Bom Caminho: Um Legado Cultural dos Caminhos a Santiago
Bom Caminho: Um Legado Cultural dos Caminhos a Santiago
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Bom Caminho: Um Legado Cultural dos Caminhos a Santiago
Bom Caminho: Um Legado Cultural dos Caminhos a Santiago

Bom Caminho: Um Legado Cultural dos Caminhos a Santiago

Ao longo dos séculos, os Caminhos de Santiago têm sido mais do que meras rotas de peregrinação. Representam jornadas físicas e espirituais que unem história, cultura e paisagem. No contexto português, o Caminho Central – também conhecido como Via Lusitana – destaca-se como um património vivo, repleto de memórias, lendas e tradições que moldaram a nossa identidade.

É precisamente esta riqueza cultural e paisagística que Artur Filipe dos Santos explora no seu novo livro BOM CAMINHO: Património Cultural e Paisagístico dos Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela: O Caminho Central. Enquanto peregrino experiente, investigador e divulgador apaixonado, Artur convida-nos a mergulhar numa jornada que transcende o ato de caminhar: é uma viagem ao coração da nossa herança coletiva.

Nesta entrevista, o autor partilha a inspiração por detrás da obra, os desafios da sua investigação e as descobertas que marcaram o percurso. Revela ainda como os Caminhos de Santiago podem ser um símbolo de sustentabilidade e preservação cultural, mesmo num mundo em constante transformação. Prepare-se para um diálogo que une a paixão pela história ao desejo de explorar o desconhecido, celebrando o espírito intemporal do Caminho Português.

Siga a conversa inspiradora com Artur Filipe dos Santos, onde cada palavra ressoa com a autenticidade de quem viveu e amou cada passo deste legado.

Artur, o que te levou a escrever este livro sobre o Caminho Central dos Caminhos Portugueses a Santiago de Compostela? Houve algum momento ou experiência que te inspirou particularmente?

Desde 1996 que sou peregrino de Santiago, começando por realizar Caminho Primitivo, o Francês e finalmente, o Português. Sempre fui um apaixonado pela história em geral e dos lugares e das gentes em particular. Desde que comecei a explorar as rotas jacobeias, as suas lendas e as tradições peregrinas, deparei-me com uma verdadeira autoestrada cultural que me permitiu, inclusive, descobrir as realidades em que vivem os peregrinos das mais diferentes nações com que me fui cruzando ao longo dos caminhos. Quando deixei para trás quase 20 anos de jornalismo e me dediquei, quase exclusivamente, à docência, voltei à paixão antiga de estudar o património, mas agora, ao mesmo tempo, de o divulgar, o que levou a que muitos amigos e alunos me convencessem a realizar com eles o Caminho, uma nova e completamente diferente experiência, já que fui sempre um peregrino solitário.

Ao estudar a fundo a história, as tradições jacobeias e o movimento cultural à volta desta peregrinação de origem medieval – que fez de Santiago de Compostela o terceiro maior destino religioso da cristandade, a seguir a Jerusalém e a Roma – reparei que a única literatura existente sobre este tema conhecia apenas três estilos distintos: a visão académica, isto é, teses e artigos compilados em livro; guias de viagem e relatos pessoais. Faltava no meu entender, um livro que abordasse, de uma forma versátil, descomplicada, mas exigente, no que diz respeito à riqueza da língua portuguesa, adotando o mesmo estilo de escrita que sempre caracterizaram os meus artigos jornalísticos, entre crónicas, notícias ou textos de opinião. Ao longo do tempo fui sendo desafiado a escrever este livro para dar a conhecer o nosso património cultural, paisagístico e imaterial à boleia das rotas portuguesas, mas o momento chave foi quando completei o Caminho Português com os meus alunos e alunas da Universidade Sénior Contemporânea. Foi uma experiência tão rica e avassaladora, que mudou a vida de muito dos participantes e, inclusive, a minha. Foi uma experiência intemporal que perdurará até ao último suspiro. 

O título do livro menciona “Património Cultural e Paisagístico”. Como é que esses dois elementos se destacam no Caminho Central em relação a outros itinerários?

O Caminho Central, também apelidado de Via Lusitana, é a rota jacobeia, em território português, com maior tradição e onde podemos encontrar inúmeros relatos da peregrinação de personagens de notável importância histórica como a rainha Santa Isabel, Cosme de Médicis, Jean-Baptiste Confalonieri, Leon de Rosmithal ou Erich Lassota de Steblovo. Por concentrar cidades de elevado valor histórico como Lisboa, Santarém, Tomar, Coimbra, o Porto ou ainda mais a norte, Barcelos, Ponte de Lima, Pontevedra na Galiza e, finalmente Santiago, realizar o Caminho Português é uma experiência inesquecível pra quem deseja conhecer a fundo a arquitetura, a escultura e a arte plástica presentes em igrejas, capelas, museus, vestígios arqueológicos, sem esquecer a natureza que podemos explorar quando cruzamos o mar da Palha, às portas de Lisboa, a Serra d’Aire, a mancha virada a nascente do pinhal de Leiria, o Mondego e o Douro e, o imenso mar que podemos apreciar, se optarmos pela variante do Caminho Central que apelidamos de “Caminho Português da Costa”. Já no Norte, o autêntico “jardim” que é o Minho, a Serra da Labruja ou as cascatas do rio Barosa, desta feita na fase completar desta odisseia, a escassos quilómetros de Santiago.

Mas qualquer um dos outros caminhos já conhecidos em Portugal são igualmente fascinantes, como o do Interior, o da Geira e dos Arrieiros, os do Alentejo ou mesmo o tramo da Via da Prata, que vem de Sevilha e adentra em território português entre Freixo-de-Espada-à-Cinta e Bragança. Carecem, contudo, de equipamentos de apoio aos peregrinos como os que podemos encontrar no Caminho Central e nas suas variantes a partir do Porto (Braga, Barcelos e o da Costa), levando a que se concentre um número cada vez maior de peregrinos, tornando o Caminho Central o segundo Caminho mais percorrido, apenas suplantado pelo Caminho Francês. Contudo, esses mesmos caminhos são procurados cada vez mais, à medida que o Caminho Central vai-se esgotando, porque os maiores entusiastas desta experiência já o conhecem.

Na tua investigação, qual foi a maior descoberta ou surpresa sobre os Caminhos Portugueses? Existe algum aspeto menos conhecido que gostarias de partilhar?

O Caminho Português Central, é, no seu todo, uma autêntica descoberta, já que podemos construir um retrato fidedigno do Portugal Litoral, como apelidou o etnólogo Orlando Ribeiro. Cada povoação é uma “caixinha de surpresas”, tal é a riqueza do património que podemos explorar por essas terras fora, sem esquecer o património imaterial e o “delicioso” património gastronómico.

Para mim a maior surpresa não foi nenhum do património que referi anteriormente, até porque, como sempre fui uma andarilho, um “vagabundo da cultura”, já conhecia e elogiava o legado cultural, mas sim a generosidade das gentes do Caminho, isto é, habitantes que, vivendo paredes meias com a Via Lusitana, não hesitavam em abrir as portas das usas casas, deixar água e fruta junto aos portões para saciarem os peregrinos, nunca perdendo a oportunidade de saudarem os viandantes com um audível “Bom Caminho!”

O livro parece combinar história, cultura e paisagem. Como equilibraste estas dimensões na escrita, de forma a captar a essência do Caminho Central?

Apoiando-me nas mesmas capacidades redacionais que fui desenvolvendo enquanto jornalista, utilizando uma forma descritiva, sem deixar de apostar na profundidade da linguagem, desafiando, muitas vezes, os leitores com vocábulos que certamente os obrigará a consultar mais do que uma vez o dicionário. Penso que a mais-valia foi dedicar-me de alma e coração a detalhar o património encontrado, as lendas, as subtilezas dos lugares, ansiando que os leitores se sintam tão agradados de ler este livro como eu de escrevê-lo. 

Qual consideras ser o impacto dos Caminhos Portugueses a Santiago no património cultural e na identidade portuguesa?

Desde logo no ponto de vista religioso e cultural, já que é antiga e notória a devoção a Santiago que se sente um pouco por todo o nosso país e que em muitos lugares está presente na própria toponímia como Santiago do Cacém, Santiago de Custóias, Santiago de Antas, etc., sem esquecer o contributo, mais a sul, da Ordem de Santiago.

Atualmente, para o bem e para o mal, transformou-se num valiosíssimo produto turístico, uma montra privilegiada de divulgação da nossa oferta hoteleira, das cidades e paisagens. Todos os anos são milhares os peregrinos que cruzam Portugal rumo a Compostela e, muitos desses, imbuídos mais no espírito de aventura e lazer do que propriamente por motivos espirituais ou religiosos e que são apelidados de “turigrinos” pelos membros mais conservadores da comunidade peregrina. 

Certo é que os Caminhos portugueses tornaram-se o mote ideal para dar a conhecer Portugal ao mundo.

Nos dias de hoje, qual a importância do Caminho Central não só como rota de peregrinação, mas também como recurso de turismo sustentável?

Há toda uma economia que gira à volta do Caminho, desde a restauração e hotelaria, passando por outros equipamentos de apoio, que resulta, desde logo, de toda uma série de oportunidades de negócio e perspectivas de emprego impulsionadas pelo Caminho de Santiago. Mas também há toda uma visão de projeção, tanto a nível do território como dos agentes políticos, colocando muitas vezes na ordem do dia os investimentos dedicados aos tramos do caminho que passam pelas suas localidades, assinalados nos discursos mais ou menos fleumáticos de vários autarcas.

Mas, apesar de muitos alertarem para uma gentrificação do Caminho Português, certo é que, se não fosse a rota, a Cruz dos Franceses, na serra da Labruja, ainda estaria coberta de vegetação, e, se calhar, muitos dos caminhos florestais, que agora são cruzados por um sem-número de peregrinos, estariam votados ao abandono permanente.

O Caminho Central diferencia-se dos outros itinerários do Caminho de Santiago. Quais são, na tua opinião, os principais pontos que tornam esta rota única?

A intima conexão com a tradição jacobeia, o legado intemporal criado pelo mito e as lendas que envolvem a Rainha Santa Isabel, a mais importante peregrina portuguesa, encontrarmos lendas que conectam a devoção ao Apóstolo Santiago como a lenda do Galo de Barcelos ou a lenda de Caio Carpo ou lugares de enorme espiritualidade e transcendência como Santiaguiño do Monte, em Padrón ou o Santuário da Escravitude, lugares que um peregrino só pode conhecer se fizer o Caminho Português Central.

Quanto tempo demorou desde o início da investigação até à publicação do livro? Quais foram os maiores desafios neste processo?

Tenho de admitir que preparei este livro como quem prepara uma tese, compilando uma gigantesca lista de obras, artigos, páginas, blogues, podcasts, entrevistas. Numa primeira fase porque o tema sempre me apaixonou, numa segunda para alimentar as crónicas que fui partilhando com os leitores da Draft World Magazine e, finalmente, quando fui desafiado pela Alma Letra, a publicar o resultado de tanta investigação e escrita.

Contando com a investigação e a escrita, foram, sensivelmente, dois anos e meio para que esta obra visse a luz do dia. Mas valeu, e de que maneira, cada bocadinho de tempo dedicado.

Como investigador, como lidaste com as fontes históricas e os relatos orais? Houve algum conflito entre factos históricos e interpretações modernas?

Não tanto no inicio da investigação mas já mais para o final, porque fui descobrindo centros relatos históricos “feitos por encomenda”, isto é, fui descobrindo documentos de certos novos especialistas da História jacobeia e dos Caminhos Portugueses a, literalmente, inventarem novos percursos, “motivados” por esta ou aquela autarquia ou por qualquer outro interesse económico, levando ao risco de uma banalização das vias portuguesas e uma dispersão de recursos que poderiam ser alocados às rotas autenticas.

Durante as tuas caminhadas e estudos, qual foi o local ou momento que mais te marcou?

Barcelos e Padrón se falarmos exclusivamente do Caminho Português Central ou a Mata de Albergaria e Celanova no Caminho da Geira e dos Arrieiros . Se explorarmos então outros caminhos, podia referir Santo Domingo de la Calzada, Cruz del Hierro, a igreja templária de Santa Maria de Eunate, Puente La Reina, e O Cebreiro no Caminho Francês; Santa Marta de Tera e Santa Mariña de Augas Santas na Via de la Plata ou Oviedo e “Ruta de los Hospitales” no Caminho Primitivo. Tudo lugares de enorme espiritualidade, literalmente de cortar a respiração. 

Para quem é este livro? Quais são os leitores que acreditas que vão beneficiar mais desta obra: peregrinos, investigadores, ou até curiosos pelo património cultural português?

É um livro que procura entusiasmar peregrinos e não peregrinos, ou seja, levar aqueles que já fizeram o caminho a reencontrá-lo de uma forma mais profunda, explorando outra faceta da aventura jacobeia, o de descobrir o património que podemos encontrar ao longo do Caminho, ao mesmo tempo em que procuro abrir o apetite dos amantes por viagens a conhecer o Caminho tornando-se, finalmente, peregrinos, sejam estes entusiastas portugueses ou estrangeiros. Quando participei, em 2024, como único orador português convidado do Encontro Nacional de Associações de Peregrinos do Brasil, que teve lugar no maravilhoso mosteiro de Itaici, promovido pela ACACS-SP (Associação de Confrades e Amigos do Caminho de Santiago de Compostela de São Paulo), encontrei muitos apaixonados em viagens, sobretudo por rotas de caminhada, que, apesar de nunca terem conhecido ainda a experiência do Caminho, acabaram fascinados com o relato que lhes apresentei do património cultural português umbilicalmente conectado com os Caminhos de Santiago.

Como é que esperas que o teu livro contribua para o conhecimento e a valorização do Caminho Central dos Caminhos Portugueses?

Espero, sobretudo, que os leitores se deleitem com a descrição do património cultural, natural, imaterial e gastronómico que exploro no livro. Esse é o principal contributo enquanto escritor. Na pele de divulgador espero contribuir para o aprofundamento do conhecimento e valorização do nosso património, nas suas mais diversas dimensões, elevando o espirito de pertença, ao mesmo tempo que me esforço em alimentar esta relação de Portugal, em especial do norte do país com a nossa irmã Galiza, onde me sinto tanto português como em casa, exaltando os laços que nos unem, desde a música (a reboque da gaita-de-foles, de que sou executante com desmesurado orgulho) às lendas, ao passado castrejo, romano e cristão.

Nos últimos anos, os Caminhos de Santiago têm atraído um público cada vez mais global. Como é que este crescimento pode afetar a autenticidade e preservação das rotas portuguesas?

É a maior ameaça que o Caminho enfrenta realmente. É a autenticidade da experiência peregrina que atrai os melhores peregrinos. Ver os Caminhos inundados de malas de rodinhas, táxis e transporte de mochilas, albergues apinhados de “turigrinos” que se queixam que o seu quarto não tem ar condicionado quando à porta espera um peregrino que andou trinta e tal quilómetros com o “peso” da sua espiritualidade” e da sua mochila. Essa realidade afasta os peregrinos e transforma a experiência num parque temático, um conceito ilusório de férias baratas. Eu acredito que, como muito do que se passa na nossa sociedade, estas procuras desmesuradas pelos Caminhos de Santiago acabaram por desvanecer numa moda passageira. Não tarda nada e o Caminho ficará novamente livre para os verdadeiros peregrinos, a não ser que a edilidades e interesses turísticos optem por desvirtuar os Caminhos, colocando cimento e asfalto por todo o lado, esvaziando a típica rusticidade dos trilhos, acabando por extinguir a autenticidade que nos leva a viajar para um tempo em que o relógio parecia girar bem mais devagar. 

Se pudesses transmitir uma única mensagem ou reflexão aos leitores sobre o Caminho Central e o que ele representa, qual seria?

Da mesma forma que a tradição conta que as relíquias do Apóstolo Santiago repousam em Compostela, também este livro é uma espécie de relicário, já que em cada exemplar vai um pouco de mim, da minha paixão pelo Caminho e pela cultura jacobeia e o amor ao património português, assim como a minha profunda relação com a Galiza. Espero realmente que, se tiverem a oportunidade de folhear este livro, consigam sentir o fascínio do Caminho, convencendo-os a regressarem aos vieiros empedrados rumo a Compostela ou a experimentar, finalmente, a transcendência da vivência peregrina.

Para terminar, o que significa para ti a expressão “Bom Caminho” e como ela se reflete na tua vida pessoal e profissional?

Existem duas icónicas saudações que podemos transmitir aos peregrinos com que nos cruzamos. Se for um peregrino erudito, isto é, conhecedor da história e património jacobeu, então felicitamos o viandante com um emocional “Ultreya et Suseya”, que se traduz quase literalmente como “força, vai em frente”. Mas se, ao invés, estamos diante de um ser humano que busca encontra-se a si mesmo à medida que vai ultrapassando os quilómetros que o separam do seu desejo final, então lançamos votos que a sua vida seja tão rica quanto proveitosa estiver a ser a sua aventura jacobeia, desejando-lhe, da forma mais grata e meiga, porém enérgica, um Bom Caminho peregrino de Santiago, e da vida.


O lançamento do livro "BOM CAMINHO" não fica por aqui. Estão já confirmados novos eventos para dar a conhecer esta obra. No dia 25 de janeiro, será em Barcelos, a 8 de fevereiro no El Corte Inglés de Gaia e, no dia 1 de março, na Biblioteca Florbela Espanca, em Matosinhos.


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