A Sé Catedral do Porto: o Primeiro Bispo e o Primeiro Padroeiro
A Sé Catedral do Porto: o Primeiro Bispo e o Primeiro Padroeiro

A Sé Catedral do Porto: o Primeiro Bispo e o Primeiro Padroeiro

Património Cultural das rotas portuguesas a Santiago de Compostela

A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago

A Sé Catedral do Porto é um fabuloso livro de arquitetura. Já na baixa Idade Média, o peregrino que alcançasse o majestoso pórtico deste cenóbio, depois de ter quebrado as costas e dilacerado ainda mais os pés com a subida, desde a ribeira até ao alto do morro de Penaventosa (onde a partir do séc. XII foi erguida a atual catedral) pelas íngremes ruas dos Mercadores, da Bainharia, virando, à direita, para a rua de Sant’Ana, fletindo de seguida para a esquerda, adentrando na travessa com o mesmo nome, antes do arco que representava a porta da antiga cerca velha que rodeava a Sé, seguindo em direção à rua de Penaventosa, continuando à direita pela rua das Aldas (uma das mais antigas artérias da cidade), até alcançar o terreiro de onde hoje se avista a igreja do Colégio jesuítico de S. Lourenço, mais conhecida como a igreja dos Grilos (deve esta alcunha pelo facto dos padres jesuítas usarem uma batina cortada a meio, fazendo lembrar as asas de um grilo) até alcançar o casario virado para a fachada principal do altar maior do Porto.

Se hoje podemos assistir a uma profusão de estilos, desde o românico ao gótico, do maneirista ao barroco, o peregrino medieval deparar-se-ia com um templo mais parecido com um castelo com duas torres ameadas do que um lugar de culto, numa imagem em tudo semelhante às catedrais de Coimbra ou de Lisboa.

Sé do Porto

Antes de entrar, tempo para contemplar a fachada virada a poente, encontrando os contrafortes que sustentam a pesada parede que, naquela época, ainda não conhecia a portentosa rosácea que agora ostenta. Mas ficaria a reconhecer marcas indeléveis dos pergaminhos que o burgo daquele tempo guardava ao encontrar no “rosto” principal da Sé três marcas curiosas: à esquerda uma estrela de David, que simbolizava que na cidade existia uma comunidade judaica que residia numa judiaria espacialmente delimitada, mesmo junto à Sé; do mesmo lado da fachada, o desenho de um barco, uma “coca” germânica, ícone de que o Porto era já naquela época, um forte entreposto comercial com os países do norte e centro da Europa; e, finalmente, duas unidades de medida de comprimento, que provavam que existia uma feira na cidade, e que nessa feira se vendiam tecidos e que, no caso de um freguês não acreditar que o vendedor mediu corretamente o tecido comprado, utilizaria essas medidas para desmascarar o falsário e assim levá-lo à presença de uma pesada justiça.

Ao transpor a sagrada porta, o peregrino avista um templo austero de três naves e, ao fundo a capela-mor, onde a partir do séc. XVII um retábulo barroco iria transformar definitivamente o aspeto românico da cabeceira da catedral e onde nele ficará guardada a imagem escultórica de S. Basileu, que terá sido um dos discípulos de Santiago, ordenado por este como o primeiro bispo do Porto. A tradição conta ainda que a primeira sede episcopal terá sido edificada onde hoje encontramos a igreja de S. Pedro de Miragaia, junto ao rio Douro.

Se o tempo o permitisse o peregrino partiria à descoberta, sempre com a oração como objetivo cimeiro, das capelas da Sé, com destaque para a capela do Santíssimo Sacramento (à esquerda do altar-mor), junto do qual se encontra o famoso altar de prata que, por pouco, não foi saqueado pelas tropas napoleónicas e, também, a imagem de Nossa Senhora da Vandoma, atual padroeira da cidade, escultura trazida por cruzados da cidade de Vandôme, na França. à direita, a capela de S. Pedro, onde encontramos outra icónica imagem mariana, a de Nossa Senhora da Silva, com a lenda a contar que a escultura terá sido encontrada por cristãos no meio de um silvado, na altura em que decorria uma batalha com os muçulmanos de Almançor, outros documentos relatam que esta terá sido encontrada quando o conde galego Vímara Peres tomou conta da cidade, por volta de 841, aproveitando a fuga dos seguidores de Maomé. Vale a pena dar a volta ao claustro novo da Sé e descobrir as capelas de S. João Evangelista e a de S. Vicente. Esta última é muito especial. Guarda, supostamente, relíquias do atual padroeiro de Lisboa.

No entanto, a história vai muito para além das poucas relíquias sacras que lá se encontram e que dá lugar a uma das muitas lendas que conferem ao Porto uma aura especial: a tradição diz que, quando D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos mouros, em outubro de 1147, terá, antes, prometido trasladar os restos mortais de S. Vicente de Saragoça, que se encontravam numa ermida junto ao cabo de Sagres, na ponta oeste do Algarve, naquele período em mãos muçulmanas. Mas, sabendo da necessidade de purificar as relíquias entretanto extraídas de mãos infiéis, era necessário sagrá-las no epicentro da fé cristã em Portugal, precisamente a Sé de Braga, reduto do Arcebispo-Primaz das Espanhas. Supostamente os restos do santo condenado ao martírio pelo imperador Diocleciano (por se recusar a realizar sacrifícios aos deuses pagãos) terão viajado para norte e aportado na velha “Portus Cale”. Quis o destino que, no momento em que a junta de bois que puxavam o carro que transportava as relíquias se preparava para seguir viagem para Braga, pela antiga via romana XVI, estes, teimosos, se decidiram por antes rumar à Sé Catedral do Porto, entrando pórtico adentro. Por essa razão, a história conta mas não prova, o Porto conheceu como seu primeiro padroeiro, aquele que hoje é o santo patrono de Lisboa.

Uma das muitas histórias que o peregrino irá tomar contacto antes de voltar ao caminho, rumo ao Minho e daí à Galiza.


Fotografia de capa ► Terreiro da Sé Catedral do Porto, foto obtida a partir do Paço Episcopal. Na imagem pode-se encontrar o pelourinho da cidade, uma reconstituição do séc. XX do pelourinho original, destruído durante as guerras liberais. (autor: Artur Filipe dos Santos).
Fotografias |
1 ► Fachada lateral da igreja dos Grilos, com a típica seta do Caminho de Santiago.
2 ► Do miradouro das Aldas podemos contemplar a fachada da Igreja dos Grilos, em cujo museu senonctra uma belíssima escultura de S. José trajado com vestes peregrinas jacobeias.
3 ► Retábulo do Altar-Mor da Sé do Porto, onde se encontra, à direita, a imagem de S. Basileu, ordenado por Santiago como o primeiro bispo de Portus Cale. (Fonte: "Béria L. Rodríguez @ Wikimedia Commons")

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