Santuário de Fátima volta a receber peregrinos
A Fé regressa em pessoa ao Altar do Mundo
Um ano depois a capelinha das Aparições volta a celebrar o 13 de maio com peregrinos apesar das limitações impostas pela pandemia.
Paulo Marques é motorista de autocarros de turismo. Habituado a conduzir a sua “Suzi” (nome carinhoso que atribuiu ao seu luxuoso “bólide” de 62 passageiros) para os mais diversos destinos pela Europa fora, nada o conforta mais do que levar grupos a Fátima. “Altar do Mundo”, identifica o profissional do volante com mais de 20 anos de experiência, mais de metade ao serviço da empresa de transportes Costa Ferreira, da Maia. Mas não se pense que o Paulo se limita a “conduzir” os passageiros peregrinos. Faz questão em participar das cerimónias religiosas no santuário, juntamente com os seus grupos, rogando a Nossa Senhora de Fátima que lhe dê saúde e guarde os seus familiares e amigos, e o ampare nas suas viagens para que regresse sempre são e salvo a sua casa em S. Mamede de Infesta, Matosinhos.
Paulo Marques e a sua "Suzi"
Foi com tristeza que o também eletricista nas horas vagas (quando as tem) abordou o tempo em que esteve parado por via do confinamento a que o país e o mundo estiveram votados, confessando que, antes da pandemia, “não havia um mês em que não transportasse grupos para Fátima, às vezes mais do que uma vez”, sublinha com um sorriso plasmado no rosto. Instado a refletir, Paulo admite que se viveram tempos difíceis e que, pessoalmente, lhe custou muito “estar longe do Santuário”.
Fátima é uma expressão de mistério e de fé, emanação dos dilemas que representam a vida humana, a profundidade de tocar a Criação, de descobrir a natureza do Divino.
Desde que, em 1917, três pastorinhos juraram a pés juntos terem avistado “uma luz mais branca do que a neve, com a forma de uma jovem”, Fátima, lugar do concelho de Ourém, no distrito de Santarém, se tornou um dos lugares mais venerados de todo o mundo, não só por católicos mais todos aqueles que desejam descobrir a energia diferente que se vive neste lugar, onde a memória de Lúcia dos Santos e os irmãos Francisco e Jacinta Marto perdura e a aparição da “Senhora mais brilhante do que o Sol” ainda ilumina o espírito de todos os que rumam à Cova de Iria.
João Paulo II foi um dos milhões de peregrinos que rumou a Fátima no 13 de maio. Alvo de atentado precisamente nesse mesmo dia do calendário anual, mas na praça de S. Pedro, em 1981, o Papa polaco sempre buscou refletir, no seu longo pontificado, sobre os mistérios de Fátima e de muitos outros locais de peregrinação espalhados pelo mundo (com especial destaque para Compostela, quando exultou, em 1982, a Europa a regressar ao Caminho de Santiago). Na encíclica "Fides et Ratio", redigida em 1998, o João Paulo II escreveu: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva à contemplação da verdade”.
Se é verdade que os fiéis como Paulo Marques ansiavam pelo regresso ao “altar do Mundo”, a razão obriga os muitos milhares de peregrinos a reduzirem-se a poucos milhares, neste que é o primeiro dos cinco dias do ano em que se celebram outras tantas aparições marianas.
Mesmo assim, uma evolução, um “milagre” diriam muitos, depois de um ano atípico (como foram 1918, 1919 e 1920, os anos da Gripe Espanhola) em que o Santuário guardou, num silêncio solitário, as preces de todos os crentes que sentem Fátima, mesmo que à distância, o farol da sua fé.
Autor | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património Cultural, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.
Fotografia de capa | Lhc Coutinho