O Magusto é o Halloween do norte de Portugal e da Galiza
O Magusto é o Halloween do norte de Portugal e da Galiza

O Magusto é o Halloween do norte de Portugal e da Galiza

A tradição do assar das castanhas é uma manifestação cultural que une os povos do norte de Portugal e da Galiza em torno de um passado comum: o legado celta.

Perdem-se na raiz dos tempos as tradições outonais do nosso território. A desfolhada, a cegada, as vindimas, o trabalho do linho ou o magusto ainda hoje formam parte da memória dos mais velhos e experientes das nossas terras, que de pais para filhos e de filhos para netos vão guardando e conservando as histórias de gerações e gerações, na melhor tradição oral. Mas estes hábitos que ainda hoje se preservam, mais no ponto de vista de uma natureza festiva do que o labor de outras eras, são ecos das tradições nascidas no seio da cultura celta, um povo originário de Hallstatt, na atual Áustria, e que se espalhou pela Europa até alcançar os lugares que apelidaram de “Fim da Terra”. A este povo se devem os castros, as citânias, mamoas, dolmens, menires, círculos de pedras, bebiam o hidromel e foram os primeiros a dominar a arte do ferro.

Hallstatt

Fotografia | Hallstatt.

Povo teluricamente ligado às manifestações da natureza, a passagem do tempo para os celtas era medida pelos ciclos agrícolas, desde a sementeira à colheita, observando a sucessão das estações do ano, dividindo-as em época fria e época quente. O calendário dos celtas era solar-lunar, isto é, meses de luz, em que os dias são maiores que a noite, e meses de escuridão, em que os dias são mais curtos do que no resto do ano. Os meses eram medidos através das fases da lua, que completam um ciclo a cada 28 dias. 

A observação dos astros, mas sobretudo do Sol, determinava a atividade agrícola dos celtas. Crentes na capacidade da natureza em gerar vida, o princípio e o fim de cada ciclo eram vividos numa dimensão mística e religiosa, com cultos de fecundidade, com oferendas às divindades da natureza, queimas de fogueiras, convocações dos espíritos dos antepassados. Os celtas criaram festivais evocativos da passagem dos ciclos. Contam-se, entre estes, o Yule (23 de dezembro), o Imbolc (dois de fevereiro) ou Litha (23 de junho), celebrações entretanto cristianizadas e transformadas no Natal, na festa da Senhora das Candeias ou na noite de S. João.

Por estes dias de outono os celtas do centro e norte da Europa celebravam o Samhain, a festa do novo ano, o fechamento da natureza rumo ao inverno, a exaltação das últimas colheitas, o fogacho final da capacidade reprodutora da natureza. Entre o dia 31 de outubro e 2 de novembro (de acordo com o nosso calendário atual, o gregoriano) acendiam-se fogueiras, convocavam-se os espíritos dos entes queridos, alumiavam-se os caminhos com o recurso a velas dentro de cabaças e nabos. É este festival que está na origem do moderno Halloween. Quando o “Samhain” foi absorvido pelo cristianismo, a natureza da sua celebração foi adaptada para comemorar a vida dos santos, preservando, ao mesmo tempo, o hábito de se homenagear os antepassados. Halloween é uma palavra que deriva do inglês “All Hallows Eve” (“Véspera do Dia de Todos os Santos” na língua de Camões) e, apesar da sua natureza atual ser uma criação da comunidade irlandesa emigrada na América, a sua origem é ancestral.

Contudo, os celtas do noroeste da Península Ibérica celebravam este festival no fim do verão e no início do novo ano ligeiramente mais tarde. Tal deve-se ao facto de o noroeste peninsular se encontrar numa latitude que lhe permite gozar de um pouco mais de bom tempo, culminando no “Verão de S. Martinho”. 

Assim bracaros galaicos, astures e cantabros celebravam o “Samonios” (nome que, inicialmente, os seus “primos” gauleses utilizavam para identificar o “sss” e, ao mesmo tempo, o primeiro mês do ano celta) não no mesmo período que os celtas do Norte ou Centro da Europa comemoravam, mas sim na data correspondente atualmente a 11 de novembro, que o catolicismo cristianizou, celebrando a mesma, no ponto de vista hagiográfico, como sendo o dia de S. Martinho, bispo de Tours. E a palavra “magusto”, esta tem uma origem incerta. Muitos autores defendem que vocábulo tem origem na expressão latina “magnus ustus”, que quer dizer, literalmente, grande fogueira.

Uma das grandes tradições do nosso magusto e da Galiza é de realizar grandes fogueiras com caruma (folha do pinheiro) e assar as castanhas no seu interior. Um dos maiores etnólogos portugueses, José Leite de Vasconcelos, acreditava que a tradição do magusto tinha a sua origem num antigo ritual sacrificial celta em honra dos mortos. Leite Vasconcelos aprofundava ainda que em Barqueiros era tradição preparar, à meia-noite, uma mesa com castanhas para os antepassados da família se banquetearem. Segundo o ilustre filho de Tarouca, nascido à sombra da Torre de Ucanha, ninguém mais tocava nas castanhas porque se dizia que estavam “babadas dos defuntos”.

“Samhain, samonios ou Halloween”, certo é que o legado cultural dos celtas do “Fim da Terra” perdura, fruto do esforço das gentes em manter viva a tradição milenar do magusto.


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