Ucrânia e Rússia: A Origem do Conflito
Ucrânia e Rússia: A Origem do Conflito

Ucrânia e Rússia: A Origem do Conflito

A matriz da história do conflito atual entre Ucrânia e Rússia

Desde a invasão da Checoslováquia pela União Soviética, em 1968, que a Europa não assistia à ocupação de uma nação soberana por uma potência militar. O ataque da Rússia à Ucrânia é o culminar de uma tensão que se arrasta desde 2013, com a anexação da Crimeia por Moscovo, mas com raízes históricas profundas.

Rússia e Ucrânia partilham uma ancestralidade cultural comum fruto da passagem dos gregos, romanos e bizantinos, sem esquecer as tribos eslavas, os godos e os hunos. Mas de todos os povos responsáveis pela pegada cultural comum, merece especial destaque um grupo de tribos escandinavas, conhecidas como os varegues, povo de origem viquingue que, especializados na navegação fluvial, aportaram nas margens da região que conhecemos hoje como a capital ucraniana, formando o primeiro estado eslavo oriental, conhecido como o “Rus” de Kiev. Neste território, cuja influência se estendeu à faixa ocidental da Rússia, a atual Bielorrússia e à parte oriental da Polónia, os povos nórdicos deixaram a sua língua, costumes, crenças e estrutura social, construindo uma nação que se tornaria no séc. X o mais poderoso Estado da Europa. Pelas mãos de Yaroslav o Sábio, que reinou durante 35 anos, o Rus de Kiev atinge o apogeu cultural e militar, com o grão-duque empenhado na construção de bibliotecas, igrejas, no desenvolvimento do primeiro código judicial (conhecido como o Russkaya Pravda), apostando ainda no crescimento de um cristianismo de inspiração bizantina, mas acessível, ao promover a formação de um clero que evangelizasse o povo no idioma materno.

Tudo parecia correr de feição rumo a futuro comum até que a invasão mongol do séc. XIII deitou por terra o sonho de uma união duradoura. Com a cidade de Kiev completamente destruída em 1240, chegava ao fim a nação unificada, com divisão em dois novos Estados: o reino de Galicia-Volínia (atual território da Ucrânia) e o Grão-Principado da Moscóvia (composto pelas regiões ocidentais da moderna Rússia, onde se incluía Moscovo, berço dos czares).

A tensão entre as nações nasce no período em que a futura Ucrânia se encontrava sob o jugo do Grão-Ducado Polaco-Lituano, ao mesmo tempo em que Moscóvia sofria a influência mongol da Horda Dourada.

Enquanto que o estado moscovita se consolidava graças ao domínio exercido pelo grão-duque Ivan II O Grande, derrotando a “Horda” e tornando-se o primeiro soberano a ostentar o título de czar “soberano de todas as Rússias”, a Galicia-Volínia sofreu, a partir do séc. XVII, sucessivas invasões de mongóis, tártaros, rutenos, otomanos e finalmente os cossacos que impuseram um estado em constante conflito tanto com a Rússia como com a nação Polaco-Lituana.

Com o desmembramento da Polónia, a Ucrânia foi literalmente dividida ao meio, com a parte ocidental a passar para as mãos do Império Austríaco, enquanto o lado oriental foi anexado pelo império Russo.

E é precisamente o leste que irá sofrer mais com o desaparecimento da primeira nação ucraniana, com o regime dos czares a impor mão de ferro, ao proibir o uso da língua ucraniana tanto em público como em obras literárias, levando a cabo um esforço de “russificação” da sociedade.

A Primeira Guerra Mundial, o colapso do império Austro-Húngaro e a revolução bolchevique de 1917, levaram a uma nova escalada da tensão, com o crescimento de um sentimento nacionalista ucraniano face ao domínio soviético, derrotado categoricamente pelas purgas levadas a cabo entre os anos 20 e 30 do séc. XX por Moscovo e que resultaram da eliminação de grande parte da elite de Kiev.

A Segunda Guerra Mundial deu a conhecer o extermínio de milhares de ucranianos de origem judaica às mãos da Alemanha Nazi, sendo que no fim do conflito se assistiu a um novo período de influência russa.

Com a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética, a Ucrânia declara a sua independência a partir de 1991.

Com uma economia débil e extremamente dependente dos estados fronteiriços, o governo de Kiev oscilava entre uma maioria ora a favor do Ocidente, ora pró-russa, com constantes conflitos em torno da produção do gás natural, da construção e manutenção de oleodutos que transportavam o petróleo da federação russa para a Europa Comunitária.

E é a estabilidade personificada pela adesão, a partir dos inícios da primeira década do séc. XXI, à União Europeia de antigos Estados pertencentes ao Pacto de Varsóvia, como a Roménia, a Polónia ou a Hungria, que leva a um cada vez maior afastamento da opinião pública ucraniana da influência de Moscovo, culminando com a deposição, em 2014, do presidente pró-russo, Viktor Ianukovytch.

A partir daí a tensão entre ucranianos e russos não parou de aumentar, levando a uma escalada que resultaria na conquista da Crimeia pelas tropas de Vladimir Putin ainda no decorrer de 2014, com a consequente anexação deste território e ainda de Sevastopol.

As conversações do governo ucraniano com as potências ocidentais com vista à inclusão no rol dos países da Aliança Atlântica foram o rastilho para o novo conflito bélico entre duas nações que, apesar de partilharem um passado histórico e cultural comum, construíram, ao longo dos séculos, uma barreira aparentemente intransponível de intolerância e violência, fazendo regressar, 70 anos depois, o medo dos horrores da guerra à velha Europa.


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