Destinos mágicos de Portugal
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Crónica das Aldeias Históricas 

Crónica de um roteiro de três dias a algumas das mais belas aldeias de Portugal

Como amante e investigador em património, a sorte leva-me a ter a oportunidade de divulgar a extraordinária cultura portuguesa e contagiar outros com o meu amor às coisas culturais, naturais e imateriais, levando grupos (maioritariamente de estudantes e amantes da cultura) a descobrir monumentos e paisagens, a rica gastronomia e o sentimento único que vibra nos núcleos celulares de qualquer português, a da hospitalidade.

Um desses ensejos levou-me a realizar um périplo de três dias por algumas das mais impressionantes aldeias que fazem parte do programa de reabilitação e divulgação fundado em 1991, por vários municípios da Beira Interior, conhecidas como as Aldeias Históricas de Portugal.

Da lista de um total de 12 aldeias que compõem a rota fazem parte Almeida, Castelo Mendo, Castelo Novo, Idanha-a-Velha, Linhares da Beira, Marialva, Monsanto, Piódão, Sortelha, Belmonte e, finalmente, Trancoso.

Calcorrear as pedras destes aglomerados urbanos, esvaziados pelo tempo e pela necessidade de uma vida melhor, é adentrar na mais profunda representação da nossa portugalidade, nas raízes que ajudaram a moldar o que agora somos enquanto nação.

Neste roteiro “transportei-me” para destinos mágicos como Sortelha, Idanha-a-Velha, Monsanto, Marialva e Trancoso, com passagem ainda, neste mesmo périplo por paisagens beirãs, pela aldeia de Penha Garcia e as cidades da Guarda, Penamacor e Castelo Branco.

Dia 1 | Guarda, Sortelha, Penamacor e Castelo Branco.

Saída bem cedo, para aproveitar a dádiva de S. Pedro. Talvez por isso, me decidisse a entrar na Sé Catedral da Guarda como forma de agradecimento pela intervenção divina para um tempo mais do que primaveril que se fez sentir. Impressionante pela sua imponência gótica, esta obra que marca a paisagem da cidade “mais alta” de Portugal, mandada erguer por D. João I, no séc. XIV e concluída dois séculos mais tarde.

Realizando uma volta ao perímetro da Sé, deixo-me impressionar pelos seus contrafortes e pináculos e surpreender-me pela “cara” carrancuda das gárgulas, soltando um ar de espanto quando me deparo com uma gárgula em particular: a “Fiel” (não nos esqueçamos que estamos na cidade dos 5 “F’s” – Forte, Fria, Farta, Formosa e Fiel), uma gárgula em forma de “traseiro”, virada em direção a Espanha, em jeito de provocação, uma peça inusitada também conhecida como (e perdoem-me a expressão) a “Cu” da Guarda que, e não é única no país, já que podemos inclusivamente encontrar semelhante adorno arquitetónico, por exemplo, na arcebispal primaz das Espanhas Sé de Braga.

Guarda

O interior austero e robusto é marcado pelo retábulo do altar-mor. Da autoria da escola de João de Ruão, é composto por 130 figuras escultóricas em pedra de Ançã que representam a vida de Cristo.

Já fora da Sé e a tentar habituar à forte luz, a contrastar com a “escuridão” solene que deixei para trás, conduzo o grupo de estudantes desde a Praça Luís de Camões, onde se encontra o palacete dos Balcões, outrora casa da Ordem de Malta e daí até ao Bairro Judeu, onde ainda hoje se respira a cultura sefardita, à medida que vamos visualizando a natureza simples das casas desta parte fundamental da cidade, passando pelas emblemáticas igrejas da Misericórdia, de S. Vicente, até alcançar a Porta d’el Rei, uma das portas que sobreviveu à demolição da antiga cerca, restando ainda a Porta da Torre dos Ferreiros e a Porta da Erva.

E com isto se passou uma manhã! Revigorado por um almoço que incluiu uma tenrinha vitela à lagareiro (porque mexer os dentes também é fundamental se quisermos realmente viver a experiência das terras do interior centro), mando-me para a primeira das aldeias históricas a visitar, nada mais, nada menos do que altaneira aldeia de Sortelha.

Mal nos aproximamos da porta principal da fortaleza, somos invadidos pela natureza de uma estrutura defensiva que não se deixou derrotar pelo tempo, esse “inimigo comum” que nem sempre derrota as mais belas histórias como a lenda do “Beijo Eterno” que ainda subsiste das duas enormes lajes graníticas que se tocam como se lábios fossem, num gesto de carinho intemporal que encontramos junto à torre de menagem.

Não é um sortilégio pisar as ruas desta aldeia sempre a subir (e que permitirá uma descida folgada), da mesma maneira que o topónimo desta antiga cidade com direito a pelourinho e a casa da Câmara não deriva de qualquer mau olhado mas sim, pensa-se, de um aro circular, uma peça de um antigo jogo de cavalaria.

De rápida mas atenta visita, podemos subir à torre, adivinhar como seria a grandiosidade da igreja da Misericórdia, agora em ruínas, descobrir a “Casa Árabe” que pode muito bem não ser, ultrapassar a Porta Nova da Muralha e “assustar-se” com a “cara” de poucos amigos da “Cabeça da Velha”, outra formação rochosa invulgar que podemos encontrar, antes de entrar novamente no reduto da aldeia, pela Porta Falsa.

E se a subida custou, muito devido ao calor que se fez sentir (estavam 30 graus no final de um mês onde não há muitos anos se comiam “cerejas ao borralho”) a descida quase nos empurrava a deixar a aldeia em paz para esta voltar à sua pacatez forçada do seu esvaziamento populacional que a fez perder, em 1834, o estatuto de município.

Não parecia mas o relógio já lutava contra nós e a mania de nos deixar fascinar pelo que de melhor têm estas terras. Estava na hora de visitar uma outra cidade, a cidade que conheceu uma peleja entre habitantes e salteadores e que abrigou, numa penha, um temido ladrão. Histórias que poderão ter estado na origem do estranho topónimo de Penamacor.

Cidade aos altos e baixos, não ficamos indiferentes ao Castelo que, como tantas paragens desta região, pontua a paisagem e nos fazem viajar pelo tempo, às épocas entre épicas batalhas entre cristãos e mouros, relatos que ajudaram a construir a aura mágica dos Cavaleiros Templários.

De igual interesse vale a pena visitar o rico espólio do Museu Municipal de Penamacor, onde podemos encontrar importantes artefactos arqueológicos de origem romana e toda uma cronologia histórica à medida que vamos apreciando o acervo que resulta de uma busca incessante de explicar a história das gentes da região. Tudo isto num antigo quartel militar (com um miradouro excecional, diga-se), onde terá estado preso por algum tempo o político comunista Álvaro Cunhal.

Num centro histórico pontuado por esplanadas repletas por adoradores de cervejas, vale a pena conhecer a tranquilidade da igreja matriz, conhecida também como Igreja de S. Tiago Maior, que podemos “saudar” à entrada do templo, antes de partir para a última paragem do dia: a cidade de Castelo Branco.

Imortalizada na canção interpretada por Gina Maria e conhecida pelos seus finos bordados, é nos jardins do Paço Episcopal que descobrimos a razão por em 2006 ter sido considerada a segunda capital de distrito com melhor qualidade de vida em Portugal.

A Sé, apesar de não surpreender tanto como a da Guarda, não nos passa indiferente, sobretudo quando olhamos para as ricas pinturas da abóboda de canhão.

À medida que anoitece, sentimo-nos atraídos pela altura do castelo e da oportunidade de vislumbrar, a partir das suas ameias, o melhor miradouro para a cidade e descobrir as luzes que já anunciam o momento de parar.

Na próxima crónica sejam bem-vindos às “Idanhas”, a Monsanto e Penha Garcia.

Texto e Fotografias | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património pela Universidade de Vigo, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.