Origens do Pai Natal: Da Inglaterra ao Mundo

Origens do Pai Natal: Da Inglaterra ao Mundo

As origens inglesas do Pai Natal e a construção de um símbolo universal...

É à época vitoriana que remonta a imagem icónica que temos hoje do alegre velhinho que sorrateiramente entra nas nossas casas todos os anos, pela noite da véspera de Natal. Reconhecido e amado por milhões de crianças à volta do mundo, é identificado por tantos nomes que se perdem numa lista tão infindável como a que o Pai Natal tem para anotar as crianças bem-comportadas. No entanto, será que deveríamos referir-nos a ele como Pai Natal, São Nicolau ou Santa Claus? Qual a distinção? De onde ele surgiu? Será o Pai Natal um santo cristão, um personagem pagão, ou ainda, e simplesmente, uma criação comercial? Como é que o Pai Natal emergiu na nação que o tornou uma celebridade global, a Inglaterra, numa altura em que as comemorações natalícias não estavam centradas nas crianças, nem em prendas, mas sim nas festas para os mais graúdos, onde a comida e a bebida eram os verdadeiros momentos de regozijo.

As origens inglesas do “Father Christmas”

Pai Natal, Papai Noel, Father Christmas, Père Noël, Sinterklaas, Weihnachtsmann, Joulupukki ou, simplesmente, Santa Claus. É, provavelmente a personagem mais conhecida a nível global, muito graças àquele que foi a maior unidade territorial da História, o Império Britânico e foi, provavelmente, nas terras de Sua Majestade, que os primórdios da sua lenda se construíram.
Desde os seus primórdios até ao século XIX, o Pai Natal era principalmente uma figura simbólica do Natal, não sendo considerado um ser mítico. Era frequentemente retratado como um velho alegre que liderava festividades e não como um bondoso distribuidor de presentes. Isto deve-se em grande medida à forma como o Natal era celebrado, com um foco maior no entretenimento para adultos, como evidenciado nas ilustrações de Kenny Meadows no Illustrated London News.

O registo mais antigo de uma personificação natalícia remonta a uma canção do século XV, na qual um personagem denominado “Sir Christëmas” anuncia o nascimento de Cristo, exortando: 'Mantenham o bom ânimo e sejam alegres'.

Outro precursor do Pai Natal era celebrado na cidade de York, onde um evento chamado “Yule Ridings” ocorria a 21 de dezembro. Um homem vestido de Yule (que alude ao antigo festival celta do Inverno, festejado precisamente entre os dias 21 e 25 de dezembro) carregava o vaso de Wassail, uma bebida quente à base de cidra de mação, que levava pelas ruas da cidade ou pelos campos de macieiras. Em outras ocasiões, estas de registos ainda mais antigos, o Velho “Yule” distribuía bolos e carne pelas ruas, atirando nozes à multidão. Em 1572, esta celebração foi proibida devido a queixas de comportamento considerado pouco civilizado.
Noutras regiões da Inglaterra, durante os períodos Tudor e Stuart, indivíduos nomeados como “Senhores da Desordem” supervisionavam as festividades natalícias nas mansões aristocráticas, sendo ocasionalmente intitulados “Capitão Natal” ou “Príncipe Natal”.

No entanto, nenhuma destas representações iniciais ligava o Natal à figura de um “pai” ou a um velho. Para tal, foi necessário esperar pela intervenção do dramaturgo londrino Ben Johnson, que viveu no tempo do primeiro rei da união das coroas escocesa e inglesa, Jaime I.
A peça de Bem Johnson, “Christmas, His Masque”, foi apresentada à corte em 1616. Nela, a personagem “Natal” surge com vestimentas tradicionais e uma longa barba, autoproclamando-se “velho Natal”. Na narrativa, este repreende os guardas por lhe negarem entrada numa festa, afirmando-se como “um protestante tão devoto como qualquer outro na minha paróquia” – um comentário audacioso numa época de controvérsias relacionadas com as celebrações natalícias.

A representação de Johnson para o Natal é inequivocamente a de um velho e, por extensão, um pai. Acompanhado pelos seus filhos e filhas, cada um representando uma tradição da época, o “Father Christmas” distribui alegrias, embora não presentes em si. No entanto, um dos seus filhos, o “Presente de Ano Novo”, traz consigo uma série de ofertas, incluindo uma laranja, um ramo de alecrim, pão à base de gengibre e vinho.

Os ataques puritanos ao Natal intensificaram-se antes, durante e após a Guerra Civil Inglesa (1642-51). Os realistas defenderam o Natal, usando novamente a personificação do Pai Natal para consolidar a sua posição, como evidenciado no panfleto de 1645: “A acusação, condenação e prisão do Natal”.

Inevitavelmente, em 1647, o parlamento inglês proibiu o Natal, juntamente com outros feriados tradicionais.

Em 1652, um barqueiro do rio Tamisa, John Taylor (acérrimo monarquista) publicou um panfleto chamado: “The Vindication of Christmas”, e em 1658, outro panfleto, intitulado: “O Exame e o Teste do Velho Pai Natal”, retratava-o como um homem com barba branca e vestimenta antiga, levado a julgamento e posteriormente absolvido.

Após a Restauração da monarquia de 1660 e a ascensão de Carlos II de Inglaterra depois dos tumultuosos anos do Protetorado de Oliver Cromwell, o Natal foi reintroduzido e o Pai Natal tornou-se uma figura recorrente em peças teatrais e representações folclóricas nos dois séculos seguintes. Contudo, o foco vitoriano na família e nas crianças alterou o caráter das celebrações natalícias, exigindo uma nova representação do velho das barbas brancas.

São Nicolau e Sinterklaas

Antes do simbolismo do Pai Natal emergir em Inglaterra, a lenda de Sinterklaas estava a ganhar popularidade na Europa.
As raízes de Sinterklaas estão ligadas às histórias de São Nicolau, um bispo do século IV de Myra, na atual Turquia.

São Nicolau era conhecido por diversos milagres, incluindo a ressurreição de três jovens e a generosidade para com um homem pobre, deixando ouro nas meias que secavam junto à lareira. Outra lenda fala de três raparigas que receberam de Nicolau um saco de ouro, cada uma, para pagar os dotes dos seus casamentos.

A popularidade de São Nicolau expandiu-se pela Europa medieval, dando origem à tradição de deixar presentes para as crianças na véspera de 6 de dezembro. Na Holanda, surgiu a figura de Sinterklaas, um bispo vestido de vermelho que trazia alegria às crianças.

Pais Natais

Fotografias | À esquerda: O Pai Natal Inglês. Ao centro: Pai Natal Vitoriano. À direita: Pai Natal Holandês.

A ascensão de Santa Claus

Não está totalmente claro como Sinterklaas se transformou em Santa Claus nos Estados Unidos. Há indícios de que a lenda tenha chegado à colónia holandesa de Nova Amsterdão (atual Nova Iorque) antes de se popularizar nos territórios britânicos. Em 1773, o Rivington's Gazetteer de Nova Iorque mencionou o aniversário de São Nicolau, referindo-se também a este como San Noel.

Em 1809, Washington Irving fez referência a Sinterklaas nas suas histórias, descrevendo-o a voar sobre a cidade e a descer pelas chaminés para entregar presentes. A popularidade desta narrativa cresceu, e em 1821, um poema ilustrado mencionou o “Velho Santeclaus”, com todas as características que associamos ao Pai Natal atual.

Dois anos mais tarde, Clement Clark Moore, um professor de hebraico nova-iorquino, enriqueceu a tradição com o seu poema “Uma Visita de São Nicolau” (mais familiar para os europeus como “A Noite Antes do Natal”).
No poema, “St Nick” apresenta-se com uma barba densa e lidera um conjunto de renas voadoras mágicas. A sua figura, sem dúvida, não se assemelha à de um bispo holandês – em vez disso, é descrito como “um alegre duende idoso”, vestido “com trajes salpicados de cinza e fuligem”, possuindo olhos vivos, sorrisos cativantes e uma barba “branca como a neve”.

Com o passar do tempo, outros escritores e artistas acrescentaram nuances à história, e “Santa Claus” progressivamente suplantou “São Nicolau”. Durante muitas décadas do século XIX, a sua representação variou – alto e baixo, gordo e magro, e as suas roupas exibiam uma panóplia de cores.

Em 1863, o cartoonista Thomas Nast ilustrou Santa Claus com estrelas e riscas, numa clara mensagem de esperança dirigidas às tropas da União no período sangrento da Guerra Civil Americana.

Nast reformulou a imagem tradicional do Pai Natal. Em 1881, o também caricaturista refinou ainda mais a sua representação, tal como evidenciado na sua ilustração 'Velho Feliz Pai Natal'. As suas representações para “A Visit from St Nicholas” ganharam imensa popularidade, introduzindo a ideia da oficina do Pai Natal, localizada no Pólo Norte, e a conceção de que este usava um manto vermelho, preso por um largo cinto vermelho.
É importante salientar que a noção de que a Coca-Cola criou a imagem atual do Pai Natal, robusto (ou mesmo gordo) e vestido de vermelho, é um equívoco, um mito comercial. A marca apenas incorporou esta representação nos seus anúncios a partir da década de 1930.

Father Christmas e o encontro com Santa Claus

Os historiadores pensam que Santa Claus terá pisado a Inglaterra pela primeira vez em 1864, quando apareceu ao lado do Pai Natal numa história da autora americana Susanna Warner. Na sua história, Santa Claus trouxe presentes, enquanto que o Father Christmas apareceu numa peça de teatro tradicional folclórica inglesa conhecida como Mummers’ Play. E há evidências de que na década de 1860 outros seres, como as fadas, foram responsáveis pelos presentes clandestinos de Natal.

Mas a nova lenda do Pai Natal logo substituiu as fadas, para grande confusão dos folcloristas ingleses da década de 1870, que não sabiam explicar a tradição emergente. Um deles, Edwin Lees, escreveu numa carta para Notes & Queries em 1879:

“Na véspera de Natal, quando os moradores de uma casa de campo vão dormir, todos os que desejam um presente colocam uma meia do lado de fora da porta do quarto, na expectativa de que algum ser mítico chamado Santiclaus preencha a meia ou coloque algo dentro dele antes do amanhecer... De que região da terra, ou do ar, este benevolente Santiclaus foge eu não fui capaz de determinar”.

Na década de 1880, o Santiclaus fundiu-se quase completamente com o Pai Natal e popularizou-se por todo o país. O Dicionário Oxford do Folclore Inglês observa que um francês de visita à Inglaterra, em 1883, disse que era de conhecimento geral que o Pai Natal descia pelas chaminés para colocar brinquedos e doces nas meias.

O Father Christmas inglês era agora Santa Claus em tudo, exceto no nome. Apesar de ter sido inventado pelos nova-iorquinos que ansiavam pelas antigas tradições holandesas, o Pai Natal era exatamente o tipo de herói que os vitorianos precisavam para seu novo Natal familiar, esse sim, centrado nas crianças e com a árvore de Natal e a lareira acesa como pano de fundo.

Os contemporâneos da Rainha Vitória fizeram mais do que ninguém para nos proporcionar a visão atual do Natal. Para os súbditos da “Regina Imperatrix”, o Natal era uma época de crianças, de caridade e fé. Não havia mais espaço para os estridentes “Senhores do Desgoverno” ou portadores do Wassailing Bow, ou para os tipos de celebrações presididas pelo Velho Natal de Ben Johnson, envoltas em exageros comensais.

Com o passar do século, novas tradições foram importadas, inventadas e reinventadas para apoiar este Natal mais domesticado. O Príncipe Alberto (de Saxe-Coburgo) e a Rainha Vitória popularizaram a árvore de Natal alemã; a troca de presentes passou do Ano Novo para o Natal, os postais produzidos em massa foram enviados para todo o Reino Unido e pelo mundo e os cantos natalícios renasceram.

O velho Father Christmas inglês adorava uma bela festa, mas os vitorianos precisavam que fosse mais do que isso. Generoso, alegre e dedicado às crianças, o Pai Natal foi a personagem ideal para a sua nova versão do Natal – tal como o foi para os nova-iorquinos que tanto fizeram para moldar a sua lenda no início do século. Para conquistar a imaginação inglesa, bastava assumir um nome mais familiar e conservador.

Independentemente do nome que lhe dermos, o Pai Natal continua a dominar a cultura popular do Natal em todo o mundo, desde as montras das lojas até ao aconchego das nossas casas e em cada véspera de Natal, ele anda por aí!


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