Deus, OVNI's e os ET's
Após alguma expectativa, mais alimentada pela desinformação do que pela (in)formação, o Pentágono deu a conhecer, há dias, um conjunto de dados relacionados com um conjunto de fenómenos que, convencionalmente, se denomina de “OVNI's”: Objetos Voadores Não Identificados. Cerca de centena e meia desses fenómenos foram assumidos como inexplicáveis e só passiveis de ocorrerem, em geral, mediante o domínio de tecnologias que, no presente, se estimam inexistentes. De modo muito redutor, as hipóteses descritivas de tais eventos reduzem-se a três: tecnologia secreta dos EUA; tecnologia de países terceiros; e ações de outras proveniências (eventualmente, mas não necessariamente, extraterrestre).
Não se sabe se este é mais um caso de “montanhas a darem à luz ratos”. É possível. Mas de certeza absoluta que a ambiguidade, presente nos dados veiculados pelo Pentágono, alimentará imensa especulação, até porque os negócios relacionados com “estas coisas” geram imenso dinheiro.
Imagem | O sinal "Wow!" foi um forte sinal de rádio recebido no dia 15 de agosto de 1977, pelo radiotelescópio Big Ear nos Estados Unidos, que era então usado para apoiar a pesquisa por vida extraterrestre. O sinal aparentemente veio da direção da constelação Sagittarius e trazia as marcas esperadas de origem extraterrestre. (Curiosidade: Revista Astronomy)
No âmbito mais sério do espetro dessa especulação, encontram-se aqueles cientistas, de distintas áreas, que se interrogam acerca do impacto, para a humanidade, de um contacto com Extraterrestres.
De um lado, há aqueles que, na linha da ilusão moderna de que a tecnologia é a solução para todos os problemas da humanidade, dizem que um tal contacto seria apenas benéfico, nomeadamente por se poder receber, de tais seres, conhecimentos capazes de melhorarem, e até estenderem, a nossa vida.
Do outro lado, há quem olhe para a história da humanidade e, recordando-se das consequências para os nativos da chegada consciente dos europeus às Américas (com a difusão de doenças para os quais os autóctones não estavam preparados para lidar), receie que a humanidade possa ser dizimada. Algo inverso, por conseguinte, à trama narrativa de “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells.
Seja como for, estimando-se que a probabilidade – calculada originalmente por Roger Penrose e, entretanto, aceite pela comunidade científica, depois de divulgada em “The Emperor's New Mind” – de haver condições para a vida (em qualquer forma que a queiramos imaginar) é de 1 sobre (1010)123, não sendo impossível haver ET's, a sua existência não é tão linear quanto isso (como termo de comparação, note-se, primeiro, que o número de átomos no universo é de aproximadamente 1080 e, segundo, que a probabilidade de se ganhar o Euromilhões 8 vezes de seguida é, sensivelmente, de 1 sobre 1080, o que, comparado com aqueloutra probabilidade, é quase infinitamente grande). Mas, e se existirem extraterrestres: implica isto algum dilema para a forma como o Cristianismo encara a realidade? A resposta, dada pelos estudos de exoteologia cristã, é breve: não. A explicação da mesma é que é menos sucinta.
Imagem | European Southern Observatory
Desde logo é preciso entender o que o Cristianismo entende por “ser humano”. Este é um ser que, pelo menos na linha de um potencial de ontogénese, é dotado da capacidade de, livremente, conhecer e amar de modo consciente (saber que o faz) e reflexo (ser capaz de refletir sobre esse saber). Ou seja: o que faz um “ser humano”, não é a nossa constituição anatómica, donde qualquer ser, tenha ele a aparência que tiver, que se enquadrar dentro dos parâmetros antes apontados, é um “ser humano”. Eis a razão de não se dever confundir “ser humano” com “homo sapiens sapiens” e, assim, poder-se admitir, sem nenhum problema para a cosmovisão cristã, a existência de “seres humanos” que não são da nossa espécie biológica.
Imaginemos, agora, que esses “seres humanos”, distintos de nós, são extraterrestres e não, por exemplo, formigas ou orangotangos. Nada disso se opõe à forma como o Cristianismo encara a realidade. Deus-Amor é infinitamente pródigo na sua capacidade de sonhar com seres capazes de estabelecerem relações de amor criativo com ele. Assim, e à semelhança do seu amor específico e irreiterável por cada “ser humano” “homo sapiens sapiens”, Deus certamente amará cada espécie de “seres humanos”, para a qual ele deseja, e contribui para, a felicidade dela. E isto, não passa seu benefício, mas para a dela própria.
É um facto que o centro do Cristianismo é a crença, configuradora de uma história religiosa bem mais alargada, de que, em Jesus, Deus-Amor se fez um “ser humano” (“homo sapiens sapiens”) para consumar, de modo único e irrepetível, uma relação matrimonial com a nossa espécie. Uma relação que foi maximamente expressa na aceitação amorosa – e até “louca”, para muitos que desconhecem as dinâmicas do amor – da morte que lhe desejámos infligir – e que nos “mereceu” o perdão mais bondoso e gratuito que possamos imaginar.
Isto, porém, em nada invalida o que já foi dito, embora possa levar a que se questione se os eventuais ET's não terão as suas próprias histórias religiosas. Se tiverem, e seguindo-se as intuições de C. S. Lewis presentes em “Religion and Rocketry”, é de se distinguir quatro tipos de “histórias religiosas extraterrestres”. A saber: [a] aquelas em que estes não seguiram o desamor; [b] aquelas em que os mesmos conheceram o desamor, e tiveram um processo de libertação das amarras deste desamor, e das suas consequências, distinto do conhecido pelo Cristianismo; [c] aquelas em que tal desamor foi conhecido, mas estando tais ET's à espera de conhecerem como dele se libertarem; [d] e, por fim, aquelas que são análogas à história cristã.
Surge agora, e apenas agora, uma questão fundamental: se, na história cristã e como foi dito, Jesus é tão central e único, como compaginar isto com a possibilidade dessas outras histórias religiosas de extraterrestres? Várias hipóteses podem ser avançadas, mas em todas elas é possível conceber aquele mesmo papel para Jesus, seja em analogia com o que o Cristianismo faz face às demais religiões (que desconhecem o “Deus-que-se-fez-Homem”) – [a], [b] e [c] –, seja face a uma eventual atuação de Deus junto desses seres que seja parecida com a descrita pela história cristã – [d]. É considerando-se esta segunda possibilidade que algo mais precisa de ser dito.
Mais acima escreveu-se «Deus-Amor se fez um “ser humano” (“homo sapiens sapiens”)». Repare-se que “homo sapiens sapiens”, vem (mas não precisava de vir) dentro de parêntesis. Será possível, então, que o mesmo Deus-Amor se tenha feito “ser humano” noutras espécies, sem que isso elimine a já apontada centralidade e unicidade de Jesus? Sim, é possível, mas quiçá apenas conquanto se admita, de uma forma ou de outra, que o que Jesus foi e é – segundo os cristãos – para a nossa espécie, tenha tido alguma relação com o que foi, e é, o Deus-Amor que se fez “ser humano” noutras espécies. Confuso? Não precisa de ser. Uma analogia (muitíssimo imperfeita) pode ajudar: o que sou como professor Universitário tem implicações tremendas para o que sou como esposo (e pai) e vice-versa, mas sem que isso negue as diferenças necessárias, nem implique misturas inapropriadas. Seria sempre a mesma pessoa a viver em circunstâncias distintas que me moldam de modos diferentes, mas todos eles interligados (embora não necessariamente cientes por mim).
Em suma: a compreensão cristã da realidade convida os cristãos a celebrarem a vida e a ação levada a cabo por Deus-Amor onde e como elas surgirem. Para eles, toda vida, amor e verdade radicam ultimamente em Deus, e, assim, devem ser festivamente comemoradas com humildade, curiosidade, ousadia e respeito.
Autor | Alexandre Freire Duarte - Docente e Investigador de teologia na Universidade Católica Portuguesa.
Fotografia | Juantiagues