Depressão: Uma Tristeza que se Instala...
Depressão: Uma Tristeza que se Instala...

Depressão: Uma Tristeza que se Instala...

...e que fica!

Sempre que a vida nos pede ou a nossa experiência e vivência do quotidiano assim o exigem, a tristeza é uma emoção que devemos aceitar e vivenciar livremente. É um direito, temos direito à tristeza como tão bem defendeu João dos Santos, o grande educador e psicanalista português.

A tristeza na sua benignidade ajuda a nos adaptarmos a uma perda significativa, como a morte de um ente querido ou um grande desapontamento. Por vezes ela provoca uma grande quebra de energia e perda do entusiasmo pela vida, aproximando-se da depressão, mas não é depressão.

Freud salienta que a tristeza executa um trabalho necessário, ou seja, permite que o indivíduo desvie os sentimentos ou a libido investida no objeto de amor perdido e os torne disponíveis para outras relações. Se a dor não for libertada pela tristeza a separação é incompleta e o ego permanece ligado ao objeto perdido e inibido na sua capacidade de estabelecer novas relações (Lowen, 1983).

Na tristeza a perda é concebida e aceite, na melancolia (aqui como depressão grave) ou é desconhecida ou não é admitida. A pessoa que se lamenta expressa a sua tristeza, chora, geme, fica com raiva da perda. Se isso não ocorrer, a dor acaba por ser reprimida para poder ser contida. Se não expressa o que sente e necessita, só recupera a saúde quando reivindica as suas partes reprimidas ou negadas.

A propósito da melancolia, como depressão grave, o psicanalista Widlöcher (2001) afirma tratar-se de um sentimento que impregna todo o mundo subjetivo da pessoa. É, portanto, uma tristeza vital – marcada pelo remorso e nostalgia perante recordações do passado, tédio e desinteresse em relação ao presente e apreensão em relação ao futuro, que se apresenta como uma constante ameaça.

No caso da depressão a representação de si mesmo encontra-se desvalorizada e marcada pelo sentimento de incapacidade e de recriminação. A anestesia afetiva também está presente e marca tanto a relação com os outros quanto o interesse pelo mundo.

Porque deprimimos?

A depressão é um constructo de diagnóstico complexo, o humor deprimido e perda de interesse são os seus principais sintomas. Widlocher (2001), descreve a síndroma depressiva caracterizando-a essencialmente por dois traços fundamentais, a tristeza e a lentificação psicomotora. Para além destes dois traços é importante referir mais dois, sentimentos de diminuição do valor pessoal: diminuição da autoestima, com sentimentos de insuficiência, vergonha, culpa, inferioridade, incapacidade; e a impregnação da relação com o mundo: que invade a forma de percecionar, comunicar, relacionar-se e agir, já que o indivíduo está direcionado para o passado (diferente do indivíduo ansioso que está direcionado para o futuro).

Na atualidade a depressão é a quarta doença mais cara em todo o mundo (Leite & Moreira, 2009). Para além do sofrimento emocional a depressão aumenta a vulnerabilidade a doenças físicas, sendo o primeiro fator de risco de cancro, ela prediz a incidência de doenças cardíacas com mortalidade acentuada e está associada à resistência e fraca adesão dos tratamentos, e aquilo a que se resiste persiste, defendia Carl Gustav Jung. Para além disso ela enfraquece a qualidade de vida e o funcionamento dos pacientes com doenças crónicas, assim como aumenta a procura de serviços de saúde (Ivandro, 2012).

Dados epidemiológicos apontam que a depressão afete aproximadamente 121 milhões de pessoas no mundo inteiro, sendo uma das principais causas de incapacidade (Ivandro, 2012). Mais de 150 milhões de pessoas em todo o mundo já sofreram uma depressão em algum período das suas vidas.

As perturbações depressivas são múltiplas e variadas, com diferentes fatores causais, embora a experiência psicológica seja muito similar. Desses fatores destacamos o abandono, culpa, inferioridade e a perda.

Abandono  “Ninguém gosta de mim”; depressões endógenas e neuróticas, entre outras;

Culpa  O sujeito acha que fez coisas erradas no seu passado ou não fez o que devia (orientação pelo princípio do dever). Nestes casos a culpa (patológica) aspira castigo, que muitas vezes é procurado no suicídio. (15% das pessoas com depressões psicóticas suicidam-se);

Inferioridade  Está associada à incapacidade, impotência que a pessoa sente perante as situações da vida;

Perda  Verifica-se mais nas depressões reativas.

Manifestações da Depressão

Afeto Tristeza, inibição do prazer (inibição do prazer – anedonia – incapacidade de sentir prazer); Humor deprimido;

Atividade ► Lentificação psicomotora;

Pensamento Pessimismo, desvalorização de si (baixa autoestima);

Comunicação  Isolamento;

Vitalidade  Diminuição das funções vegetativas.

Possíveis explicações da depressão

Há várias perspetivas teórico-práticas dentro da psicologia e da medicina que nos permitem compreender o funcionamento da depressão na vida de uma pessoa. As correntes são tão diversas como sejam a neurológica, a social, a comportamental, a psicanalítica, a fenomenológica-existencial, entre outras. No entanto apesar de diversas, não são necessariamente excludentes, uma vez que em cada perspetiva podemos encontrar pontes para diálogo, que nos ajudam a ampliar a sua compressão.

No campo neurológico, a depressão é um estado mental que resulta de alterações da concentração de neurotransmissores, nomeadamente a serotonina, a dopamina e a acetilcolina no sistema límbico (Modelo Neuro-químico). No âmbito da aprendizagem social também está associada a fatores de modelação, ou seja há identificação com figuras significativas deprimidas, existindo dentro desta corrente autores que falam mesmo num desespero aprendido.

No campo psicanalítico distingue-se a perda de objeto – luto – e a perda do amor do objeto – depressão. Neste último caso, a experiência de abandono e perda é afetiva – a agressividade devia voltar-se para o outro que abandona, mas volta-se para o próprio (deflexão da agressividade).

Na perspetiva fenomenológica-existencial o aspeto essencial (constante estrutural) da experiência de depressão, que é a vivência do tempo psicológico. A vivência de sucessão do tempo tem normalmente uma direção: vem do passado, passa pelo presente e vai para o futuro. Isto é a intencionalidade da consciência, na depressão, está invertida: vem do passado, passa pelo presente e volta para o passado.

Segundo esta perspetiva existe um desvio do projeto existencial. A não-existência de futuro implica a não-existência de um projeto existencial ou a repetição do passado no futuro.

Pelo exposto facilmente se denota que depressão é um tema múltiplo e suficientemente amplo, de modo que regressaremos a ele noutros artigos.

Cumpre-nos também lembrar a importância de procurar ajuda de um profissional em saúde mental sempre que a tristeza se exceda em intensidade, tempo, e grau de sofrimento, para que a tristeza não se instale e vire depressão.

Texto e Fotografia | Vítor Fragoso - Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

Sugestões de leitura |

Coimbra de Matos, A. (2014). A depressão. Climepsi Editores.
Ivandro, SM. (2012). Depressão: Porque é que uns deprimem e outros não? Climepsi Editores.
Leite, M. E., & Moreira, V. (2009). A contribuição de Tellenbach e Tatossian para uma compreensão fenomenológica da depressão. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 61(3), 46-56.
Lowen, A. (1983). O corpo em depressão (Vol. 19). Editorial Summus.
Widlöcher, D. (2001). As lógicas da depressão. Climepsi Editores.


Ver também | 
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