Os Segredos do Último Adeus à Rainha
Os Segredos do Último Adeus à Rainha
Os Segredos do Último Adeus à Rainha

Os Segredos do Último Adeus à Rainha

Coroas, procissões, uma fila interminável, uma passagem de testemunho serena ao som das gaitas-de-foles. No funeral da Rainha Isabel II assistiu-se à típica pompa e circunstância, a tradições que se perdem na raiz do tempo, mas sobretudo a um autêntico e legítimo sentimento de orfandade por parte do povo britânico. Com a morte de “Lilibeth” o século XX ficou definitivamente para trás.

Durante dez dias a Grã-Bretanha e o mundo pararam para se despedir da última grande figura universal. Isabel II, a rainha que não era para o ser, tornou-se um verdadeiro ícone “brit” pop, com o país dos Beatles a lucrar milhões às custas da venda de canequinhas, bandeiras, canetas, porta-chaves com a efígie de “Sua Majestade”, mas também com as entradas nos palácios e castelos, com os turistas ávidos em conhecer os lugares onde a monarca escreveu a sua história, como Buckingham, Sandringham, Windsor ou Balmoral.

A magia do antigo Império Britânico manteve-se viva em filmes, documentários, séries históricas ou humorísticas, em que muitas vezes a rainha surge como personagem central. Películas como “The Queen”, vencedora do Óscar para melhor filme ou a premiadíssima série “The Crown” são exemplos de como a arte buscou eternizar a franzina “Lilibeth” (como era carinhosamente apelidada no seio da Família Real) que chegou a brilhar, pessoalmente, em “sketches”, entre outros, acompanhada da personagem James Bond (aquando dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012) ou com o urso Paddington, já este ano, por altura das comemorações do jubileu de platina.

Funeral da rainha Isabel II

Imagem de "The Times"

Para muitos “é a despedida que os grandes líderes inspiradores da Humanidade deveriam merecer”, para outros (sobretudo os não-britânicos) as cerimónias fúnebres de Isabel II foram uma enormidade em dias, mediatismo exacerbado, laivos de imperialismo retrógrado, imersas num cenário ultrapassado. Certo é que, no último adeus à soberana que mais tempo reinou na “velha Albion”, foram mais de 400 mil as pessoas que enfrentaram uma fila interminável, ziguezagueando pelo centro de Londres, numa extensão que ultrapassou os seis quilómetros, por mais de 13 horas, até ao palácio de Westminster, apenas para prestar um brevíssimo tributo à filha de Jorge VI e de Elizabeth Bows-Lyon, havendo até quem repetisse a dose; ao longo de 10 dias, mas sobretudo no dia do funeral, foram mais de quatro biliões os espetadores que assistiram às dezenas de cerimónias que se iam sucedendo, tornando-se a transmissão ao vivo mais vista de todos os tempos.

No ponto de vista da tradição e do “british way of doing things”, a despedida organizada pelas autoridades do Reino Unido foi, para além de uma enorme complexidade, uma antologia às melhores práticas diplomáticas (nunca na história houve uma concentração tão grande de chefes de Estado, líderes de governo ou de casas reais num só local ou momento), de protocolo e de cerimonial, que, apressadamente, vão perdendo espaço numa sociedade cada vez mais acelerada. A operação “London Bridge” (que há décadas vinha sendo preparada) foi executada de uma forma irrepreensível, um ano depois da morte do príncipe Philip, 20 anos depois da morte da Rainha-Mãe, 57 anos depois do último funeral de Estado que Londres assistiu, o de Winston Churchill.

Isabel II foi a “mais escocesa” das monarcas britânicas (a seguir a Jaime VI da Escócia e I do Reino Unido), neta do 14.º Conde de Strathmore e Kinghorne, títulos que faziam parte do pariato da nação dos “kilts”. Quis o destino que se despedisse da sua família e do mundo no seu castelo de Balmoral, nas Terras Altas, quase como se de um agradecimento se tratasse pelo carinho que os escoceses sempre lhe devotaram. Por essa razão, as cerimónias só poderiam ter início em Edimburgo, cidade da qual o seu marido foi duque. A urna, coberta pelo estandarte real da Escócia (quartelada com dois quartéis apresentando dois leões rampantes escarlates do reino mais setentrional das ilhas, e, nos restantes a lira irlandesa e os três leões passantes de Inglaterra), adornada com a mais antiga coroa das ilhas britânicas, datada de 1503, atravessou a mais emblemática das ruas da capital, a Royal Mile (que, para ser exato, é um conjunto de ruas), conectando o palácio de Holyrood à catedral de Saint Giles (e que se prolonga até ao castelo) e daí partiu para cidade banhada pelo Tamisa, onde milhares de súbditos a esperavam, inundado as ruas da cidade até ao Palácio de Buckingham.

Com o transporte do caixão (agora coberto com o estandarte real na sua versão inglesa, também quartelado, mas, agora, com dois quartéis adornados com os leões passantes e, nos complementares, o leão rampante escocês e a lira irlandesa) para o palácio de Westminster, a despedida ganhou uma outra dimensão, com contornos impressionantes e que culminaram com as cerimónias finais que teriam a abadia projetada por Eduardo Confessor como pano de fundo inicial e o castelo de Windsor como desfecho. E, se em Edimburgo, a coroa de Jaime V brilhava, agora é a “Imperial State Crown” (utilizada pela primeira vez quando, em 1838, a Rainha Vitória se tornou imperatriz da Índia) que brilha sobre o féretro de Isabel II.

Arrepiante e envolvente, de uma atmosfera ao mesmo tempo sóbria, imperial e solene, é desta forma que se pode descrever a última viagem da Soberana pelo centro histórico da cosmopolita Londres. No momento em que o sargento-mor - um dos Army Signallers responsável pelo compasso preciso do cortejo fúnebre, tal e qual o “Big Ben” - gritou “Funeral procession, by the centre, Slow March“, um cenário extraordinário e difícil de descrever tomou conta da metrópole, imersa em dor mas engalanada para se despedir de uma rainha que, na II Guerra Mundial, assumiu o papel de mecânica e motorista do exército. Um adeus com números impressionantes: quatro mil militares em parada (três mil em Londres, mil em Windsor); 200 intérpretes de gaitas-de-foles e tambores, as famosas bandas “massed pipes & drums”, formadas por regimentos escoceses e irlandeses (que, pelas ruas, entoaram alguns dos temas preferidos de Isabel II, com ênfase na composição “Mist Covered Mountains, que já havia sido interpretada no funeral da sua mãe), marcando o passo do cortejo; dezenas de batalhões do exército e da Força Aérea, tropas cerimoniais de lanceiros, onde não faltaram os não menos conhecidos guardas da Torre de Londres, os “beefeaters” (ou Yeoman of the Guard), e, num plano de destaque, os quase 100 elementos da Marinha Real que puxaram a centenária carruagem artilheira (datada de 1899) que transportou a esquife desde Westminster Hall até à abadia. Uma tradição que data do tempo da rainha Vitória e que demonstra o elo da Coroa com a “Royal Navy” desde que esta reinava os mares. A lenda refere que, no funeral da “Viúva de Windsor”, em 1901, o comboio que transportou a urna da capital inglesa para Windsor demorou tanto tempo que os cavalos, que deveriam puxar a carruagem de duas toneladas, assustaram-se com o frio que se fazia sentir no dia de 22 de janeiro, ameaçando virar o transporte, cabendo aos marinheiros salvar a procissão final rumo a Saint Georges Chapel, no interior do castelo.

Pipe Major Paul Burns, o gaiteiro pessoal da rainha

Imagem | Pipe Major Paul Burns, o gaiteiro pessoal da rainha, interpretou um último lamento A Salute to the Royal Fendersmith, ao mesmo tempo que a urna da monarca descia ao Royal Vault. (fonte: Yahoo News)

Uma outra tradição faz-nos recuar novamente à era vitoriana. A “Avó da Europa”, como era apelidada pelas principais casas reinantes do Velho Continente, um dia, em visita à Escócia, pela qual logo se apaixonou, ficou fascinada com o som da “Great Highland Bagpipe”, pelo que ordenou que, todos os dias, fosse acordada pelo som do potente aerofone. Coube a Angus Mackay o privilégio de se tornar o primeiro “Piper to the Sovereing” da rainha imperatriz. Isabel II continuou a tradição da sua tetravó. Se no ano anterior Isabel II se despediu de Philip Mountbatten ao som de “Flowers of the Forest”, coube ao seu gaiteiro privado, Pipe Major Paul Burns, do Royal Regiment of Scotland, entoar a despedida final que marcaria o término das cerimónias fúnebres daquela que foi, para muitos, a mais notável mulher do séc. XX, entoando um dos mais belos “lamentos” da tradição musical escocesa: A Salute to the Royal Fendersmith.


Marcha Funerária da Rainha ao som das gaitas de foles e tambores...


Fotografia de capa | Uma fila interminável que durou quatro dias, juntos mais de 200 mil pessoas num último tributo a Isabel II. Fonte: North Wales Pioneer.

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