Palacete Júlio Lima em Risco de Ruir
Benemérito, industrial e filantropo português, assim podem descrever Júlio António de Amorim Lima, um homem que dedicou a sua vida aos Bracarenses e à cidade de Braga.
No centro da rua, com o seu nome, podemos ver o Palacete que mandou construir para sua residência, um edifício imponente, embelezado com sete colunas estilo romano e vários pormenores pitorescos. Na fachada veem-se nove janelões, cinco no primeiro andar, e quatro no rés-do-chão, bem lá no topo da residência avista-se uma pequena janela, nas “águas furtadas”, em formato arredondado. A porta principal fica ao centro, com um vão de escadas que dá para o portão de saída, perfeitamente enquadrado com a Rua Júlio Lima. O palacete é rodeado de uma vasta zona verde. Em frente, com vista privilegiada a partir do palacete, o industrial mandou construir casas que ladeiam a rua para seu rendimento (casas alugadas). Até hoje um marco da cidade de Braga.
Palacete Júlio Lima: Disputa judicial dura há mais de 5 anos
Júlio Lima, faleceu em 1942, dos seus dois casamentos não teve filhos. A primeira mulher faleceu no parto, assim como o bebé. Contudo, teve uma filha fora do casamento, a quem deixou parte da sua fortuna. O palacete e outros bens ficaram para uma afilhada, Maria José Ferro, carinhosamente conhecida na cidade por “Zezinha”.
Diagnosticada com Alzheimer em 2008, Maria José Ferro, faleceu em janeiro de 2016, como não tinha descendência direta (filhos) o palacete passou a ser propriedade dos seus irmãos e sobrinhos.
A história desta família podia ser simples e comum, mas a realidade é outra, segundo os Amigos do Palacete de Júlio Lima*1, tudo mudou em 2016 com a morte da sobrinha herdeira de Júlio Lima. Maria José Ferro, foi coordenadora dos voluntários da Cruz vermelha de Braga, entre inúmeras outras atividades que teve, foi uma cidadã ativa na sua comunidade. Deixou um património superior a 5 milhões de euros. Após a sua morte apareceu um testamento, datado da altura em que já se encontrava interdita pelo tribunal pela doença que padecia, Alzheimer, e lhe retirava todas as capacidades de gestão do seu dia-a-dia.
Nesse testamento, a totalidade dos bens de Maria José Ferro, eram deixados a favor de Carla Cunha, a empregada doméstica, que trabalhou pouco mais de um ano para a interdita. O dito testamento, foi contestado pelos familiares e herdeiros legítimos da falecida, processo que decorre há cerca de 5 anos.
“Se a herança não fosse para ficar para a família, Maria José Ferro, viveu muitos anos saudável e teria em tempo útil feito algo nesse sentido e não ficaria à espera de ficar com a doença em estado avançado (Alzheimer), para nessa fase deixar um testamento a favor de uma empregada doméstica que conhecia há menos de 1 ano”
Amigos do Palacete Júlio de Lima
A vida de Júlio de Lima
Com 39 anos, Júlio Lima, herda a Fábrica de fiação e tecidos dos tios. Chegou a Braga, em 1871, com 12 anos, deixando a sua terra natal, Arcos de Valdevez, uma vila que fica a mais de 50 quilómetros de Braga. Ficaram para trás os seus pais, um casal humilde, e os cinco irmãos e duas irmãs. Trabalhou na casa de Domingos José Gomes como marçano*2 e aferidor de pesos e medidas, até aos 39 anos.
Momento de viragem para Júlio Lima. Em 1899, herda, dos tios, a Fábrica Nova da Romeira, de fiação e tecidos, em Triana, Alenquer. Um ano depois, por volta de 1900, aproveitando a sua experiência de trabalho adquirida na fábrica herdada, investe no ramo da confeção, venda e exportação de chapéus, abre em Braga a fábrica “A Industrial”, situada no bairro chapeleiro, na Rua D. Pedro V, a fábrica empregou mais de cem pessoas e chegou a fabricar 4 mil chapéus em 48 horas.
Desde então, Júlio Lima, capitalista abastado e amigo dedicadíssimo de Braga, desenvolveu várias obras e projetos a favor do progresso local e dos seus habitantes.
“O seu nome encontra-se gravado, com carateres indeléveis de gratidão profunda, em todas as grandes obras de beneficência e progresso que em Braga se têm desenvolvido. A sua bolsa generosa e pródiga, está sempre aberta para socorrer os pobres e os necessitados, a sua dedicação está sempre em atividade a favor dos asilos e dos recolhimentos, o seu regionalismo está sempre em exercício a favor dos progressos materiais da sua terra. Não há desgraça alheia, a que a sua generosidade não acuda de pronto. Não há instituição de caridade que o não tenha por benfeitor. Não há melhoramento local que o não tome por 'certo'.”
Almanaque-Annuário de Braga, 1924 – Figuras da época – Júlio de Amorim Lima
O Palacete de Júlio Lima, foi mandado construir pelo filantropo, em finais do século XIX, para sua residência, pelas mãos do arquiteto Moura Coutinho. Alguns anos depois, na segunda década do século XX, Júlio Lima, mandou abrir uma rua em frente ao seu palacete, cujo nome foi registado em sua homenagem, Rua Júlio Lima, proposto pelo então vereador Ferreira Capa, em reconhecimento das muitas ações beneméritas do “Bracarense”. A Câmara Municipal associou-se à homenagem e aprovou a designação. O nome da “Rua Júlio Lima” foi confirmado a 23 de Janeiro de 1930.
O industrial, mandou construir, casas de rendimento, dos dois lados da rua, na primeira fase (1922-1933) construíram as casas do lado esquerdo (lado poente). Conhecidas por casas “Ricas”, por terem mais terreno, áreas mais generosas e fachadas arquitetonicamente muito elaboradas, remetendo-se para uma riqueza de elementos, materiais e relevos, reflexo de um momento de progresso económico. A segunda fase iniciou-se logo em seguida (1933-1935), as casas do lado direito (lado nascente). Conhecidas por casas “Pobres”, por o terreno de implantação das mesmas ser muito reduzido, e estarem despojadas de elementos decorativos, em pleno auge da utilização do betão à vista, sem pinturas ou artifícios, revelando num ou noutro pormenor um interesse por elementos geométricos de tendência art déco, mas sem o luxo ou o brilho que caracterizou este movimento *3. Dando trabalho aos operários, em época de crise (desemprego, fome, doenças), entre a 1ª e 2ª Guerra Mundial.
Em 1937, Júlio Lima pediu à autarquia que lavrasse a ata do oferecimento e da conservação daquele pequeno troço. A Câmara Municipal expressou um voto de louvor. Em 6 de Setembro de 1937, pelas 19 horas, era inaugurada a luz elétrica na Rua Júlio Lima.
Fotografia | Luz Elétrica da Rua Júlio Lima foi inaugurada, pelas 19 horas, dia 6 de Setembro de 1937 - Alliança. Ao fundo, o Palacete Júlio Lima.
Aos 80 anos, três anos antes de falecer, o benemérito, ainda dirigia a fábrica de chapéus de Braga, “A Industrial”, e a Fábrica Nova da Romeira, de fiação e tecidos, em Alenquer.
Momento crítico para o Palacete Júlio Lima
A luta judicial continua. O processo entre os familiares de Maria José Ferro, sobrinha de Júlio Lima e Carla Cunha, a empregada doméstica de “Zezinha”, continua sem resolução. Os Amigos do Palacete Júlio Lima*3, partilharam que a outubro de 2020, saiu a sentença favorável à família, quase um ano após as alegações finais de novembro de 2019, quando “a lei ‘obriga’ a ser pronunciada 30 dias após as alegações finais”, mostrando preocupação pelo estado de degradação em que se encontra o palacete. Entretanto, Carla Cunha (ré) meteu recurso e a família continua a aguardar.
No meio deste processo, e a cada ano que passa, o Palacete Júlio Lima precisa urgentemente de uma intervenção para “evitar uma tragédia, porque corre sérios riscos de ruir”, garantem os “amigos do palacete Júlio Lima”, um grupo de pessoas que se uniram para apoiar na recuperação deste marco da cidade.
Obras colocam Palacete Júlio Lima em risco?
A par do processo judicial, obras em frente ao palacete deixam os Amigos do Palacete Júlio Lima cada vez mais preocupados, o grupo apela às entidades públicas e à cidade, a salvaguarda do edifício histórico, da autoria de Moura Coutinho. O grupo teme que as obras do edifício em frente, onde vai nascer um prédio de vários andares, possam “aumentar o risco de ruína do palacete”.
“Nós tememos que este risco de o Palacete Júlio Lima vir a ruir seja ainda mais iminente devido às obras em curso num edifício mesmo em frente (casas do lado nascente Júlio de Lima e Moura Coutinho, foram deitadas abaixo por um grupo económico, para ali instalar uma mega construção com recurso a dois pisos subterrâneos e quatro acima da soleira).
Lamentamos a destruição deste valioso património, um conjunto de casas único, que retrata uma época, cultural, social e económica, e coloca em causa a estrutura do Palacete Júlio Lima, podem tornar o palacete numa situação dramática”
Alerta o grupo de “Amigos do Palacete Júlio Lima"
Antevendo que as “escavações” previstas na empreitada possam prejudicar ainda mais o estado de degradação do palacete. Os Amigos do Palacete Júlio Lima recordam que a Câmara Municipal de Braga concedeu ao palacete, datado de finais do séc. XIX, a classificação de “Bem Cultural de Interesse Municipal” em 2018, e na altura da visita pública, "a autarquia bracarense deixou expresso o compromisso de 'articular' com a Direção Regional de Cultura do Norte uma vistoria ao palacete com o objetivo de verificar as suas condições", mas, até à data, ainda não aconteceu.
A suspensão da decisão judicial, de outubro de 2020, motivada pela transferência da juíza titular do processo para a comarca de Bragança, está, de certa forma, a contribuir para a aceleração do processo de degradação do palacete, um exemplar notável de "arte nova", principalmente no interior, devido a infiltrações de água pelas coberturas. A qualquer momento poderá perder-se um edifício único da história e da cultura da cidade de Braga.
*1 Amigos do Palacete de Júlio Lima – Grupo criado, no Facebook, para apelar à preservação do Palacete.
*2 Marçano – Aprendiz de Caixeiro
*3 Informações extraídas da Tese de Mestrado em História da Arte Portuguesa - Dra. Rita Maria Machado Martins - Volume II (pág. 350 a 357) - setembro de 2010 – “Sobre a obra do Moura Coutinho”. Orientadora: Professora Doutora Maria Leonor Barbosa Soares
[Em atualização]