“A Vocação e Maldição são Dádivas do Ser”
 “A Vocação e Maldição são Dádivas do Ser”
 “A Vocação e Maldição são Dádivas do Ser”

“A Vocação e Maldição são Dádivas do Ser”

“Um capturador de instantes quotidianos”, assim é descrito o artista plástico Gilberto Gaspar pelo escritor Luís Filipe Sarmento, numa resenha que nos embala e nos leva a entrar no mundo do artista. Em mim, o seu texto, despertou ainda mais a vontade de conhecer o Gilberto Gaspar e as suas obras, fui ao seu encontro e conversamos sobre o caminho que tem feito, as venturas e desventuras que o mundo artístico traz numa encruzilhada que por vezes envolve o artista em sentimentos contraditórios: “Por vezes pode ser uma luta interior motivada por insatisfação”, afirma Gilberto Gaspar.

Mas, já lá vamos à dicotomia da vocação e maldição! Comecemos por saber, quem é Gilberto Gaspar? De feições serenas, postura humilde e pacata, o artista de olhos azuis é filho de Lisboa, nasceu em 1964, mais precisamente na Mouraria onde viveu cerca de quarenta anos. Na idade adulta, o alfacinha rumou a paragens mais calmas e tem hoje o seu refúgio na margem Sul, mais propriamente na Lagoa de Albufeira, concelho de Sesimbra: “Conheço a Lagoa desde os meus seis anos e é onde tenho o meu ateliê”, sublinha.

Gilberto começou o seu caminho no mundo das artes na Escola António Arroio, seguindo para a Sociedade Nacional de Belas Artes, passando pelas Caldas da Rainha, e por fim, nas Belas Artes de Lisboa.

Para conhecer a sua essência saiba tudo pela voz do próprio, o artista plástico, Gilberto Gaspar...

Gilberto Gaspar e os seus quadros

Em que altura da vida se deu o “chamamento” do gosto pela arte?

Penso que me apercebi muito cedo deste dom, apesar de em alguns momentos da minha vida, o considerar uma maldição. Por vezes pode ser uma luta interior motivada por insatisfação.

Porquê uma maldição?

A maior parte do meu processo criativo funciona com “dicotomias” na minha opinião o ”dom” ou a vocação e maldição são dádivas do ser, ambas produzem inquietações antagónicas, que por vezes consomem-me, mas como se diz: ”O bom caminho por vezes é o mais atribulado!”

Chegou a ponderar mudar o curso da sua vida e ignorar o dom?

Essa pergunta vem “a talhe de foice!”, sim aconteceu, quando o meu primeiro filho nasceu, o Valentim, eu tinha uma exposição individual no ano seguinte, marcada para o dia do meu aniversário, que cumpri, já não me lembro do título, era ali na Avenida de Berna, mas o espaço já não existe e no dia da inauguração só estiveram o meus amigos mais chegados e família, eu confessei que esta iria ser a minha última manifestação, que iria mudar de vida, estava numa idade que ainda podia mudar, o caricato foi no dia seguinte o telefonema que recebi, dizendo para passar pela galeria pois tinha vendido a Obra toda. – Relembra com um sorriso no olhar.

Há quem diga: “Ser artista não é uma profissão”

Já sentiu essa discriminação?

Quem não sentiu? Mas nunca me incomodou, este é o meu caminho. deito-me e levanto-me sempre a trilhá-lo, tem sido a maior aventura da minha vida.

Quais são os temas que gosta de abordar nas suas obras?

Os temas que eu abordo têm mudado ao longo do tempo. Uma primeira fase académica em que falei e pintei sobre o desejo, a pele e o corpo atingindo o seu ponto alto com a série “Mapas de Pele”. Considero este momento um ponto de viragem no meu trabalho.

A seguir organizei-me por “séries” com títulos que encaminham ao que sinto, sempre balizado em contínuo no sentido de gerar aprendizagem no processo.

Hoje, os temas abordados incluem a assimilação da atualidade, do mundo dos Humanos, o amor, o ódio, a política, o comércio, entre outros. Elaboro analogias que são bem conhecidas pela minha geração num discurso de lugares comuns.

Qual é a mensagem que quer passar a quem vê e compra os seus quadros?

A arte não é um peso, será sempre uma importante manifestação humana, como tal deve falar para quem a vê e chegar sempre mais longe. Para mim é ponto assente que o espetador deve sentir, compreender a causa do seu próprio despertar através dos meus quadros, o belo, o feio, a harmonia das cores, o propósito e o encanto.

gilberto gaspar a pintar

O que sente quando está dedicado à composição de um novo quadro? Isola-se no momento da criação? Ouve música?

Ao longo do tempo tenho-me libertado dos tabus que a própria pintura encerra, achei sempre que era importante para o meu trabalho superá-los. Um desses tabus e que se tornou gratificante é o facto de pintar e desenhar em qualquer lugar e muitas vezes exposto ao público. Esta nova atividade que abracei, “Urban Sketcher”, revela mecanismos que produzem pintura. Costumo sonhar com o quadro, escrever sobre ele, desenhar e pesquisar, vou deslindando o meu próprio enigma.

Pintar por si só é uma ação solitária, mas não me isolo, faço o contrário, convívio. Não ouço música, mas sim estações de rádio. Gosto de pensar no que falo e vejo, quando vejo pinto, quando penso elaboro.

Como observador, como vê os seus quadros? Consegue colocar-se do outro lado do artista?

Sinto um grande privilégio em ser sempre o primeiro espetador, os quadros do Gilberto Gaspar divertem-me, inspiram-me, e iludem-me com o frenesim da sua inquietação, com humor. Mostram-me que temos alguma coisa em comum, por falar muitas vezes de factos e histórias que nunca esquecemos, faz-me sentir que o inusitado tem um propósito.

Está presente na exposição “Recortes”, o que é que os visitantes vão encontrar?

Para esta exposição trago a minha mais recente série “Os Delírios do Artista” onde cada quadro é um arquétipo como “A Caroça”, O Caldeirão", “Os Colonos” e outros que tais. Trata-se de duas exposições individuais: eu e a Jú Bandeira, e o título “Recortes” é o que nos une, eu acho o nome pertinente e atual. “Recortes” podem ser fragmentos por vezes inopinados na escolha e que eleitos formam novos contextos.

Esta exibição tem a curadoria de Olga e Sousa, há uma boa energia entre artista e curadora?

Olga e Sousa com Gilberto Gaspar

Começou por ser um feliz encontro e hoje temos uma boa relação de trabalho, é sempre bom ter alguém por perto que acredita em nós, com a força que só ela sabe implementar. Considero muito a Olga, sempre gostei de relações duradouras embora a vida me tenha mostrado o contrário. Esta promete!


Leia as palavras do escritor Luís Filipe Sarmento sobre o artista plástico Gilberto Gaspar ► AQUI

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Jú Transforma Papel Velho em Arte
Exposição "Recortes"

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