Quis assim o destino!

Quis assim o destino!

Já faz 5 dias que abandonei a minha caixa postal, constantemente esqueço-me do "smartphone" ora na mesinha de cabeceira ora na mochila de praia, não sinto necessidade do conhecimento ou das “interações sociais”, muito pelo contrário, gosto de me sentir burro e ficar na ignorância.

Já dizia e com toda a razão o Sr. Pessoa “pensar é não compreender”.

Relógio já não uso há mais de 20 anos e, em situação de férias, de uma forma natural dispo também o telemóvel. Como não sei aferir as horas pelo sol, ando perdido… propositadamente perdido de forma a viver as emoções e o contacto com a natureza. Ainda sou daquelas gerações que aprecia o “nudismo tecnológico”, usufruir os momentos em vez de fotografar para desfrutar mais tarde, é um modo de vida em vias de extinção, coisa de cota?

Já tinha vindo ao Alvor um par de vezes, mas sempre a passeio, desta vez vim para ficar, viver a vila em todo o seu esplendor, chegando a esquecer que tenho um automóvel, nem que seja só por uma semana.

Um "cozy studio" em frente à praia abre novas perspetivas, dá um novo significado às férias.

Enquanto a maioria das pessoas anda a estudar formas criativas de contornar a proibição dos arraiais populares, comer umas sardinhas e beber umas cervejas de forma disfarçada, eu exilei-me no paraíso. Não foi uma decisão ingénua, após uma consulta aos preçários do alojamento no Algarve no mês de julho e agosto, sem dúvida tive que vir em junho, afinal sou mesmo Português.

Há males que vêm por bem, o que começou por ser uma limitação económica, rapidamente se tornou num verdadeiro sucesso, o clima nesta altura está fantástico, todos os dias sol e temperaturas quase a beijar os 30º, bronze? Sem dúvida! Sei o que está a pensar neste momento, a resposta é sim, já consegui comprar o protetor solar.

Além disso, as poucas pessoas que cá estão nesta fase do ano, faz com que seja possível viver o Algarve de uma forma plena, sem ajuntamentos, sem falta de estacionamento, sem fila nos supermercados, sem barulho e muitos lugares vazios em qualquer esplanada ou restaurante. Já mencionei que na praia, sem fazer por isso, consigo ter um distanciamento social de 50 metros? Pois é, coisa rara nos dias que correm. Os gritos e jogos barulhentos das criancinhas felizes não se ouvem na praia pois as escolas estão consideravelmente longe.

Com este artigo não tenho intensão de causar inveja, mas começo a achar que será uma tarefa impossível, por esta altura você já inspirou fundo pelo menos uma vez, fechou os olhos e viajou até ao Alvor por um segundo. Não foi feliz nesse segundo?

Sem querer retirar a agradável e tranquila imagem que coloquei no seu cérebro, quero agora adicionar um novo significado a esta vila, algo que talvez você não saiba e que não estava à espera.

Após vários dias de negociação, foi assinado a 15 de janeiro de 1975 (ainda na ressaca do 25 de abril) no Hotel Penina, no Alvor, um acordo entre 4 atores: Governo Português, MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola)

Pela primeira vez, esta vila foi palco de um acontecimento mundial, a assinatura do que ficou para a história como o Acordo do Alvor, um encontro que juntou à mesa de negociações o estado Português com 3 movimentos que lutavam pela independência de Angola.

Ao contrário do que aconteceu em Moçambique e na Guiné, que só tinham um movimento que lutava pela independência, a situação em Angola era de uma complexidade maior, pois coexistiam 3 movimentos armados rivais e com bases de apoio diferentes, que controlavam áreas distintas do território Angolano. Como deve imaginar, o facto de haver esses 3 movimentos dificultou muito a negociação de soluções políticas com vista à descolonização.

Talvez pela beleza do Alvor, pela hospitalidade ou mesmo pela gastronomia, as negociações decorreram num tom cordial, conseguiu-se a assinatura de um acordo otimista e agradável, onde a dado momento se podia ler:

“Os participantes realçam o clima de perfeita cooperação e cordialidade em que decorreram as negociações e felicitam-se pela conclusão do presente acordo, que dará satisfação às justas aspirações do Povo Angolano e enche de orgulho o Povo Português”.

No acordo, Portugal reconheceu o direito de Angola à independência, que foi proclamada no dia 11 de novembro desse ano e, reconheceu os 3 movimentos como sendo os legítimos representantes do Povo de Angola.

A profunda desconfiança que existia entre os 3 movimentos para a libertação de Angola, fez com que o Acordo do Alvor se tornasse um completo fracasso. Pouco tempo depois da assinatura do acordo, decorreram em Luanda os primeiros combates entre as frações rivais, começando assim uma guerra civil que durou 27 anos.

Se este Acordo tivesse corrido bem, já imaginou quantas vidas tinham sido salvas?

Discurso de António Agostinho Neto no Acordo de Alvor, que culminou com a Proclamação da Independência de Angola a 11 de novembro de 1975.

Fotografia de capa | ddzphoto