as Américas. O rei D. João III promulgou duas cartas régias em 1534 e 1539 que ordenavam a concentração dos cristãos-novos em determinadas áreas da cidade do Porto, especificamente na Rua de São Miguel e na Rua de São Bento da Vitória. Essa política de segregação tinha como objetivo controlar e monitorar a comunidade de cristãos-novos e evitar que estes mantivessem práticas judaicas em segredo (criptojudaísmo). No decurso de umas obras numa casa da Rua de S. Miguel (n.ºs 9-11), onde atualmente funciona o lar da paróquia da Vitória, vestígios que poderão indiciar a presença de uma sinagoga secreta, datada, muito provavelmente, do tempo de D. João III. Historiadores da Universidade do Porto creem ter encontrado um hekhal, uma arca santa, ou Aron hakodesh, onde se guardam os rolos da Torah. Datado do séc. XVI ou XVI.
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