Portugal: O Ponto de Encontro
Junho está aí, os amarelos já ocupam as suas posições na praia, daqui a alguns dias chegará a oficialização, será verão. Após estes 6 duros meses e com uma generosa pitada de confinamento, começa a aparecer a necessidade de mudar de ares, fazer uma pausa das rotinas, sintetizar alguma vitamina D enquanto coloca a leitura em dia. Os sintomas já estão instalados no mau humor das últimas semanas, o consumo excessivo de café trouxe alguma inquietação, a irritação gratuita com a caixa postal ou as respostas tortas que tem dado às pessoas que mais ama. Acaba por ser uma espécie de "2+2", no fundo o seu cérebro está a pedir um desconto de tempo que dure mais do que dois feriados e, sem cheiro a sardinhas.
Será que a imagem que tem no ambiente de trabalho terá sido colocada à toa? Ou já era o seu subconsciente a falar por si? Sim, aquela palavra começada por "F" que até aqui era proibida de pronunciar: Férias…
No ano passado, começou por ser uma frustração, viagem às Maldivas fora de questão, sem saber bem como, a pandemia assumiu o controlo da sua vida, das suas férias e não menos verdade, foi responsável pela morte social.
A única decisão que ficou na sua mão foi qual o cantinho de Portugal que iria eleger como destino de férias 2020 e, de livre mas não de espontânea vontade, teve mesmo de fazer férias cá dentro. Sem se aperceber do “monstro” que estava a nascer dentro de si, começou por escolher o menos mau, foi evoluindo para locais em comunhão com a natureza e com uma densidade populacional muito abaixo da média, até que, pela primeira vez conseguiu pronunciar o nome. Será uma aventura incrível gritou com alegria aos seus filhos, mesmo sem ter certeza do que dizia conseguiu ser convincente, o falso entusiasmo propagou-se por todas as divisões da sua bolha familiar. Foi à descoberta, explicou aos pequenos que era mais fixe usar o carro do que o avião.
Aconteceu o impensável…foi genuinamente feliz durante aquela semana. Ainda não conseguiu uma explicação lógica, não percebe se foi a gastronomia, o desodorizante da natureza, os sons do silêncio, as águas cristalinas ou a profundidade do céu, ou talvez tenha sido tudo ao mesmo tempo. Sabe que foi mesmo feliz porque não queria que aquela semana acabasse, o amor platónico foi substituído por uma nova versão, o Aristotélico… pela primeira vez em muitos anos você não deseja, mas ama o que tem. Apesar de todos aqueles quilómetros de trilhos deslumbrantes, onde o azul se misturava com o verde, da bicicleta ter sido o veículo mais utilizado, esse amor rendeu-lhe mais três quilos de massa gorda, mas valeu bem cada grama que entrou, verdadeiros gramas de ouro. Viajou para dentro de si, regressou à juventude, onde a bicicleta feita para um voltou a levar dois, partilhou jogos de tabuleiro com a família como se a internet ainda não tivesse sido inventada, viajou à inocência de outros tempos que pensava perdidos para sempre. Chegou a pensar: "há males que vêm por bem", vírus que uniu em vez de separar, ares puros para respirar em locais encantadores que não imaginava visitar. Uma descoberta do país, da essência da alma, remodelou a lista de prioridades, percebeu a diferença entre caminhos e becos, que existe um lugar certo que respeita as suas especificidades bioquímicas, que foi feito para si, como se de um fato de alfaiate se tratasse.
Agora que me devolveram alguma liberdade, que já fui vacinado, tento convencer-me que afinal o avião é melhor do que o carro, mas não funciona, algo mudou em mim. Já posso ir às Maldivas e talvez à Tailândia, mas acho que não quero, duvido que lá seja tão feliz, duvido que lá consiga voltar a amar, parte de mim ficou naquele cantinho encantado, onde se acorda com os galos e os gramas são dourados!
Fotografia | João Fructuosa