As Lendas e a Fertilidade
Património Cultural das rotas portuguesas a Santiago de Compostela
A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago
Capítulo II – Antes do Caminho de Santiago, o Caminho pré-cristão
Pelo mundo fora conhecemos milhares de peregrinações religiosas, que pontuam o andamento da fé e da cultura dos povos. Se na Europa as peregrinações a Fátima, Lourdes, Santiago são as mais citadas, noutras paragens encontramos transcendentais manifestações de superação espiritual e física como o Caminho de Shikoku ou Kumano Kodo, no Japão, a romagem muçulmana com destino a Meca (conhecida como a Haje), o caminho Inca a Machu Picchu ou ainda a peregrinação à Senhora da Aparecida, no Brasil.
Fotografia de Jim Anzalone | Aldeia de "O Cebreiro", serra dos Ancares. Antigo povoado celta, é a primeira localidade galega do Caminho Francês de Santiago
Peregrinar faz parte do ADN humano desde o princípio dos tempos, a partir do momento em que deixou para trás o berço, em África, até atingir os glaciares gelados da Patagónia. Não é de espantar, por isso, que desde o período neolítico, sobretudo a partir da Idade dos Metais, que as primeiras comunidades sedentárias humanas vissem a necessidade de peregrinarem, como forma de prestar tributo às divindades naturais, com destaque para os celtas, que de Hallstat (Áustria) se espalharam pelo velho continente, até chegarem ao fim da terra conhecida, ao fim do seu mundo e que os investigadores reconhecem hoje como o cabo a quem os romanos identificaram como “Finis Terrae”.
Fotografia de Compostela Virtual | Cabo Finisterra lugar de chegada de uma das mais antigas peregrinações. Atualmente é para muitos considerado, a par com Muxia, o km 0 do Caminho de Santiago
Manuel Alberro, no seu artigo “The celticisation of the Iberian Peninsula, a process that could have had parallels in other European regions”, publicado em 2003, alude à peregrinação a terras galegas como sendo de origem celta. Outros investigadores referem mesmo que a concha de vieira, o grande símbolo do Caminho de Santiago, terá sido originalmente utilizado pelos celtas, por jovens casais que peregrinavam para pedir aos deuses uma fertilidade profícua, utilizando a vieira, que encontravam nas costas galegas, como forma de provarem às suas famílias que peregrinaram até ao lugar onde o deus Sol se põe, por fim, ao final do dia, surgindo, não raras vezes uma iconografia simbólica da concha a representar o astro-rei, com as nervuras da vieira a retratarem os raios solares e a base da concha como o sol a pôr-se no horizonte.
Pelos mais variados tramos da rota jacobeia, desde a França até à Galiza encontramos vestígios celtas, com a presença de castros, construções habitacionais em forma circular e que ainda hoje visíveis na mítica povoação de O Cebreiro, no Caminho Francês, castro de Santa Tecla, no Caminho português da Costa ou o Monte Facho, em Finisterra. Este último com a particularidade de se terem encontrado vestígios de cultos num altar em honra ao sol, cuja origem se atribui à tribo celta dos Nerios, e que mais tarde os romanos identificaram como “Ara Solis”.
Fotografia de Dani Vázquez | Reconstituição de um Ara Solis romano, em A Coruña, Galiza
Uma outra lenda reforça ainda mais importância do Monte Facho no contexto das peregrinações até à costa que hoje conhecemos como da “Morte”, a da existência de uma “cadeira de pedra”, conhecida como o túmulo da deusa celta Orcabella (notabilizada por ter um apetite sexual insaciável), a que os casais estéreis acorriam com a esperança de se curarem. Mais tarde, o cristianismo transformaria a simbologia desse lugar, identificando-o como a “Pedra de S. Guilherme”. Ainda hoje é motivo de peregrinação para as gentes que desejam uma prole numerosa.
Fotografia de Amaianos | Ruinas da Ermida de S. Guilherme onde terá existido um altar ao sol, conhecido como o túmulo da deusa celta Orcabella.
Autor da imagem | Artur Filipe dos Santos
Iconografia simbólica da vieira a representar o astro-rei, com as nervuras da concha a retratarem os raios solares e a base da concha como o sol a pôr-se no horizonte.
Fotografia de capa | Lúcio de Lis
Lê toda a rubrica |
Capítulo I – Entre a história e a Tradição, um nome para a eternidade
Capítulo III – Fernando I de Leão, o primeiro peregrino do Caminho Português
Capítulo IV - Os Caminhos Portugueses a Santiago
Capítulo V – Rota do Património da Costa Atlântica Portuguesa
Capítulo VI – Da Capital do Gótico ao Reduto dos Templários
Capítulo VII – Tomar: O bastião Templário que salvou Portugal
Capítulo VIII – O Tesouro da Rainha Santa na cidade dos Estudantes
Capítulo IX – Em Santiago para Agradecer o Milagre das Rosas
Capítulo X – O Caminho na rota da Gastronomia
Capítulo XI - O Caminho passa pela Rua Colorida
Capítulo XII - O Caminho Ganha Nova Dimensão
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