Em Santiago para Agradecer o Milagre das Rosas

Em Santiago para Agradecer o Milagre das Rosas

Património Cultural das rotas portuguesas a Santiago de Compostela

A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago

Capítulo IX – Pelo Caminho Central, de Lisboa ao Porto tanto património para descobrir – Parte 5

Coimbra é uma das cidades mais antigas de Portugal. Apesar de utilizarmos o gentílico conimbricense para identificar os habitantes, a realidade é que a origem desta cidade banhada pelo Mondego é independente da antiga cidade de Conímbriga. Também sob o jugo romano Emínio cresceu em influência relegando o burgo mais a sul para um plano secundário, tornando-se sede de diocese.

Aquando da invasão árabe Coimbra tornou-se um entreposto comercial fundamental entre o norte cristão e o sul muçulmano, restando ainda hoje vestígios do domínio dos seguidores de Maomé por estas paragens, como por exemplo o Arco de Almedina, porta de entrada para o bairro mourisco.

No séc. IX o proeminente nobre da corte do rei asture Afonso III O Grande, de seu nome Hermenegildo Guterres funda o Condado de Coimbra que mais tarde cairia nas mãos do caudilho Almançor, o terrível general mouro que ficaria célebre por roubar os sinos da catedral de Santiago e por arrasar as cidades do Porto, Braga, Guimarães e Compostela.

E é por esta época que nos surge uma das grandes figuras que guardaria para sempre na história o Caminho Português de Santiago: Fernando I de Leão, cognominado O Magno. Movido pela vontade em derrotar Almançor e assim conquistar Coimbra, o monarca peregrina a Compostela a 20 de janeiro de 1064 para pedir o apoio divino do patrono das Espanhas.

A 9 de julho desse ano Fernando I, após seis meses de intenso cerco, quebra as defesas da cidade e inflige a primeira derrota a Almançor. Vitorioso, o rei cristão ruma desde a futura primeira capital de Portugal até ao túmulo do Apóstolo Santo, tornando-se assim o primeiro peregrino da história do Caminho Português de Santiago. A marcar a devoção que as gentes da cidade votariam ao Apóstolo encontramos a Igreja de Santiago, um cenóbio de origem românica, erguida a partir do séc. XII, a meio caminho entre o largo da Portagem e o Mosteiro de Santa Cruz.

Com Afonso Henriques (que viria a conhecer a sua última morada precisamente na cidade dos Estudantes), Coimbra tornar-se-ia sede do Condado Portucalense em detrimento de Guimarães, ascendendo à dignidade de capital do novo reino cristão peninsular a partir de 1140 e até 1255, quando a coroa muda-se de armas e bagagens para Lisboa.

E se a história de Fernando Magno inaugura a relação de Coimbra com o Caminho, é com a esposa de D. Dinis O Lavrador ou também cognominado de Rei Trovador (neto do mais erudito monarca europeu da Idade Média, Afonso X  O Sábio, autor das célebres Cantigas de Santa Maria), que a rota jacobeia portuguesa ganha relevo transcendental.

Isabel, filha de Pedro III de Aragão e Constância da Sicília casa-se com D. Dinis (por procuração) em 1281, consumando a boda real a 26 de junho de 1282. A 15 de outubro desse mesmo ano entraria em Coimbra para se tornar parte da história da cidade, graças ao célebre “milagre das rosas”. 

A lenda conta que Isabel, conhecida pela sua caridade para com os mais desfavorecidos, terá saído do Paço da Alcáçova (hoje edifício integrante da Universidade de Coimbra) para distribuir pão pelos pobres. Surpreendida por D. Dinis, que não era grande adepto de gestos de bondade para com o povo, terá questionado a rainha sobre o que transportava no seu regaço. “São rosas senhor”, ter-lhe-á respondido a futura padroeira da cidade. “Rosas em Janeiro?” terá contestado o marido, exigindo que mostrasse o verdadeiro conteúdo que se escondia nas saias do vestido da rainha. Ao abrir o regaço, em vez de surgirem os pães que a rainha tanto ansiava em distribuir começaram a cair rosas para o chão, para espanto de el-rei.

Esta é uma das lendas mais fortes da cultura oral portuguesa e, ao que parece, tradição de família, já que a sua tia, Isabel da Hungria, teria protagonizado milagre semelhante, anos antes.

Certo é que a rainha logo se tornou alvo de veneração por parte do povo da cidade e do reino e, quando D. Dinis morreu, decidiu peregrinar a Compostela em 1325, montada num burro, realizando a última etapa, rezam as crónicas, a pé. Chegada às portas da catedral de Santiago, é recebida por Berenguel de Landoira, a quem entrega a sua coroa. Em troca, o arcebispo oferece a Isabel um bordão em forma de tau, peça de madeira e prata que ainda hoje se conserva na sala do Tesouro da Rainha Santa, no Museu Nacional de Machado de Castro, na cidade dos fados e guitarradas académicas.

Algumas crónicas defendem que antes de se recolher no mosteiro de Santa Clara-a-Velha, junto à margem sul do Mondego, terá peregrinado uma segunda vez a Santiago, desta feita em completo segredo.

Isabel morreria vítima da peste, no ano de 1339, a 4 de julho, dia em que se celebra o dia litúrgico da Rainha Santa Isabel, canonizada pelo papa Urbano VIII, em 1625.

Padroeira da cidade de Coimbra, o seu túmulo encontra-se no mosteiro de Santa Clara-a-Nova, paredes-meias com o albergue de peregrinos da cidade, na parte alta da urbe. Foi seu último desejo ser enterrada com as vestes de clarissa e de peregrina de Santiago. A tampa que ainda hoje fecha a urna que guarda os seus restos mortais, encontra-se decorada com conchas de vieira, conservando ainda uma réplica do bordão que a Rainha Santa recebeu em Compostela aquando da sua primeira peregrinação no Caminho Português de Santiago.

É hora de voltar à rota jacobeia, o Porto já não tarda.


Fotografia de capa | Daniel Arrhakis

Lê toda a rubrica  | 
Capítulo I – Entre a história e a Tradição, um nome para a eternidade
Capítulo II – Antes do Caminho de Santiago, o Caminho pré-cristão
Capítulo III – Fernando I de Leão, o primeiro peregrino do Caminho Português
Capítulo IV - Os Caminhos Portugueses a Santiago
Capítulo V – Rota do Património da Costa Atlântica Portuguesa
Capítulo VI – Da Capital do Gótico ao Reduto dos Templários
Capítulo VII – Tomar: O bastião Templário que salvou Portugal
Capítulo VIII – O Tesouro da Rainha Santa na cidade dos Estudantes
Capítulo X – O Caminho na rota da Gastronomia
Capítulo XI - O Caminho passa pela Rua Colorida
Capítulo XII - O Caminho Ganha Nova Dimensão
Blog do Autor

Gostou do texto? Deixe abaixo a sua reação... smiley