A Credencial do Peregrino de Santiago e o Porto de outros Tempos
A Credencial do Peregrino de Santiago e o Porto de outros Tempos

A Credencial do Peregrino de Santiago e o Porto de outros Tempos

Património Cultural das rotas portuguesas a Santiago de Compostela

A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago

Depois de apreendida a imensa lição de história da arquitetura e da arte que a Sé Catedral do Porto representa, é tempo de carimbar a credencial de peregrino. Um documento que comprova — à medida que vamos colecionando estampas (duas por etapa) ao longo do caminho, cada vez que paramos numa igreja, num albergue ou num café que presta apoio aos caminhantes — termos cumprido, obrigatoriamente, pelo menos 100 quilómetros da rota (se for a pé, 200 se de bicicleta ou a cavalo). Para além de rechearmos folhas e folhas de carimbos (alguns deles de uma estética extraordinária), garantimos a nossa estadia nos albergues oficiais do Caminho, provando, finalmente, à Oficina do Peregrino, quando chegarmos a Santiago de Compostela, que realmente ultrapassamos a gesta jacobeia, mesmo que esta não tenha sido cumprida de forma seguida, no que respeita ao calendário, mas sim na perspetiva geográfica.

Provar realmente que aqueles que se serviam das regalias do Caminho de Santiago ao longo da história eram verdadeiros peregrinos sempre se provou difícil. Foram muitos os meliantes que, nos primeiros séculos da rota jacobeia, se “disfarçaram” de viandantes ao túmulo do Apóstolo para conseguirem ultrapassar as fronteiras entre reinos e garantir comida e roupa lavada nos mosteiros e conventos, entre outros privilégios. Por essa razão, as autoridades criaram salvos-condutos, em forma de “Cartas de Apresentação”, que provavam a legitimidade da condição de peregrino. Existem vários relatos que atestam a existência destes documentos na Idade Média. Um dos quais refere precisamente um documento emitido no reino de Portugal, a “Carta de Chia”, descrito num manuscrito dos inícios do séc. XVIII intitulado “Viaje de Nápoles a Santiago de Galicia”, da autoria do italiano Nicola Albani. Oriundo da cidade de Malfi, aquele que foi conhecido como importante secretário de nobres e destacados prelados, e que terá peregrinado a Compostela entre 1743 e 1745, descreve o documento como uma espécie de passaporte e que o mesmo garantia “esmola por todos os lugares que passa”. Como curiosidade, este transalpino refere ainda a existência e aquisição de falsos salvo-condutos: “Com essas cartas recolhi, no espaço de três meses que percorri o reino, sequins (moedas de ouro veneziana) meticulosamente colocadas no bolso, porque em todo o reino de Portugal, como em Espanha, não há cidade que não tenha uma congregação de São Francisco e embora não haja convento, há uma irmandade de frades e freiras”.

E porque o tempo também corre atrás do peregrino, é tempo de guardar a credencial devidamente carimbada e virar costas ao terreiro da Sé, descer as escadas que nos levam, de seguida, a cruzar o largo do Colégio de S. Lourenço, parando alguns momentos para contemplar a fachada generosa da Igreja dos Grilos (assim chamada porque os padres jesuítas que fundaram este cenóbio, em 1577, bem como o primeiro colégio de ensino gratuito na cidade do Porto, utilizavam uma batina cortada a meio a partir do fundo das costas, assemelhando a veste às asas de um grilo) e entrar naquela que é considerada por muitos historiadores como a rua mais antiga do burgo: a Rua de Sant’Ana, que até já se chamou Rua das Aldas. Ao fundo, depois de ultrapassarmos o nicho com uma imagem de Santa Ana, que nos recorda que naquele local existiu uma porta da primeira muralha da cidade e cuja descrição tão bem Almeida Garret soube escrever na sua obra “O Arco de Sant’Ana), fletimos para a esquerda, em direção à Rua da Bainharia (onde se localizavam as oficinas dos artesãos que se dedicavam à manufatura de bainhas para facas, espadas ou canivetes) e descemos rumo à rua de Mouzinho da Silveira.

Aqui podemos imaginar o tempo em que esta rua não existia. Onde agora encontramos a íngreme via que liga a notável estação ferroviária de S. Bento à Praça do Infante D. Henrique, conectando a baixa e a alta da cidade, passava o Rio da Vila, que nascia junto ao Convento de S. Bento de Avé Maria (onde precisamente se encontra a gare) fruto da conexão de dois ribeiros, descendo a colina em direção à ribeira para se encontrar com o Rio Douro. Agora encanado e com estacas robustas a segurar, desde 1872, a via que haveria de se chamar Mouzinho da Silveira, podíamos encontrar no Rio da Vila, mesmo em frente à Rua da Bainharia, uma ponte que conduziria o peregrino de outros tempos até ao lugar ocupado pelo antigo convento de S. Domingos e daí até à rua de Santa Catarina das Flores, que mais tarde viria a deixar “cair” a Santa e conservar somente as Flores.

É precisamente na Rua das Flores que, na atualidade, o peregrino pode escolher um dos três Caminhos que o levam, a partir de agora, a Compostela: o Caminho Central por Braga, o Caminho Central por Barcelos, ou ainda pela Costa, se a partir de S. Pedro de Rates desejar caminhar mais próximo do litoral.


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Fotografia | Ivan Blanco Vilar

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