Freud: A Psicanálise e o Ateísmo

Freud: A Psicanálise e o Ateísmo

Um dos grandes mestres do cenário sociocultural em que vivemos é, sem dúvida alguma, Sigmund Freud. O seu pensamento, mais do que estritamente científico, deve ser considerado uma mistura de mitologia dos processos mentais e humanos e de uma busca empírica a posteriori que atestasse os seus pressupostos de tal mitologia. Não nos enganemos: nisto, Freud foi genial; absolutamente genial. As consequências disso é que, por mais impacto que tenham tido, não foram tão positivas quanto isso.

Um dos aspetos fundamentais que, desde logo, devemos levar em consideração, é que – no desenvolvimento do seu pensamento acerca da psicanálise, também como eventual sustentáculo “científico” do (seu) ateísmo – Freud nunca escondeu que o seu «verdadeiro inimigo [era] (...) a Religião: a Igreja Católica Romana» enquanto expressão do “feminino” da existência humana (Freud, citado em Hendrik RUITENBEEK, Freud as We Knew Him, p. 344). Isto, como é evidente e com tudo o que isso comportou de busca ansiosa de justificações para a sua crença infantil na inexistência de Deus, marcou tremendamente toda a sua produção intelectual e, até, o seu interagir com os seus pacientes.

Baseado em Ludwig Feuerbach, Freud passou a sua vida numa busca, por si caracterizada como ávida e aborrecida, de provas de que a religião e a crença em Deus eram uma ilusão nefasta para o ser humano. Repare-se, por favor, no que eu já disse: Freud não estudou as religiões e interagiu com pacientes e, depois, concluiu pelo ateísmo e elaborou a sua psicanálise. Não. Ele parte do seu ateísmo e do seu extraordinariamente elaborado sistema psicanalítico em demanda de provas literárias e empíricas que os justificassem.

Acerca da sua busca de razões para o ateísmo – a qual, para Freud, é a causa fundamental para ter desenvolvido a sua psicanálise –, ele, numa das suas cartas, queixa-se do aborrecimento que sentia por ter que ler diversos livros relativos à religião quando, no fundo, ele mesmo já sabia instintivamente a origem enganosa da crença em Deus (Ernest JONES, Sigmund Freud, vol. 2, p. 123): a persistência de neuroses sociais, das quais se devia sair pela luz do cientismo materialista. Nada de científico, pois, nisto.

Pior ainda: Freud não se limitou a acolher, para as suas sessões de psicanálise, quaisquer pessoas. Não. Ele escolhia-as “a dedo”, pelo menos a nível daquelas que aceitava acompanhar mais duradoiramente, para, a partir do que elas lhe referiam, encontrar comprovativos para a sua convicção de que religião era algo de espúrio e até doentio. E isto, porque, segundo ele, quem cria em Deus teria que estar a viver numa busca desassossegada de algo que lhes trouxesse conforto e consolo, e que, portanto, tais crenças eram linearmente falsas.

O brilhante livro "Freud’s Patients: A Book of Lives", de Mikkel Borch-Jacobsen, é um testemunho, por vezes comovente e doloroso, da vida de tantos e tantos incréus e "devotos" com gravíssimos transtornos mentais que foram “usados” e até “abusados” por Sigmund Freud («queria esganá-los a todos», diz Freud, citado por Anna Kollreuter, "What is this Professor Freud like?", p. 94) para sustentar o que já pude referir: a falácia da religião e a validade das suas teorias psicanalíticas. Teorias estas, também por ele inventadas para prover economicamente a sua família, através de algo aparentemente inédito (e, assim, suscitador de curiosidade), mas baseado numa “colagem” acrítica de dois elementos que passarei a indicar.

De um lado, os dados provindos de saberes humanos centenários e até milenares (alguns deles também religiosos – recordemos que Freud nasceu numa família judia –). Do outro lado, o apego obstinado à ideia de que a estrutura (e o processo dela decorrente) dos agentes interativos do aparato psíquico humano (id, ego, superego) era um paralelo inequívoco da ecotomia (oicos: casa; temnô: corte; ou seja, algo como “estratigrafia da casa”) da classe média-alta vienense, na transição do séc. XIX para o seguinte. Isto é, um paralelo entre tais agentes e a separação, nas ditas casas, de quem vivia nas caves, na casa comum e no sótão.

Mas o facto é que, por exemplo, eu estimo (e sei) que a minha esposa, por mim imensamente amada, é capaz de me (re)confortar e (re)consolar com a sua bondade e compreensão (virtualmente infinitas), mas isso não significa que ela não seja real. Assim e, se, de um lado, existe aquela supracitada necessidade (absolutamente natural ao ser humano) de profundo conforto, e, de outro lado, se sabe que nada no Universo a pode colmatar, a mais simples e viável explicação talvez seja afirmar que deve haver “algo” que transcende o meramente criado que a poderá saciar – “algo” que os cristãos sabem ser o Deus-Amor que, na “loucura” da Cruz por Si aceite, disse, a cada um de nós, algo como: “Eu amo-te mais do que a Mim”.

Freud, verdade seja dita, entreviu – mais profunda e amplamente do que muitas outras pessoas, quiçá por ter sido um ateu honesto (não se furtando à infelicidade e à angústia que essa condição comporta) – aquilo que de obscuro e trágico existe no ser humano. Dessa forma, ele viu bem a necessidade de uma salvação, mas, como já afirmei, identificou esta com o cientismo materialista (dois conceitos que remetem para realidades quiméricas).

Freud era, infelizmente e a nível dos seus pressupostos filosófico-religiosos, um amador, rejeitando o judaísmo e estimando o Cristianismo como uma soma de asserções demasiado boas para serem verdadeiras. Desse modo, acabou por estilhaçar a verdade acerca do que é a natureza humana, o ser humano e, enfim, a pessoa humana, pois separou o por si crido como “verdadeiro” (só dado pelas ciências materialistas) daquilo que era o “bem” (cuja busca afirma ser ilusória e dolosa, tal como o seriam as religiões que maximamente o propõem).

Não admira, perante tudo isto, que, em relação à psicanálise – a qual, por exemplo e no que concerne à tão afamada “sublimação”, não encontrou, até hoje, qualquer suporte científico, quando muito uma tímida afirmação de que poderia, em teoria, ter algo de verdade (Emily KIM, et alii, Sublimation, culture, and creativity) –, o seu próprio “pai” dissesse (ignoremos o racismo das suas palavras) que tinha a mesma eficácia do que tentar «lavar um preto até este ficar branco» (Freud, citado por Otto RANK, Beyond psychology, p. 272).

Poderia terminar este texto de muitas formas, mas sendo eu um teólogo e tendo ele sido inspirado numa troca de palavras com uma amiga aluna minha, deixem-me apenas afirmar que, em derradeira análise, a dita “sublimação” é sempre uma forma, pelo menos incipiente e «flexível de repressão» (Freud, citado por Ernst KRIS, Psychoanalytic Explorations in Art, p. 25). Deveras, ela só deixaria de ser repressiva se, e só se, se tornasse consciente, deixando, logo, de ser “sublimação”, porquanto Freud diz que esta é um artifício inconsciente de defesa.

O essencial no ser humano, assim, não é nem a repressão, nem a sublimação, mas a cuidadosa e delicada humanização da nossa humanidade em todas as suas dimensões, inclusive as naturalmente instintivas (as quais, desde a perspetiva cristã e enquanto justamente naturais, são potencialmente boas e belas). Ou seja, o essencial é potenciar o reesboçar, desde o fundo – no, com e para o amor –, das raízes do nosso ser através do levar as mesmas à sua plenitude humana possibilitada pelo encontro com a Raiz de tais raízes: Deus-Amor. Aquele Deus que fecunda uma existência progressivamente liberta do poder dos determinismos e, assim, cada vez mais autêntica e pessoal; isto é, amante.


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