Proximidade... Intimidade... Confiança
Na atualidade a distância instala-se. Instala-se entre pessoas que se deviam conhecer, na família, a qual deveria ser um espaço de encontro e crescimento. Instala-se nos locais de trabalho onde escasseiam os lugares de partilha e de aprendizagem comum, nas relações de amizade que carecem de trocas que cuidem e que expandam a consciência. As pessoas estão cada vez menos próximas, a intimidade intimida, e a confiança muitas vezes é um chão de vidro.
Toda a relação humana pede escuta, atenção, disponibilidade, pausa, palavra, reciprocidade, silêncio, acolhimento, encontro, amor, proximidade, verdade, o bem, o bom, o belo, um abraço.
Pede, mas nem sempre tem. Muitas vezes é ruído, ausência, indiferença, muralha, violência e desencontro. Toda a relação pede tempo, um tempo de qualidade, um tempo de vida.
Na atualidade o colapso de um número crescente de relacionamentos deve-se ao aumento do isolamento, ao medo da relação, à fobia da intimidade. Por vezes costumo perguntar às pessoas com quem trabalho: quantas pessoas novas conheceu nos últimos tempos além da sua esfera familiar e do circuito das amizades habitual? Aloja-se muito facilmente a “comodidade incómoda” do circuito fechado. Para algumas pessoas o espaço relacional está cada vez mais desértico.
Pensando neste cenário, o que falhou?
O que pode ter falhado remete-nos para os começos do desenvolvimento psicoafetivo. Começo onde regra geral se foi instalando uma falha básica que não permitiu o reconhecimento, a valorização e a troca mutuamente contingente, o dar-receber em reciprocidade. Um dar-receber que permitisse a impressão psíquica do sentimento de sentir que fomos e somos amados.
Sermos amados cria um espaço psicológico de segurança que nos ajuda a enfrentar e a superar as dificuldades e as vulnerabilidades e a partir daí consolidar a roda das relações humanas: dar-receber-pedir-recusar.
A vida relacional pede-nos profundidade e superfície, necessitamos de alternar entre estas duas dimensões. Na profundidade podemos tocar o íntimo de nossas vivências internas, podemos experimentar a intuição, podemos ser impulsionados por uma imaginação criativa e transformadora.
Na superfície vivemos a realidade concreta das “coisas da vida”, os afazeres, as exigências, contactamos com o acontecer do mundo, somos afetados por tudo o que nele ocorre e se apresenta. Podemos estar mais conscientes ou não, mas a realidade entra-nos adentro. E se por acaso não entra ou entra distorcida, adoecemos.
Quando existe uma harmonia entre a profundidade e a superfície da vida relacional, o acontecer do real, a experiência do mundo externo, é premiada pela riqueza e pelos recursos do mundo interno de cada um/a.
Quando assim é profundidade e superfície relacional apresentam-se como um só mundo, duas faces de um só rosto. Um só mundo porque inteiro e consolidado numa relação recíproca que se funda na bondade humana.
A proximidade permite-nos o anúncio do encontro, a possibilidade da intimidade num chão que se deseja de confiança. Em afetos trocados, tocamo-nos mutuamente.
O toque relacional permite-nos experimentar o contorno do ser, pelo toque sinto-me e dou forma à minha experiência do eu. A distância afasta-nos de um toque possível, fica um abismo entre pares. Gilles Lipovetsky descreveu a organização social dos dias de hoje como a “era do vazio”.
Na atualidade as relações são cada vez mais performáticas, simulacros de afetividades. Como refere Pedro Strech um movimento relacional de agradar e tocar, mas sem sentir, por isso raramente de envolver e conhecer. No entanto, acontece que o cultivo da intimidade passa por uma troca recíproca de nos deixarmos conhecer. Confiar, etimologicamente vem de fiar, fiança. Trata-se de algo que necessitamos de “tecer em conjunto”. Fiar em conjunto. Mas tal só se alcança por meio de um cuidado e atenção mútua.
A confiança resulta de um empenho e concordância entre o que se diz e o que se faz. Saber com o que se conta é o que nos permite manter numa relação genuína e sincera (“sem cera”). De algum modo a confiança tem a ver com a capacidade de prever o que posso esperar da parte do outro. Saber com o que espero. Não uma espera qualquer, mas uma espera que se consolidou na amorosidade do tecer relacional conjunto das relações humanas.
Como refere a minha colega e amiga, gestalt-terapeuta brasileira, Vanessa Brito: “as relações podem trazer notícias de um mundo novo”. Acontece é que muitos têm receio do que se anuncia, pois cada um vê e sente o futuro de acordo com o seu passado e presente. A temporalidade ganha a expressão própria da afetividade subjetiva de cada pessoa.
O quão estamos abertos ao novo que vem ou pode vir de uma relação genuinamente humana?
Sugestões de leitura |
• Appoloni, R. (2019). Despertar - Libertar – Crescer. Editora SELF.
• Lipovetsky, G. (1989). A Era do Vazio: Ensaio sobre o individualismo contemporâneo, trad. Miguel Serras Pereira e Ana Luísa Faria, 1ª Ed. (ed. original 1983), Lisboa: Relógio d’Água Editores.
• Strecht, P. (2022). Harmonia. Roteiro para um bem-estar emocional. Contraponto Editores.
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