Respeito pelo que de Humano Há...
“Quem é dono do céu, do brilho das águas?”
Somos seres altamente contraditórios. Conflitos, tensões várias afligem-nos e agitam-nos a partir de dentro em resposta ao de fora e ao que nos é íntimo. Desejos e motivos opostos orbitam no âmago da nossa alma, condição essa que quando desconhecida não pode ser acolhida e orientada para destinos outros, destinos transformadores e salutares.
A atualidade expõe crescentemente o avesso daquilo que deveria ser o destino e o sentido da evolução humana. As desigualdades são crescentes, a distribuição justa da riqueza permanece sem horizonte, as vulnerabilidades dilatam-se, e as fragilidades de uma humanidade à deriva potenciam-se.
A violência da sociedade atual expõe a ferida aberta presente nas relações humanas, guerras várias, uma insanidade coletiva. Em suma a desumanidade instaura-se, ela mascara a humanidade que resiste no âmago vital do ser humano, está escondida no seu íntimo, e o Homem teima em procurá-la exclusivamente por fora.
Recentemente assistimos chocados ao relato que uma funcionária de um supermercado expôs, ela comunicou a perplexidade que sentiu ao testemunhar a compra de três folhas de alface por parte de um casal.
O “grito” de desamparo torna-se cada vez mais audível, a visão dos que estão à margem de uma sociedade humanizante, salta-nos a vista. Há que olhar e ver, mas será que temos olhos? Há que escutar, mas será que ouvimos? Há que pensar, mas será que sentimos?
Na atualidade as métricas que procuram apresentar o quadro da realidade humana estão desalinhadas, desmedidas face a uma escala de verdadeiro desenvolvimento humano. Os lucros milionários crescentes da banca, das petrolíferas, da indústria de guerra, não testemunham verdadeiramente nenhum lucro humano. Não traduzem nenhum real e consistente progresso no bem-estar da humanidade. A notícia é a distribuição dos lucros pelos acionistas e não a sua aplicação em projetos de bem comum. Os astros do futebol são vendidos aos milhões, à custa de quê e de que precariedade laboral? A publicidade enganosa do valor maior do sucesso e realização financeira fácil está cada vez mais presente, resultado da especulação do jogo que se joga no “grande casino mundial”. O seu apelo entra-nos repetidamente pelas telas dos ecrãs, no telemóvel, nas televisões, nas várias plataformas. Puro engano. Trata-se de algo que apenas contribuiu para uma escalada alienante da humanidade e dos seus reais valores.
No Brasil contemporâneo, por exemplo assistimos “impávidos e serenos “ao extermínio do povo indígena Yanomani, fruto da pressão provocada pela exploração mineira ilegal que se expandiu rapidamente nos últimos anos. Exploração coniventemente encorajada por quem os deveria proteger.
Milhares foram infetados com malária, doença que pode ser controlada e atenuada com os cuidados necessários, muitos sofrem de envenenamento por metais pesados utilizados pelas explorações ilegais de minérios, e um número cada vez mais crescente sofre de subnutrição1*. Recordamos aqui um excerto da Carta do Chefe Seattle ao presidente dos Estados Unidos da América: “o que fere a terra fere também os filhos da terra. O homem não tece a teia da vida, é antes um dos seus fios. O que quer que faça a essa teia faz a si próprio”.
Para os povos indígenas a Terra é pensada como nossa antepassada, ela é sagrada. A nossa atitude deve ser de respeito, de agradecimento, de alegria. E tal como eles defendem, se por acaso não lhe encontramos nenhuma razão para lhe agradecer, é em nós que está a falta. Prossegue o chefe Seattle: “de uma coisa temos certeza — a terra não pertence ao Homem, o Homem é que pertence à terra. Disso temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como o sangue que une uma família. Tudo está ligado”.
Sugestões de leitura |
• Bourre, JP. (2001). Sabedoria Ameríndia. Pergaminho.
1* Fonte do excerto | Aqui
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