Emoções em contextos de crise

Emoções em contextos de crise

“Tenho a impressão de que o conceito de criatividade e o de pessoa sã, autorrealizada e plenamente humana estão cada vez mais próximos um do outro e quem sabe possam ser o mesmo.”

Abraham Maslow

Estamos perante uma situação nova, embora as velhas crises teimem em persistir, o que é certo é que estamos sempre perante o novo, ainda que “o velho” insista em distorcer aquilo que se apresenta. Estamos em Crise, e isso não é novidade.

A realidade das crises, confronta-nos com o quotidiano familiar, social e económico, e traz para o seu seio o sentimento de incerteza e insegurança, o que inevitavelmente nos leva a bater de cara connosco e com os outros.

Na crise o que vem representa incerteza, toca a insegurança e confronta-nos com a dúvida, o paradoxo é que esses também são os ingredientes da criação. O que virá terá de ser criado, terá de ser inventado. A Vida convida-nos à criação, sejamos criativamente saudáveis. Que grande desafio!

Mas o que se passa quando estamos em crise?

Em crise a maioria de nós oscila entre sentimentos de esperança e desespero, confiança e medo. Em alturas de grande crise pode ser de grande ajuda ser pró-ativo perante a realidade que se vive. É necessário encontrar outros sentidos para a realidade vivida.

Sabemos que as pessoas que encontrarem um papel significativo para si, qualquer tipo de responsabilidade para assumir, ou converterem as suas tristezas e ansiedade na criação de algo novo, descobrirão que essas atitudes fornecem um contrapeso significativo à falta de controlo que a crise atual acarreta. Ou seja, temos sempre a necessidade de encontrar um propósito, temos sempre de caminhar pelos sentidos da vida. Existem sempre outros sentidos, vários destinos.

O sentido da vida não é simplesmente uma interpretação, é antes de mais uma vivência integrada e coerente de se sentir que se está vivo a partir do lugar de onde se vive, isto, apesar das condicionantes, das circunstâncias e dos limites.

As condicionantes presentes não têm que ser uma condição e os limites uma limitação, possuímos a capacidade de ir além, de não ficar aquém. Não que neguemos as condicionantes e as limitações, mas vivemos a partir delas para ir além delas.

No princípio pode não existir sentido, mas quando nos mantemos firmes no caminho ele encontra-nos. O sentido do caminho da existência não implica marcha em continuo, ele também inclui as pausas, as decisões, e as indecisões, os acertos e os erros. O que o caracteriza é a constância do ritmo próprio e necessário de cada momento existencial.

Para além do sentimento de impotência, o momento de crise, confronta-nos com a incerteza que gera um conjunto de tensões que é necessário aprender a gerir. Essas tensões podem causar ansiedade. É preciso ter em conta que a ansiedade pode ser considerada de múltiplas formas: existencial, natural, inerente à vida, saudável ou disfuncional.

O que diferencia uma da outra não é exatamente a ansiedade, mas o suporte e o diálogo que estabelecemos com ela, ou seja, a forma como ela é vivida e a coragem com que a enfrentamos. As vivências de ansiedade, ainda que muito dolorosas, são possibilidades de crescimento e de auto atualização. Por isso é preciso falar com as nossas ansiedades, saudáveis ou patológicas, funcionais ou disfuncionais, compreendendo-as como oportunidades de flexibilização.

Oportunidade de flexibilização dos nossos padrões existenciais, ampliação da nossa capacidade de suporte (contenção) e de identificação da nossa retaguarda, do nosso suporte social, para que possamos melhor nos apropriarmos da nossa coragem de ser (Tillich, 1967).

Em situações de crise o problema não é cair, mas descobrir que temos força para nos levantarmos. Nesta fase é essencial gerir o medo, o tédio e a raiva. É essencial dar hospitalidade às emoções aos sentimentos e aos afetos. É importante dar hospitalidade aos nossos sentimentos. Só damos hospitalidade àquilo que permitimos entrar, reconhecer, olhar, acolher.

Ao aceitarmos e hospedarmos os nossos sentimentos, confirmamos também no outro essa possibilidade, a possibilidade de podermos sentir o que estamos a experimentar. É importante legitimar e confirmar que somos seres vulneráveis e frágeis, mas ao mesmo tempo que somos frágeis também conseguimos ser firmes, não precisamos de ser fortes, não temos que dar conta de tudo.

Legitimar é abrir, possibilitar a presença, hospedar a qualidade de emoções, sentimentos e afetos que experimentamos. É uma espécie de abertura, uma abertura que recebe. Abertura é poder dar uma nova resposta a uma nova situação, ou uma resposta nova numa velha situação. A resposta antiga é carente de espontaneidade, uma nova resposta não pode ser criada sem espontaneidade. Devemos distinguir entre espontaneidade adequada e apropriada e espontaneidade errática e inadequada.

Dar hospitalidade ao que se experimenta, é abrir-se à possibilidade de encontrar uma resposta diferenciada a uma nova situação, o que requer senso de oportunidade, imaginação para a escolha adequada e originalidade de impulso próprio. Resumindo a atitude saudável, porque espontânea requer: adaptação plástica, mudança e novidade, e uma resposta à mudança da realidade presente.

Que posso eu fazer para ultrapassar o que estou a viver?

Posso encarar a situação. Encarar é mostrar a cara, confrontar, ficar cara a cara com a vida. Poder olhar e ver, ouvir e escutar, sentir e pensar (Muniz de Rezende). Se as vulnerabilidades não são encaradas, ou perduram sem aceitação e resposta, podem gerar dor. É uma dor que gera sofrimento psíquico, e que muitas vezes resulta da diferença entre o que é, e o que eu gostaria que fosse. Isto gera sofrimento.

Para o gestal terapeuta Guillermo Feo:

“O sofrimento existencial é uma constatação que se instala, a pessoa contacta com as suas vulnerabilidades e com suas preocupações. Ela passa a confrontar-se com o modo como tem lidado consigo.”

Este confronto com as nossas vulnerabilidades desafia-nos na superação do que nos inibe, bloqueia ou impede. Superar é sempre uma “super-ação” perante aquilo que nos é dado a viver. Quando nos superamos recebemos a nossas vulnerabilidades de uma forma comprometida e desperta. Receber as vulnerabilidades é já uma forma de aceitação.

Neste sentido receber e aceitar as vulnerabilidades é uma forma de consentir os nossos limites, pois como defende Gláucia Tavares é o limite que nos dá a borda, e nos mostra que não é necessário transbordar. Limite é diferente de limitação.

Enquanto a emoção não entra, ela não vai embora. A emoção enquanto não é integrada ela fica por ali, pairando sem lugar. Sentimentos e emoções precisam de lugar, precisam de história, precisam ganhar expressão.
Na crise, crie e partilhe.


Gostou do texto? Deixe abaixo a sua reação e comentário... smiley


Ver também |

Sons que valem a pena

Sons que valem a pena

Maus-Tratos a Idosos: Aspetos Jurídicos
Maus-Tratos a Idosos: Aspetos Jurídicos

Pronto para embarcar na próxima aventura? Garanta seu alojamento com o Selo Draft World Magazine e descubra o mundo connosco!  Reserve agora