Mestre Adão Mantém Viva a Tradição das Máscaras do Entrudo
Os Caretos e Senhorinhas de Lazarim: entre a Tradição Cultural e Ritualística...
A tradição dos Caretos e Senhorinhas de Lazarim, na pitoresca região de Lamego, é um testemunho vivo da riqueza cultural e ritualística das comunidades rurais portuguesas.
Para compreender plenamente a tradição dos Caretos e Senhorinhas de Lazarim, é essencial situá-la dentro do contexto histórico e cultural da região.
As possíveis origens dos Caretos e Senhorinhas remontam a antigas celebrações pagãs, possivelmente de reminiscências castrejas celticizadas, associadas à fertilidade, renovação e proteção das colheitas, festividades sazonais adaptadas, séculos mais tarde, pela religião cristã.
Os Caretos e Senhorinhas desempenham, tal como no passado, um papel fundamental na identidade cultural e no folclore desta aldeia e da região de Lamego, com impacto desses personagens na coesão social, na promoção do turismo cultural e na preservação do património histórico.
Entrudo de Lazarim: cinco semanas de folia...
Fotografia de Artur Filipa dos Santos
Na aldeia de Lazarim, povoação com cerca de 500 habitantes, o ciclo do Entrudo desdobra-se em dois períodos distintos. O primeiro período tem início no quinto domingo que antecede o Domingo Gordo, enquanto o segundo período estende-se desde o Domingo Gordo até à Quarta-Feira de Cinzas.
O Domingo destaca-se como o dia central das celebrações que precedem o grande festim do Entrudo. O primeiro domingo é tradicionalmente reservado aos “Amigos”, marcado pela aparição dos primeiros caretos que percorrem a povoação. Ao longo dessa primeira semana, a dieta alimentar enriquece-se com uma variedade de carnes, especialmente as provenientes do porco, que serão ritualmente consumidas durante este período, antecedendo o período de abstinência próprio do momento religioso da Quaresma. O domingo subsequente é dedicado às “Amigas”, seguido pelo “Domingo dos Compadres” e, por fim, pelo “Domingo das Comadres”.
Durante este ciclo, observa-se uma clara divisão entre os géneros, acompanhada por demonstrações de força e autoridade, num ambiente de liberdade e folia, caracterizando a subversão da ordem estabelecida típica do Entrudo, de forma a “lavar a roupa suja” e alcançar um equilíbrio final no seio da comunidade.
Porque também em Lazarim se abria o véu dos fuxicos e coscuvilhices (à semelhança das “loas” dos caretos do nordeste trasmontano) angariadas ao longo do ano e lançado à praça pública uma vez por ano. Não era raro haver contendas pós-entrudo, já que muitos dos visados “desmascaravam” os autores morais dessas inconfidências, seja porque lhes reconheciam a voz, ou por qualquer gesto característico.
Fotografia de Artur Filipa dos Santos
Na “terça-feira gorda” há lugar leitura do “testamento carnavalesco”, momento que torna o centro de todas atenções, desenrolado a partir de características únicas no contexto das comemorações desta data, sem paralelo em todo o território português: uma rapariga lê o testamento do Compadre enquanto um rapaz lê o da Comadre.
As máscaras tradicionais de Lazarim manifestam a efémera fragmentação da comunidade, delineando distintamente os Caretos e as Senhorinhas, a sua contraparte feminina.
Além das máscaras habilmente esculpidas em madeira, os Caretos caminham pela aldeia envergando um bastão antropomórfico conhecido como “roberto”, que integra a sua indumentária distintiva.
Fotografia de Artur Filipa dos Santos
A 31 de janeiro de 2016 foi inaugurado nesta aldeia o Centro Interpretativo da Máscara Ibérica (CIMI). Erguido nas fundações do antigo Solar dos Viscondes de Lazarim, o CIMI apresenta uma exposição meticulosamente curada, englobando trajes, máscaras e artefactos associados às festividades carnavalescas e mascaradas invernais de Portugal e Espanha. Este espaço cultural é um testemunho vívido de história e tradições que narram vivências passadas, ainda vibrantes e em constante renovação nos dias de hoje. Ao revelar rituais simbólicos cujas raízes se perdem na névoa do tempo, o CIMI desvela uma janela para o passado, proporcionando uma compreensão mais profunda das complexidades culturais que moldam a identidade ibérica.
Em território do mestre Adão...
Fotografia de Artur Filipe dos Santos
A importância do trabalho dos artesãos para a preservação do legado da máscara do Entrudo de Lazarim.
Um portão verde e pó de madeira à entrada despertam-nos para o local em que acabamos de entrar: a oficina de Adão Almeida, um dos mais antigos mestres da arte da máscara do Entrudo de Lazarim.
Pelo chão e móveis aparas, ferramentas, muitas máscaras feitas ou quase em processo final e pedaços de tronco de amieiro, de quase meio-metro. E é precisamente na Alnus glutinosa (nome científico desta árvore que tem como principal característica a sua resistência à água) que reside uma parte do segredo da máscara, como nos conta o anfitrião.
Com orgulho partilha que se principiou neste ofício com pouco mais de 16 anos. Sem quaisquer conhecimentos de carpintaria e muito menos na perícia de esculpir em madeira, Adão assume que ganhou curiosidade ao ver um ou outro amigo a lançarem-se nesta ocupação, num período em que a máscara ressurgia, depois de um longo tempo votado ao ostracismo, que a Igreja e a Ditadura haviam imposto.
“Aqui não nos mascarávamos para ir atrás das moças, mas sim para nos vingarmos deste ou daquele” conta Adão Almeida, apontando para a forma da máscara, de feições demoníacas e habitualmente encimada por longos cornos. Era assim a tradição do Entrudo de Lazarim, novos e velhos saíam à rua para resolverem querelas, aplicar a justiça vingativa de um povo que, durante anos viveu isolado. “Por muito que o regedor tentasse manter a ordem e apanhar os culpados, muitas vezes até de assassinatos, a máscara não deixava saber quem era o culpado”, confessa.
Atualmente existem cerca de 10 artesões que, juntos, garantem a perpetuação da máscara do Entrudo de Lazarim, apoiados, desde 2016, pelo Centro de Interpretação da Máscara Ibérica, implantado na aldeia. Adão declara-se feliz pela visibilidade que a máscara de Lazarim está a viver nos dias de hoje, alertando, contudo, para o aparecimento de “falsos artesões” que têm vindo a “vulgarizar” o desenho das máscaras, substituindo os traços mefistofélicos originais da carranca por traços quotidianos, mais ligados às modas contemporâneas do que ao caráter de crítica à religião também presente nas feições das carantonhas originais.
Outro dos mais importantes artífices desta obra é precisamente o filho de Adão Almeida, Luís, que nas horas vagas ajuda o pai, garantindo a manutenção desta arte no seio da família. Opta por retomar o diálogo da feitura da máscara, revelando que uma máscara é feita precisamente a partir de uma talhada de madeira de amieiro, abundante por esta zona, e, logo, barata. De fácil trabalhar, Luís relata que uma máscara demora cerca de três a seis semanas (dependendo do volume de trabalho que a atividade profissional e as lides familiares obrigam) até estar pronta, depois de se remover a casca da madeira, esculpir as formas, recortar olhos e boca, aplicar o nariz e os cornos e, finalmente, decorar com motivos artísticos que diferenciam o trabalho comparativamente ao de outros mestres. Quanto ao resto do traje que compõem a totalidade das vestes do Entrudo de Lazarim “cada um é responsável pela roupa e escolhem fazer a cobertura com lã, palha ou até caruma”, adianta, mencionando o facto de aqui não se usarem chocalhos, como em Podence, mas sim campainhas, “porque na aldeia só temos ovelhas e cabras”.
“Nenhuma máscara é vendida nesta casa sem passar pelo Entrudo” — é assim que Luís Almeida responde inicialmente quando questionado se vende muitas máscaras por esse mundo fora. “Há clientes de todo o lado”, assinala, mas são sobretudo “estrangeiros que nos encomendam, mas também temos escolas e museus. Mas antes que as máscaras sejam vendidas fazemos questão que as gentes da aldeia as usem nos dias do Entrudo antes que sejam vendidas”.
É com orgulho que Adão Almeida concorda com o filho, mostrando-se positivamente orgulhoso quando refere que em 2005 foi ao Japão divulgar a máscara, na Exposição Mundial de Aichi. “Acho que foi a partir daí que muitos começaram a ver a máscara com grande interesse”, apesar de confessar que o que realmente o faz trabalhar na laboriosa arte da máscara de Lazarim é a sua relação intemporal com as tradições da sua aldeia.
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