
Bons Nascimentos: quantas vezes necessitamos de nascer?
O título do presente artigo pode induzir em erro quem apenas tende a ler os enunciados e os subtítulos preenchendo o conteúdo que lhe resta pela falta de leitura com o conteúdo da sua própria imaginação. Não, não vamos falar de reencarnação e suas teorias, mas de nascimentos psíquicos, de nascimentos em vida que todo o curso da existência humana acarreta. Os seres humanos precisam acompanhar harmoniosamente as mudanças da vida. Viver é mudar, é adaptar-se.
Tais nascimentos também podem ser associados ao processo de metamorfose que vamos sofrendo, em que partes nossas têm que “morrer”, ou ficar para trás. O Homem necessita metamorfosear-se para que novos elementos, novos aspetos e aptidões da sua personalidade possam nascer.
Na Natureza a semente transforma-se numa árvore, a árvore dá frutos e os frutos produzem novas sementes. São várias etapas de um processo total, uno, plural e singular. Todos os frutos começam e começaram a partir de uma semente. Os nossos pensamentos por exemplo são como sementes, enraízam-se na nossa experiência quotidiana, possuem um terreno a partir do qual desabrocham.
Como refere o psiquiatra e gestalt-terapeuta argentino Jorge Bucay no seu conto, “a sabedoria da semente”: “recebo todo o mundo interior como se fosse uma semente, de algum modo pequena e insignificante, mas também cheia de possibilidades. E vejo nas suas entranhas o gérmen de uma árvore magnífica, a árvore da minha própria vida em processo de desenvolvimento […] e assim crescemos, desenvolvemo-nos e evoluímos…”
Como cantava Raul Seixas, “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante / Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Como refere a analista junguiana Irene Gaeta pensando na vida como processo, como essa metamorfose ambulante, viver implica: Nascer, Crescer, Adolescer, Adultecer e Envelhecer. Fases que a par de serem etapas da vida, são condições concretas e simbólicas, polares e complementares entre si, conjugam-se reciprocamente e transformam-se num contínuo vir a ser.
Neste nascer e renascer a cada momento, que a vida nos pede, muito facilmente podemos resistir ou adotar uma atitude arrogante e desligada dos processos naturais que a vida nos impele e desse modo ficar apegados às “medidas” da exterioridade da vida contemporânea, uma vida agitada, inquieta e veloz, comprometida com uma métrica ligada aos teres e afazeres do corpo. Quando nos medimos desse modo instalamo-nos na superficialidade, uma superficialidade que cresce quando desligada do que de mais profundo pode ter a interioridade humana.
Khail Gibran, o genial poeta libanês, afirmou: “não meças o tempo do Corpo pelo tempo da Alma”. Quando ficamos apenas nas exterioridades, nos teres da vida, não experimentamos o ser, aquilo que em nós é mais autêntico, não o experimentamos com tudo o que a vida implica.
Vida é potência em andamento. Quando a travamos bloqueamos o fluxo daquilo que de mais originário e salutar possuímos, aquilo que é o gérmen de todas as nossas possibilidades, quando assim é, definhamos como pessoa.
Não se confunda aqui o ser autêntico como algo vazio, sem identidade e desmedido, mas como a expressão sincera e genuína, nascente e salutar daquilo que se é, por inteiro e em movimento de evolução e expansão.
Para Gibran na “Alma” – mundo interno – o tempo não encurta, mas pode acrescentar – é a diferença entre apenas crescer ou amadurecer. Por isso Gibran enfatiza: “é fulcral acharmo-nos dentro de nós”.
Como já afirmamos em artigos anteriores, a vida pede-nos profundidade e superfície, necessitamos de alternar entre estas duas dimensões. A vida nas suas curvas e contracurvas, nos seus altos e nos seus baixos, nas suas encruzilhadas pede-nos constância na mudança. Fluidez para que seu curso siga por onde deve ir, tal qual como um rio que corre. Somos este fluxo na correnteza da existência. Para seguir é preciso aliviar o peso, deixar para trás o que em excesso carregamos.
É necessária abertura para o novo, e desapego ao que está gasto, àquilo que está fora do prazo. Tal como proclamava o rei Persa a quando do Ano Novo: “é urgente renovar aquilo que o tempo gastou”. Nascer para o que vem, para o que está e há de vir.
Quantos nascimentos são necessários?
Para além dos nossos, penso-nos dos nossos filhos e filhas e na tarefa que desempenhamos enquanto pais, e mais uma vez recorro ao poeta libanês Gibran quando refere: “podeis esforçar-vos para vos tornardes como eles, mas não podeis torná-los como vós. Pois a vida não vive no passado, nem no ontem se detém. Vós sois como arcos de onde, como flechas, vossos filhos são lançados”.
Somos arqueiros de filhos e filhas, somos parteiros de nós, auxiliares da aurora de uns e de outros.
Bons nascimentos. Um Feliz Natal. Que a luz que se anuncia possa nascer e renascer a cada ano que passa.
Sugestões de Leitura |
• Bucay, J. (2004). Contos para pensar. Pergaminho.
• Gibran, K. (2007). O Profeta. Europa-América.
• Gibran, K. (2018). O Livro da Vida – edição de Neil Douglas-Klotz. Albatroz.
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