De Corpo Inteiro: Uma Visão em Psicossomática
O corpo que também somos, recorrentemente nos mostra que somos uma unidade. Mesmo quando em conflito psique e soma o que revelam é que são fio do mesmo tecido.
Quando por algum motivo a qualidade dos vínculos humanos não exerce a sua função unificadora e contentora do conteúdo afetivo e emocional que se experimenta na relação humana e que depois é transferida para a interação que se estabelece com o ambiente e com o mundo, o corpo, esse contorno que nos acolhe nos seus limites, manifesta o seu mal-estar.
Quando as palavras não nos dizem, quando não nos revelam, quando não se mostram a nós e aos outros, quando não se revelam, elas calam afetos, emoções e sentimentos. As palavras quando se calam e não era para calar o corpo vem em seu auxílio. Ele agita-se, tensiona-se e fala, como se de uma nota musical solta se tratasse. “Quando a palavra cala, o corpo fala”. Será que o escutamos?
Essas “notas soltas” e dissonantes que se descolam do seu tecido relacional ressoam em nós como se de cordas afetivas se tratassem. Neste instrumento que somos quando desarmónicas, essas cordas íntimas mostram-nos o caminho dos sintomas individuais, uma alternativa desviante para a expressão das emoções.
Quando assim é existe a necessidade de restabelecer a harmonia efetiva, entre corpo e mente, entre soma e psique.
As manifestações psicossomáticas podem resultar de processos psíquicos que ainda estão ausentes, decorrem de processos que ainda não se estruturaram, como a mentalização ou por um recalcamento que impede o livre acesso e a livre expressão de um corpo-sentido. Por essa via a pessoa experimenta os afetos, as emoções e os seus estados de humor de forma difusa, como se em parte não fossem seus, como se de objetos estranhos se tratassem. Desse modo os afetos estão desabrigados, estão sem lugar, estão sem território relacional. Desse modo agem como se não tivessem terra, como se não tivessem um chão relacional para os sustentar, não podem ser terra fértil. Estão sem lugar vagueiam internamente fazendo ruído pelo que vem de fora e pelo que vem de dentro. Sem lugar os afetos fazem-se sintomas, sem lugar manifestam-se por comportamentos e agitações que se traduzem em dores, ecoando as dolências da pessoa que as experimenta.
O que acontece quando o fluir vital relacional não se estrutura ou se trava — podemos evitar o adoecimento?
A unidade psicossomática que somos só adoece quando as suas significações não são realizadas, quando ficam sem nome, sem forma, sem lugar, sem história, sem escuta, adoecemos porque desse modo não podem ser sentidas e pensadas.
Toda as emoções e os seus afetos necessitam de expressão e de representação, o seu chão existencial é a relação humana humanizante e potencialmente transformadora.
Com a experiência de desabrigo relacional contemporâneo, na atualidade o corpo pode tornar-se lugar privilegiado para o sofrimento, por esse motivo é necessário pensar a unidade que somos através de uma abordagem paradigmática em psicossomática. Falamos de uma abordagem que articule, saúde, doença, sofrimento, cultura e sociedade. Como refere o médico e psicanalista Jaime Milheiro, “não adoecemos apenas por alguém, sofremos apesar de alguém, ou por causa de alguém a quem não nos sabemos endereçar”.
Se as nossas vulnerabilidades não são sentidas e encaradas, ou perduram sem aceitação e sem resposta, e se encontram nestas ausências, podem gerar grande dor e sofrimento.
O Ser humano é um produto da realidade. Somos um ser no mundo, somos, ou devemos ser, um sistema aberto ao mundo. Vivemos num mundo material, social e vincular de onde emergem aspirações da realidade, interrogações e diferentes sistemas de representação. O grande desafio é poder vir a viver a partir daquilo que somos, do que podemos e do lugar de vida de onde estamos, para a partir daí podermos crescer em humanidade. Não podemos escolher o que sentimos, mas podemos vir a escolher o que fazer com o que sentimos.
Receber e aceitar as vulnerabilidades como base de uma dimensão de relação humana que sabe acolher, seja os mais próximos, um familiar, um amigo ou um profissional em saúde, e que por essa via se apresente como uma forma de consentir e reconhecer os limites próprios. Como refere a Psicóloga Gláucia Tavares “é o limite que nos dá borda e nos mostra que não é necessário transbordar”, porque, desse modo apresenta-se um Eu sustentado no “entre” de uma relação que o cuida, que o sustenta, que o contém e o suporta. Assim a pessoa pode ensaiar novas formas de relação consigo, com os outros e com o mundo. Recorde-se que limite não é limitação.
Como referido por nós noutro local, entre “Psique e Soma" há um caminho a redescobrir de tão esquecidos que andamos nestes tempos vertigem que vivemos. Experimentamos tempos em que no campo da Psicologia, da Psicoterapia e das relações de ajuda em saúde, são necessárias novas e renovadas práticas clínicas, espaços de escuta, de acolhimento e cuidado mais humanizados e humanizantes. Na atualidade somos tomados pela arrogância de um saber e prática unidimensional, desligado da pluralidade das diferentes abordagens em saúde que enriqueceram entre outras a história da prática clínica psicoterapêutica.
Porque Entre Psique e Soma necessitamos de uma relação de inteireza que nos permita vivenciar a experiência de estar vivo em vínculo com o que nos humaniza e transforma.
Neste sentido, uma abordagem ecobiopsicossocial em Psicossomática não se confunde com um aglomerado de equipamentos técnico-metodológicos que afastam os profissionais de saúde da pessoa “em corpo inteiro”, da pessoa onde a unidade psicossomática é centro da atuação e da relação terapêutica. Esta abordagem integrante e integradora não se afasta dos grupos e das dinâmicas sociais concretas, oferece-se assim como novo paradigma em saúde, deixando de ser a doença a sua exclusividade, assumindo assim um papel decisivo na escuta holista do sentir o Homem.
De corpo inteiro, o corpo pode ser história íntima, pode ser ponte entre o interno e o externo, pode fluir entre a superfície e a profundidade. O corpo é história em carne viva, nele pulsa o vivo. Nele as palavras-corpo que nos dizem são a melodia do seu canto. O corpo canta e conta o que lá está, canta e conta o que é aqui e agora. Só integrando o corpo na sua inteireza psicossomática é que se revela a pessoa com rosto humano que o habita.
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