Bugiada e Mouriscada em Dia de S. João
Bugiada e Mouriscada em Dia de S. João
Bugiada e Mouriscada em Dia de S. João
Bugiada e Mouriscada em Dia de S. João
Bugiada e Mouriscada em Dia de S. João

Bugiada e Mouriscada em Dia de S. João

Em Sobrado, saem à rua, a 24 de junho, os bugios e os mourisqueiros para recordar uma velha contenda entre cristãos e muçulmanos. Com uma raiz profunda, sobretudo, no norte de Portugal, a festa de S. João ganha nesta terra um colorido único e uma teatralidade ímpar que já lhe valeu a integração na rede da Máscara Ibérica.

Os Santos Populares são, provavelmente, das manifestações mais autênticas da cultura portuguesa, que se alarga também à vizinha Espanha, encerrando aspetos de essência religiosa mas também ritos de origem pagã, recordando a pegada dos povos celtas na Península e a sua conexão telúrica às forças da natureza.

De todas as festas, a que encerra maior conexão entre o sagrado e o profano, segundo antropólogos, historiadores e até mesmo teólogos, é a de S. João que se destaca, até mesmo pela veia popular com que as gentes do Porto, Braga, Vila do Conde, Évora, ou na Calheta (Madeira) vivem, saltando fogueiras, levantando alho-porro, distribuindo marteladas ou cuidando de manjericos.

Hábitos, gestos e costumes que guardam reminiscências dos antigos festivais do solstício de verão, que os povos europeus celebravam e cuja herança cultural sobreviveu até aos nossos dias.

E se as celebrações têm, na esmagadora maioria, o seu ponto alto, na noite mais curta (ou longa para muitos) e alegre do ano, em Sobrado, concelho de Valongo, distrito do Porto, é no dia 24 que concentra todas as atenções. Nesta freguesia existe uma tradição que mistura o sagrado com o profano, o bem contra o mal, libertando todas as crenças numa série de danças que recorda o conflito entre os povos cristãos do noroeste peninsular e os muçulmanos.

Nesta vila celebram-se, provavelmente há mais de cinco séculos, as festas em honra a S. João Batista, que têm o seu ponto alto no ritual conhecido como a Bugiada e a Mouriscada. Uma tradição muito estudada por antropólogos do séc. XIX e XX, com destaque para José Leite de Vasconcelos, em particular para a sua obra “Etnografia Portuguesa”, publicada nos anos 30 do século passado. Neste livro, o célebre linguista, filólogo, arqueólogo e, claro, antropólogo, nascido junto à Torre de Ucanha em 1858, desvenda a origem desta manifestação cultural, ao mesmo tempo que descreve os seus rituais.

A lenda relata que habitavam, na serra de Cucamacuca (nome por que era conhecida, na Idade Média, a Serra de Santa Justa), mouros (mourisqueiros), que viviam provavelmente da extração do ouro e do comércio entre os vales do rio Ferreira e Sousa até ao Douro. Um dia, a filha do Reimoeiro (corruptela de Rei Moiro pelo modo de falar local) ficou gravemente doente. O líder muçulmano terá convocado todos os sábios e curandeiros da região a fim de curarem a sua filha, contudo sem resultados, pois não havia jeito da jovem princesa melhorar. O Reimoeiro começava a impacientar-se quando, a páginas tantas, ouviu falar de um grupo de cristãos que habitava ali perto (em Sobrado) e que tinha uma imagem milagrosa de S. João Batista. Esse grupo de seguidores de Cristo era conhecido como os bugios. A mesma imagem já havia, anteriormente curado a filha do ancião da tribo cristã, conhecido como o Velho da Bugiada.

Velho Bugio

Fotografia | O Velho da Bugiada saúda o povo na primeira dança do dia, pelas 8 horas da manhã.

O Reimoeiro, em desespero de causa, pediu a imagem emprestada aos bugios, que num ato de generosidade ecuménica, acederem ao pedido. A princesa moura curou-se finalmente. O Reimoeiro decide organizar um grande festejo em honra de S. João, mas recusa-se a devolver a imagem aos bugios.

Os mourisqueiros liderados pelo Reimoeiro

Fotografia | Os mourisqueiros liderados pelo “Reimoeiro” 

A ingratidão do Reimoeiro vai de tal maneira longe, que, num almoço por este oferecido, numa espécie de afronta final, oferece aos bugios os restos do repasto. Estava dado o tiro de partida para uma querela entre cristãos e seguidores de Maomé, entre os bugios e os mourisqueiros. Os bugios reclamavam a imagem como sua, os mouros recusam-se a dá-la. Estala a guerra, sem, no entanto, impedir que se troquem mensagens entre os beligerantes a fim de se chegar à paz. Nada feito! São chamados à peleja os “doutores de Lei” (advogados), com o intuito de debater as leis entre eles. Também não chegam a acordo, trocam-se tiros entre os dois redutos, conhecidos como Palanques.

O ambiente ferve lá para os lados de Santo André de Sobrado, como viria a ser conhecida mais tarde esta localidade. O Reimoeiro, farto do impasse em que se tornou a guerra, reúne o exército e toma o palanque cristão (bugio) de assalto prendendo o Velho (líder dos bugios). Tudo parece irremediavelmente perdido, sem a imagem e com o velho bugio preso, o conjunto cristão acredita que o seu fim está próximo, às mãos mouras. O líder cristão é levado e parece que apenas um milagre dos céus poderia salvar o Velho e o seu povo de um fim previsível. Mas, eis que um grupo de bugios fiéis ao rei surge, entre a multidão, trazendo consigo uma serpente gigantesca que assusta os mouros, que fogem, deixando o Velho da Bugiada e a imagem para trás. A lenda foi passada de geração em geração até chegar aos nossos dias sobre a forma de rituais cénicos que juntam o melhor das manifestações culturais imateriais, roupas de características únicas, inseridas no movimento da máscara ibérica.

Danças teatrais ao som de instrumentos musicais tradicionais, como a guitarra clássica, a viola braguesa, a rabeca ou o violino conferem um som característico àquela que será provavelmente a maior festa de máscaras da Europa.

Bugiada e Mouriscada

Em 1993 foi inaugurada a Casa do Bugio, associação que visa preservar o legado desta festa, que se encontra no coração da Vila de Sobrado e que, em 2020, apresentou, em colaboração com a Câmara Municipal de Valongo e o Centro de Estudo de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, a candidatura da Bugiada e Mouriscada para a inclusão no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, passo fundamental para uma futura inscrição na lista do Património Mundial.


Fotografias | Artur Filipe dos Santos

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