Peregrino Português em Terras de Vera-Cruz
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Peregrino Português em Terras de Vera-Cruz

Entre os dias 25 e 28 de abril tive o grato prazer de ser um dos convidados de honra do XI ENAP-Encontro Nacional de Peregrinos do Brasil, que este ano foi realizado sob o lema “Caminho de Santiago – Setas para o Futuro”, numa organização que, pela segunda vez na história dos “ENAP”, ficou a cargo da ACACS-SP, Associação de Confrades e Amigos do Caminho de Santiago, São Paulo, e que teve nas figuras de Zilene Gonzaga (presidente da ACACS-SP), Jorge Cáceres e Élide Cáceres os rostos visíveis de uma jornada perfeita em torno da história, cultura, espiritualidade e emoções únicas que o Caminho de Santiago promove.

Entrada do mosteiro de Itaici

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Entrada do mosteiro de Itaici.

Realizado no mosteiro jesuíta de Itaici, em Indaiatuba, Estado de S. Paulo, este encontro (que teve a sua primeira edição no “longínquo” ano de 2001, em Fortaleza) ficou marcado pela homenagem à memória do padre Elías Valiña (o “cura” da pequena aldeia de O Cebreiro, conhecido como o grande percursor do renascimento do Caminho no séc. XX) contou também com a participação de três dos maiores entusiastas e estudiosos jacobeus, os galegos José de La Riera, Antón Pombo e Manuel Garrido, personalidades fundamentais no ressurgimento pujante desta peregrinação milenar, artífices da principal bibliografia histórica e cultural disponível dos Caminhos a Compostela (quem nunca leu “Camino de Vuelta” de La Riera, consultou os muitos guias escritos por Antón Pombo e a sua página web “Gronze”, ou o mais recente livro de Manuel Garrido “Camino de Santiago, Doze Siglos de Historia”?). A assinalar uma visão mais espiritual desta iniciativa, importa sublinhar as mensagens em vídeo enviadas por frei Paco Miramontes, padre da igreja de Santa Maria La Real de O Cebreiro (que, recordo, é a primeira localidade galega que o peregrino do Caminho Francês encontra, localizada na Serra de Os Ancares), precisamente a sede da paróquia na qual Elías Valiña tanto devotou os seus esforços.

Juntos procuramos dar a conhecer a história e o esforço do que se tem vindo a realizar em prol da natureza histórica do Caminho, a sua preservação e proteção contra o turismo massificado e as tentativas de ingerência do poder político no futuro das rotas a Santiago de Compostela.

Numa jornada épica de quatro dias à volta das experiências do Caminho, e que contou com a participação das mais importantes associações de peregrinos do Brasil - ACACS-SP, como anfitriã, ACASARGS (Rio Grande do Sul), a CGAS e AACS (Rio de Janeiro), ABACS (Salvador da Bahia), ACACSC (Santa Catarina), a Curitigrinos (Paraná) e a Agape (Goias) – foram muitos os momentos vividos que nos conseguiram “teleportar” para qualquer trecho da rota, como se o Atlântico tivesse evaporado e nos víssemos, juntos, em qualquer estrada ou albergue jacobeu. Sensações catapultadas pela forma única com que os brasileiros vivem a natureza da hospitalidade, sabendo receber, como ninguém, todos aqueles que visitam o país “abençoado por Deus e bonito por natureza” (como escreveu e cantou em 1969 Jorge Benjor).

Em Indaiatuba, os quase trezentos peregrinos tiveram a oportunidade de experimentar as várias práticas do Caminho de Santiago (mas também dos muitos caminhos que hoje em dia existem no Brasil, onde destaco o de Caravaggio, das Missões ou o Caminho da Fé), entre palestras, caminhadas, demonstrações e merchandising de produtos relacionados com as rotas, representações de alguns dos territórios por onde passa o Caminho (merecendo destaque a presença da comunidade de Castilla-León e a Xunta de Galicia), valendo a pena assinalar os muitos momentos de convívio e partilha, que tiveram como ponto alto a realização de uma dança circular, que resultou numa profunda e emocional interação peregrina.

Peregrinos

Fotografia da organização XI ENAP | Da direita para a esquerda os convidados internacionais do XI ENAP Antón Pombo, Artur Filipe dos Santos, Manuel Garrido e José de La Riera.

Para a organização do XI ENAP o volumoso e dinâmico caderno de iniciativas teve como principal cartaz as palestras realizadas pelos quatro peregrinos do “Velho Continente”, concentradas no segundo e terceiro dias do evento, num auditório moderno, que, durante anos, serviu como local de reunião dos bispos católicos brasileiros. Assim, a abrir, Manuel Garrido, (insigne “vizinho” de Padrón) com uma comunicação relacionada com a sua mais nova obra, precisamente “Caminho de Santiago: Doze Anos de História”, um compêndio sobre os principais factos históricos desta rota intemporal.

Coube-me proferir a segunda preleção que teve como título “Reis, Nobres, Clérigos, Doutos e Artistas: as Personagens Históricas dos Caminhos Portugueses a Santiago”, onde dei a conhecer algumas das mais importantes figuras do passado longínquo, mais recente e atual que, na minha opinião, contribuíram para a realidade pujante das vias lusitanas.

José de La Riera, uma das figuras mais respeitadas da história jacobeia mais recente (e gaiteiro por devoção sagrada), responsável, entre outros, pela marcação do Caminho Português Central, desvendou os principais desafios detrás do esforço que representou a marcação (com as famosas setas amarelas) da rota portuguesa desde Lisboa a Santiago de Compostela, numa intervenção apaixonada, com o título “O Renascimento do Caminho de Santiago e das Rotas Jacobeias no final de um Milénio: entre uma história de Amor e um Milagre”.

Finalmente, para o dia seguinte estava reservada a preleção de Antón Pombo, que na sua comunicação “O Regresso de Elias Valiña”, revelou alguns dos episódios mais marcantes da “cura” do Cebreiro e a sua relação com o Caminho, desfazendo equívocos e “lendas” à volta do seu mentor, reforçando, contudo, o papel central de Elías Valiña no advir atual do Caminho Francês.

Mas o XI ENAP não se resumiu a palestras e discussões, indo muito mais além, rumo ao verdadeiro espírito que caracteriza as peregrinações a Compostela, que ganhou eco, por exemplo na caminhada realizada no terceiro dia (logo após a captura da foto de família) e que deu a conhecer aos participantes a paisagem tranquila que rodeiam a antiga Vila Manresa, pertencente à antiga fazenda Taipas agora convertida no Mosteiro jesuíta de Itaici, também conhecida como Vila Kostka (em homenagem ao santo padroeiro dos noviços da Companhia de Jesus, Santo Estanislau Kostka).

Momento da Queima Galega

Momento da Queima Galega.

Para a última noite estava guardada um dos pontos altos da iniciativa e que surpreendeu todos aqueles que tiveram a oportunidade de assistir: a realização da Queimada Galega, uma das tradições mais enraizadas entre os albergues mais tradicionais do Caminho, sobretudo os que se encontram em território galego. Épico o momento em que os convivas assistiram à entrada em cena do “bruxo peregrino da Queimada” (eu), escoltado por dois “cavaleiros” templários (Jorge Cáceres, ex-presidente da ACACS-SP e Gilberto Galafassi, o artífice da rota de peregrinação brasileira conhecida como Caminho de Caravaggio), ao mesmo tempo que ecoava o som da gaita-de-fole (desta vez executada por José de La Riera).

E porque muitos os que realizam o Caminho de Santiago ainda o fazem imbuídos na fé e espiritualidade católica, este evento terminou com uma gigantesca missa na Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, um momento muito especial de comunhão com o divino.

Pelo meio de um evento que ficará guardado na memória de todos houve tempo para entrevistas (fantásticas as realizadas por Hélio Araújo, insigne jornalista, autor do podcast “Pédcast do Caminho-o podcast do Peregrino” e de Denise Santos, do blogue e canal do Youtube SantiagodeCompostelaInfo), leituras, happy hours (com muito som de gaita-de-foles), momentos de partilha e de convívio que irão demorar a cair no baú das memórias. Na hora de partir, todos foram unânimes ao confessarem que se sentiam tão órfãos com o fim do XI ENAP como se do final de um caminho de Santiago se tratasse.


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