O Distanciamento na Era Digital

O Distanciamento na Era Digital

A Corrosão da Verdade...

Existe um mal-estar presente. Pressente-se o incómodo, ele, expõe-se na dificuldade cada vez mais comum em estabelecer relações humanas de confiança. Existe o medo da proximidade, embora cada vez mais seja esse o desejo, se não consciente, inconscientemente latente. É uma pulsão que late nas profundidades do ser, com o desejo de que as suas ondas vibratórias ecoem na escuta pessoal. As relações íntimas sejam de que natureza for são cada vez mais um caso raro, as pessoas estão distantes. Distanciaram-se e habituaram-se a isso, ou nunca o aprenderam.

No campo do prazer, o desejo erótico é cada vez mais satisfeito na solidão dos ecrãs, no vazio de um quarto ou na mobilidade do sexo, cada vez mais fácil e acessível, tudo à distância de um clique. Sexo que hoje passa também pela escolha à medida, numa clara uberização das relações humanas. Para tudo há aplicativos que facilitam o contacto, ou melhor a transação, pois desse modo todo e qualquer comportamento humano vira produto com serviços para venda que satisfaçam as necessidades da procura. E você, o que procura?

Tudo o que vem de novo é-nos apresentado, “vendido”, como uma via de facilitação da vida. Apesar disso nos consultórios de psicologia as pessoas cada vez mais se queixam das dificuldades, da vertigem do tempo que as precipita na perda de contacto consigo e com os outros. Queixam-se do vazio, falam de uma realidade rica em “experiências”, mas deserta em afetos amorosamente saudáveis. O mal-estar vai se instalando em surdina, até que o ruído do sintoma o torna impossível de não ser audível – escuta-me ou devoro-te.

Seja no trabalho, nas instituições ou na família, a aparência ganha terreno, não o que aparece, mas o que disfarça. Disfarça-se o cansaço, simula-se motivação, ensaia-se o contentamento. Cada vez mais as pessoas têm medo de se mostrarem humanas, de se apresentarem com as suas vulnerabilidades, com as suas fragilidades, com os seus erros e acertos, tudo tem que ser performativo e treinado para se mostrar do jeito que se quer, sempre de acordo com o ideal vigente. Um ideal que está bem distante, tão longe que distorce a humanidade que o aspira. Vai-se por ali, porque alguém disse que era por lá. Mostra-se o que não se é, dissimula-se a realidade, oculta-se a verdade.

A verdade com maiúscula revela-se na coerência de si para consigo, para com o outro, na relação sincera com o acontecer quotidiano. Como defende o Psicanalista António Muniz de Rezende ela consiste na correspondência ao real. Existe verdade quando aquilo que digo [e faço] corresponde à realidade do que se experimentou. Em verdade o acontecer experimenta-se autenticamente, vive-se como é, aí a vivência corre solta, sem máscaras.

Hoje tudo se procura não se sabe bem onde, deve estar em qualquer outro lugar que não este. Nunca aqui, nunca desta forma.

“Onde está o teu coração, está o teu tesouro”, diz-nos o preceito bíblico, uma verdade perene que ecoa há milénios, e assim é, o tesouro está aqui, aqui bem dentro, aqui bem fundo.

A verdade última terá a ver com a riqueza do íntimo, o vital humano incorrosível. Esta terá a ver com a Vida que nele pulsa e se manifesta, com o que é constante apesar da impermanência. Neste transcurso que é a existência humana, a transformação ocorre quando reconhecemos o rosto verdadeiro desta Vida que pulsa em cada um e cada uma. Aí, a vida de cada um vai além da forma das aparências para assumir a sua forma, aquela que revela a natureza genuína e autêntica daquilo que nos é próprio, singular e único. Trata-se de uma singularidade que se incluiu e sente participe de um todo maior que a engloba sem a anular. Este salto de consciência comove-nos as entranhas, nele compadecemos, não somos indiferentes. Nele somos tomados pela compaixão da relação iminentemente humana.


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