De Vagabundo a Escritor de Sucesso

De Vagabundo a Escritor de Sucesso

A Vida de Jack London

A incrível história de um dos melhores escritores de sempre

Hoje quero recordar um personagem fascinante, um exemplo de perseverança, mas ao mesmo tempo um homem complexo e recheado de paradoxos. Um ser sensível mas aventureiro que deste muito cedo quis traçar o seu próprio destino, extraindo da vida e do mundo a sua essência.

O nome John Griffith Chaney certamente não lhe diz nada, mas acredito que Jack London já fará tocar algumas campainhas. Este é um dos casos em que o pseudónimo utilizado por este ativista social, escritor de contos e romances ficou eternizado, mais do que o verdadeiro nome. London foi um dos primeiros romancistas a atingir o status de celebridade mundial devido às suas fantásticas histórias, mas está longe de ter tido uma vida fácil, muito pelo contrário. Foi também pioneiro em alcançar o status de rico com a venda das suas obras, nunca antes tinha acontecido no tempo de vida útil de um escritor. Cheia de altos e baixos, uma história de vida, que apesar de antiga, dava um enredo incrível numa novela atual.

Nasceu a 12 de janeiro de 1876 em São Francisco (Califórnia), filho de Flora Wellman, uma professora de música e espiritualista e, presume-se, do astrólogo William Chaney. O casal vivia junto e, segundo um relato de Flora, Chaney ao perceber que ela estava grávida, exigiu que abortasse. Com a recusa de Flora, ele negou qualquer responsabilidade pela criança e abandonou a sua companheira ainda grávida.

A tristeza da separação provavelmente aliada a uma depressão pós parto, levaram a que Flora, num ato de desespero, com uma arma de fogo tentasse o suicídio…felizmente não tinha uma pontaria exímia, pois ficou superficialmente ferida. Jack London ainda com poucos meses de vida esteve muito perto de ficar órfão de mãe, a somar ao abandono por parte do pai. Apesar de não ter nascido num berço tão pobre quanto o que menciona em algumas das suas obras, teve certamente um início de vida difícil e atribulado.

Ainda Jack não tinha completado um ano de vida quando a sua mãe casa-se com John London, passando a partir daí a morarem os 3 juntos. Já deu para perceber de onde veio o nome London, em relação a Jack é que não se sabe, provavelmente adotou-o para se distinguir do padrasto, pois partilhavam o mesmo primeiro nome, John.

Por razões financeiras, esta família ao longo dos anos por várias vezes mudou de residência, mas sempre na área de São Francisco, até que fixou-se em Oakland, onde London fez os seus estudos.

Não se conhecem grandes pormenores acerca do percurso de criança e jovem adolescente, contudo, é sabido que entregou jornais, trabalhou na escola que frequentava e até mesmo numa fábrica de enlatados, de forma a poder ajudar no sustento da família. Aos 17 anos talvez influenciado pelo romance de Herman Melville, Moby Dick, ou devido ao episódio que viveu aquando de uma bebedeira em que caiu ao mar e só não morreu porque foi resgatado por um pescador, Jack durante 7 meses esteve embarcado no Sophia Sutherland, um barco destinado à caça de focas no Pacífico. Aos 21 anos e após uma série de viagens pelo país, teve um mês na prisão por vadiagem. Após várias experiências como vagabundo e marinheiro, London começa a contribuir com diversos artigos para um jornal académico, o Aegis. O seu primeiro trabalho publicado foi "Typhoon off the Coast of Japan" ("Tufão na costa do Japão"), facilmente se consegue imaginar de onde surgiu a inspiração. A história ganhou o primeiro lugar num concurso literário, mas rendeu-lhe apenas 25 dólares.

Já na sua vida adulta, London por intermédio de uma troca de cartas com o seu pseudo pai, pela primeira vez na vida fica a conhecer a versão dele. Esta carta (transcrita aqui) decerto marcou-o.

"Nunca me casei com Flora Wellman, mas vivi com ela de 11 de junho de 1874 a 3 de junho de 1875. Sofria eu nesse tempo os terríveis efeitos de muitas privações, dificuldades de vida e excessivo trabalho intelectual, sendo inteiramente platónicas as nossas relações. Portanto, não posso ser o seu pai nem lhe dizer com certeza quem seja ele. (...) O Jornal 'Chronicle' disse que eu a expulsei de casa porque ela não quis fazer o aborto. Essa notícia correu o país inteiro, reproduzida por toda a imprensa. Por causa dessa história, duas das minhas irmãs se tornaram minhas inimigas. Uma delas morreu ainda me julgando culpado. Todos os outros parentes, exceto uma irmã que mora em Portland, estão ainda contra mim e me apontam como a vergonha da família. Na época do escândalo, publiquei em folheto uma declaração da polícia em que se demonstrava a falsidade de muitas acusações levantadas contra a minha conduta, mas nem o 'Chronicle' nem os outros jornais que me difamaram quiseram desmanchar a calúnia. Desisti então de me defender e durante anos e anos a minha vida pesou como um fardo. Veio finalmente a reação e agora já tenho alguns amigos que me consideram homem de bem. Já passei dos 76 e vivo na pobreza."

Jack London concluiu o ensino secundário e, em seguida, frequentou a Universidade de Berkley, no entanto, por falta de dinheiro teve de desistir ainda no 1ºsemestre. A falta de dinheiro fê-lo desistir de um sonho, mas versátil como era, rapidamente encontrou uma solução para o problema financeiro que vivia.

Em julho de 1897 com a migração da febre do ouro a rumar para norte, Jack com 21 anos, em busca de ouro, tal como muitos outros Americanos, troca a Califórnia pela região Canadiana do Klondike. Tudo leva a crer que a busca pelo minério dourado não foi bem-sucedida, Jack apenas trouxe 4,5 dólares em ouro, mas as experiências que passou neste local remoto foram, sem dúvida, uma fonte de inspiração para as histórias que viria a escrever. Acerca da sua passagem por esta região remota e austera, Jack afirmou: “I found myself there”, mas em termos financeiros a situação continuava apertada. Durante esta aventura de 1 ano, Jack London teve escorbuto, a sua saúde foi atingida de forma severa pela doença, tanto que ficaram sequelas para o resto da sua vida.

Retorna à Califórnia em 1898 e começa a trabalhar na sua escrita com o grande objetivo de conseguir publicar e angariar fundos. Após muitas recusas, finalmente conseguiu publicar “To the man on trail”, mas ganhou apenas 5 dólares, situação que o fez desmotivar e quase desistir da sua carreia de escritor.

Segundo as suas palavras, "fui salvo literalmente e literariamente" quando o The Black Cat aceitou a sua história "A Thousand Deaths" ("Um milhar de mortes"), pagando 40 dólares.

Jack London e a familia

Fotografia | Jack London Biography

London casou-se pela primeira vez com Elizabeth Maddern (Bessie), a 7 de abril de 1900, no mesmo dia em que The Son of the Wolf ("O filho do lobo") foi editado. Deste primeiro casamento resultaram 2 filhas, nascidas em Piedmont na Califórnia e a sua magnum opus, “The Call of the Wild” publicada em 1903, que rendeu-lhe quase 3.000 dólares.

Este livro, 117 anos após ter sido editado, continua a preencher os imaginários das pessoas, ao ponto de, no ano passado, ter inspirado um filme com o mesmo nome, em que Harrison Ford assume o papel de protagonista.

The Call of the Wild tem como protagonista um cão de seu nome Buck, de uma forma simplista, este livro retrata o sair da civilização e o reconectar com a natureza, o poder da adaptação, uma verdadeira metamorfose. Um “must” na sua mesinha de cabeceira.

Para além do The Call of the Wild, as suas obras mais conhecidas e de maior sucesso são Before Adam (Antes de Adão), White Fang (Caninos Brancos) e The Sea Wolf (O Lobo do Mar) "To Build a Fire" ("A fogueira"), que muitos críticos consideram a sua melhor obra.

Finalmente Jack London aos 27 anos, começa a ganhar dinheiro e protagonismo como nunca antes. Em termos monetários tudo corria bem, o mesmo não se pode dizer do departamento sentimental, o seu casamento não conseguiu ultrapassar a barreira psicológica dos 4 anos. Há males que vêm por bem, pois no ano seguinte Jack conhece a mulher que o acompanharia até ao final da sua vida, Charmian Kittredge. Apesar de terem tido uma gravidez e parto, a filha deste casal apenas conseguiu viver 2 dias, mas tudo indica que o amor e a felicidade pautaram o resto da vida deste escritor.

Jack and Charmian London in Hawaii, 1915

Fotografia | Jack and Charmian London in Hawai, 1915

Em 1905, London comprou um rancho de 1000 acres na Califórnia, escrevendo na altura:

"Juntamente com a minha esposa, o rancho é a coisa que mais prezo neste mundo."

Ele tentou fazer do rancho um empreendimento comercial bem-sucedido, construindo de raiz uma verdadeira mansão. Uma espécie de retiro espiritual, a que chamou “a casa do lobo” mas tornou-se um verdadeiro fracasso económico. Sempre com falta de dinheiro e com despesas crescentes. Jack London ganhava muito, mas gastava a um ritmo superior, quando estava “apertado” lá escrevia mais umas histórias com o intuito de regularizar as finanças.

Charmian para além de esposa, foi também uma companheira inseparável de viagens e aventuras, exemplo disso foi o cruzeiro no iate Snark (construído propositadamente para o casal London logo após o grande terramoto de são Francisco) para o Havai e Austrália. Muitas das histórias de London foram inspiradas nas suas visitas ao Havai, a última delas por razões de saúde, com uma duração de dez meses, no ano anterior à sua morte.

O escritor e aventureiro Jack London morre no dia 22 de novembro de 1916 numa varanda da sua mansão no rancho. É sabido que devido aos problemas renais tinha dores extremas e tomava morfina, entre outras drogas. Na sua certidão de óbito consta que a causa de morte foi devido a uremia após cólica renal aguda, sendo que, ainda hoje é motivo de discussão, segundo alguns Jack morreu devido a um AVC, outros acreditam que deveu-se a uma overdose de morfina (acidental ou mesmo deliberada).

Uma das rotinas deste incrível escritor foi o de escrever 1000 palavras por dia, normalmente no período matinal, hábito que manteve durante toda a vida e até que a morte o separasse da escrita.

Jack London não está entre nós, mas arriscaria dizer que a sua obra é imortal e está disponível numa qualquer livraria perto de si!