
O Outro Lado do 5 de Outubro
Tratado de Zamora – Um outro Feriado para comemorar em 5 de outubro
A 5 de outubro de 1143 Portugal garantia a sua independência através da assinatura do Tratado de Zamora, elevando D. Afonso Henriques à condição de primeiro rei de uma das nações mais antigas do mundo. Nos dias de hoje esta data é celebrada sobretudo por monárquicos e românticos da história e cultura secular, suplantada pela comemoração da Implantação da República, desta feita em 1910, facto que dá origem ao feriado que se assinala a 5 de outubro.
Zamora é uma pequena cidade espanhola, com pouco mais de 60 mil habitantes. A apenas 50 quilómetros de Miranda do Douro, a antiga Ocellum Duri (que em latim quer dizer “Os olhos do Douro” viu, em 1143, nascer, ali tão perto, um novo reino, depois de uma acérrima contenda entre primos, Afonso Henriques, filho de Teresa e Henrique de Borgonha, e Afonso VII (da Galiza, Leão e Castela), filho de Urraca e Raimundo, netos (pela parte da mãe) do rei Afonso VI “o Bravo”.
Feitas as apresentações familiares, a pequena mas antiga cidade da raia (fundada pelos celtas nos inícios da Idade do Bronze) assistiu de camarote à declaração de paz entre o pretendente a rei e monarca de facto, colocando um ponto final numa contenda que já se arrastava desde 1128, ano em que teve lugar, às portas de Guimarães, a batalha de S. Mamede.
Se é verdade que em 1137 já teria havido um documento que procurava cessar as hostilidades “familiares”, conhecido como o Tratado de Tui, certo é que as escaramuças continuavam “em casa” dos netos de Afonso VII, pois nem Afonso Henriques aceitava o primo como imperador, nem Afonso VII aceitava o filho da sua tia Teresa como rei, numa novela rocambolesca, com um argumento entusiasmante, que em nada ficaria atrás da atual ficção televisiva.
Essa pequena cidade, que não fosse o bulício das tropas estacionadas à volta do burgo e o corre-corre de emissários pela célebre Calle Balborrás, provavelmente não daria conta que abraçaria um dos momentos mais importantes da história da Península Ibérica.
Sede de uma das catedrais mais curiosas da antiga Ibéria romana (com uma cúpula de influência bizantina, decorada em escamas), Zamora guarda ainda outra conexão com a história do seu vizinho raiano e que não passa despercebida quando os portugueses visitam o coração de um centro classificado em 1973 como Conjunto Histórico de inegável valor: a bandeira da cidade é vermelha e verde.
Conhecida como a “Seña Bermeja”, esta não se encontra de todo relacionada com Portugal enquanto nação, mas recorda uma figura fundamental também da nossa história que é Viriato. Composta por oito tiras vermelhas, estas procuram eternizar as oito vitórias alcançadas pelo famigerado chefe lusitano contra diversos dignitários romanos, antes de morrer às mãos dos seus próprios correligionários.
Já a barra verde (em horizontal como as demais), que encima a bandeira, representa o reconhecimento de Fernando II de Aragão (que formou com Isabel de Castela uma das uniões mais poderosas da História, reconhecidos pelo papa Alexandre VI, como os “reis Católicos”) pelo auxílio dos zamoranos na batalha de Toro, um dos episódios bélicos da guerra da Sucessão Espanhola, de má memória para “nuestros hermanos”, já que desta saiu vencedor o rei Afonso V de Portugal, que procurava defender os direitos da sua sobrinha, Joana (conhecida como “A Beltraneja”) ao trono castelhano.
Apesar do 5 de outubro que comemoramos esta semana destacar o fim de uma era em que a coroa encimava os destinos de Portugal, vale a pena recordar essa data essencial de 1143, sem contudo perder o foco de que, apesar de haver uma fronteira que divide as duas nações, colocada entre Miranda do Douro e Zamora, muito mais há o que une os dois povos da raia do que os distância, protegidos por uma história comum elevada à condição de irmandade.