Uma Arte de Cuidar
“Se a paz mundial é desejada, deve haver paz nas nações. Se quisermos a paz nas nações, deve haver paz nas cidades. Se quisermos a paz nas cidades, deve haver paz entre vizinhos. Se queres paz entre vizinhos, deve haver paz no lar. Se quisermos a paz em casa, deve haver paz no coração”.
Lao Tsé
O velho mestre taoista Lao Tsé na citação de entrada apresenta-nos explicitamente e sem margem para dúvidas, a força que une e que determina em reciprocidade todas as relações humanas, o cuidado, o cuidado pela paz. Não que a paz seja a ausência de conflito, mas a capacidade de não se deixar levar por ele. Para que desse modo o conflito possa ser uma fonte de aprendizagem e aproximação e não o seu contrário.
Não há como cuidar da Paz entre as nações sem cuidar das boas relações, dos bons tratos entre vizinhos, sem cuidar da paz no lar, sem cuidar da paz no coração do Homem. Só através do cuidado é que podemos vir a ser humanos, sem cuidado não nos desenvolvemos, não saberemos quem somos e andaremos perdidos de nós. Ser humano é ser cuidado. O cuidado é o fundamento ontológico do Homem, ele é fundante e fundamento da Humanidade em potência que todos nós somos.
No entanto é na família que tudo começa, é na família que a criança aprende as primeiras mensagens sobre si, sobre o outro e sobre o mundo em geral, não só por aquilo que o pai e a mãe dizem, mas também pela forma como se comportam nas variadas situações de vida. Já diz a velha máxima: “as crianças veem, as crianças fazem”. Todos os pais se oferecem como modelos emocionais, sejam eles mais saudáveis ou não.
Aquilo que hoje somos decorre dos modelos que observamos, que experimentamos e que vivemos. Existem bons e maus modelos. No entanto ao longo da vida podemos sempre aprender, podemos descobrir novos modelos, podemos sempre introjetar novos padrões de relação. Não uma relação qualquer, mas uma nova relação que permita ser, que deixe ser, e que nos devolva verdade e possibilidade. Uma relação mais sanígena, como defendia o saudoso mestre e psicanalista António Coimbra de Matos.
Podemos de algum modo nos reinventarmos, claro está, nunca isoladamente, mas em solidariedade recíproca, em conjunto, com um outro, em comunidade. Mesmo quando o passado teima em se repetir, ainda assim podemos mudar e transformar.
O que somos como pessoa, como pais ou mães pode ser uma contínua aprendizagem e uma renovada descoberta.
Como tão bem nos recorda Virgínia Satir: “família é um microcosmo do mundo. Para entender o mundo, podemos estudar a família: situações críticas como o poder, a intimidade, a autonomia, a confiança e a habilidade para a comunicação são partes vitais que fundamentam a nossa forma de viver o mundo. Assim para mudar o mundo temos que mudar a família”. A família é o microcosmo do mundo e o seu centro é o cuidado, só assim se pode desenvolver no sentido da saúde. Sem Cuidado, a Família perde o centro e descarrila.
Porque o Cuidado é o Centro, cumpre-nos recordar parte do seu mito.
"Uma vez, ao atravessar um rio, o 'Cuidado' viu terra argilosa. Pensativo, tomou um pedaço de barro e começou a moldá-lo, dando forma à criatura”.
Assim começa a fábula mito do cuidado, que chegou até nós através do filósofo e escravo egípcio Higino. Cuidado, a personagem do mito, foi aquele que deu forma à criatura que viria a chamar-se Homem. Chama-se Homem porque vem do Húmus – terra fértil, ficando o Cuidado incumbido de manter a criatura, o Homem, na sua posse. Cuidado foi aquele que ficou incumbido de cuidar do Homem enquanto este vivesse.
O que é isto nos revela?
Revela-nos que a essência do Homem é Cuidado, pois é este que lhe dá forma, e é pelo Cuidado que este o mantém humano, porque dele cuida. Sem cuidado não ganhamos rosto humano, sem cuidado não nos reconhecemos mutuamente.
Considerando esta relação por nós estabelecida entre cuidado, paz, e relações familiares, é importante ter em mente que em família cuidar é essencialmente ter disponibilidade, é garantir presença, é respeitar o espaço, é respeitar o lugar e a voz de cada membro da família, é cuidar e deixar-se cuidar.
Neste sentido é importante conhecer as necessidades de cada elemento da família. É importante procurar a necessidade por detrás da emoção que se expressa no quotidiano da relação familiar. E de entre as necessidades mais básicas é necessário não esquecer que todos temos a necessidade de sentir que: (1) possuímos valor; (2) Que temos um lugar; e que (3) as necessidades e a realidade que nos é própria são tidas em linha de conta.
Cuidemos a cada dia desta centelha de vida que nos habita, desta luz que transparece, para que deste modo possamos reconhecê-las, a vida e a luz, em cada um e cada uma. A cada ser humano, o que lhe é devido, a legítima possibilidade de ser e vir a ser, de ir e vir, de poder ter lugar, voz e vez em coexistência com todos os outros.
Sem lirismos, tudo isto só se torna potencialmente realizável se investirmos fortemente em educação para a paz, ou seja, em educação para uma sã convivência. Precisamos de uma nova Paideia, de uma nova Renascença, princípios, valores e horizontes onde todos de algum modo, apesar das diferenças, nos possamos reconhecer naquilo que de melhor temos em comum.
Sugestões de leitura |
Boff, L. (2017). Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Editora Vozes Limitada.
Coimbra de Matos, A. (2016). Nova relação. Lisboa: Climepsi.
Satir, V. (2005). Nuevas Relaciones Humanas En El Nucleo Familiar/The New Peoplemaking. Editorial Pax México.
Tse, L. (2011). Tao te ching. Mauad Editora.
Ver também |
Liberdades...
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Uma Paz que se Educa
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