Amorosidade nas Relações Humanas
Sobre o signo de EROS: para uma maior amorosidade nas relações humanas...
“Não renuncies nunca a amar, apesar dos desgostos e da aridez do coração”.
Sabedoria Ameríndia
O Homem necessita metamorfosear-se para que novos elementos, novos aspetos e aptidões da sua personalidade possam nascer. Somos esta mudança ambulante, necessitamos de adaptação e capacidade de aprender a aprender as mudanças que a vida, que as relações humanas e que a época histórica nos exigem.
Como já referimos anteriormente, noutros artigos, toda a relação humana pede escuta, atenção, disponibilidade, pausa, palavra, reciprocidade, silêncio, acolhimento, encontro, amor, proximidade, verdade, o bem, o bom e o belo. Pede, mas nem sempre tem. Muitas vezes é ruído, ausência, indiferença, muralha, violência e desencontro.
Na atualidade os desencontros e descompasso nas relações humanas são imensos, com o aumento das tensões e da conflitualidade que daí decorrem. Desde sempre quisemos nos compreender na trama da vida e no enredo das emoções e dos afetos que as relações humanas acarretam.
O enigma e os mistérios da essência e da existência humana sempre nos inquietaram despertando espantos, curiosidades e tentativas de compreensão da vida e comportamento humano. No campo das emoções e da afetividade, possibilidades infinitas se apresentavam e hoje ainda assim continuam. Apesar de todo o pretenso saber acumulado ao longo dos tempos, é-nos útil preservar a máxima de que pouco ou nada sabemos, e assim, humildemente continuarmos a trilhar a senda deste saber-sabor que é uma tentativa de compreensão da vivência daquilo que é a realidade da vida e a sua humanidade.
No campo das emoções, e a título de exemplo da intuição da complexidade que é este mundo da experiência íntima e relacional do humano, os egípcios antigos tinham um único hieróglifo para a palavra amor-ódio, era a pessoa que depois dava a interpretação que desejava, conforme o conteúdo, o contexto e as relações implicadas.
Isto revela a natureza paradoxal e desafiante do sentir afetivo humano, tão profundamente compreendido pelos antigos. O amor é um produto da convivência, da admiração, do pensar sobre o outro, de sentir a ausência de maneira calma, e não em desespero. O Amor só é possível pelo encontro das diferenças, pela conjugação em algo novo que esse encontro quando aberto e cuidado proporciona. Só podemos amar o que nos permitimos vir a sentir e conhecer.
Os paradoxos do Amor vêm de tempos imemoriais, veja-se o quanto a antiguidade é rica em narrativas míticas sobre o Amor e seus mistérios. Os mitos ao contrário de serem considerados elementos deturpados e morbidamente fantasiosos, fazem parte dos recursos primordiais da nossa psique para tentar compor os afetos experimentados num sentido coerente e maior.
O pensamento mítico articula-se com o pensamento mágico, com o filosófico e o científico. Ele faz parte do arcabouço que a humanidade possui para se conhecer e integrar a experiência da vida e de se sentir vivo e em relação com o mistério que é a relação com o mundo, consigo e com o outro.
Na tradição greco-romana Afrodite-Vénus é a deusa do amor sob todas as formas. Ela personifica tanto as paixões carnais desenfreadas assim como o amor nobre, idílico, imortalizado pelos trovadores provençais. Pela sua beleza extrema e delicada, a maior entre todas as deusas e mortais, ela personifica a graça, a ternura, a estética, o charme, o bom gosto e os pequenos prazeres da vida. Representa também os cuidados com a aparência, o que não deve ser confundido com vaidade, que se associa ao exagero.
Pela atração irresistível, Afrodite-Vénus personifica a arte da sedução, a sensualidade por excelência. Na qualidade de deusa das paixões, ela também representa, a incapacidade de lidar com os impulsos sexuais. Por ser uma deusa com personalidade dual, ela personifica ao mesmo tempo a existência ou a ausência de moral, assim como o senso de atribuição de valor, ou a sua ausência. Se há o excesso, existe também a moderação.
Portanto, do mesmo modo que Afrodite-Vénus tem em si a faculdade de se deixar levar pelos excessos do prazer, ela também tem em si as chaves de como gerir, e modo a dirigi-los rumo a um amor verdadeiro. Esta Virtude que permite moderar os apetites e as paixões chama-se Temperança. Eis a razão de Vénus personificar a Temperança, pois tem em si os extremos que podem ser equilibrados.
Outra figura mítica associada aos amores e desamores é a Ninfa Eco, a ninfa que se perde de amores por Narciso. Simbolicamente todas estas narrativas são riquíssimas para percebermos os padrões de relacionamento na atualidade. Os gregos da antiguidade clássica foram geniais ao captar a riqueza e diversidade da profundidade da psique humana, deixando dessa forma o seu legado, tesouro que nos permite dialogar com o seu saber a partir das necessidades de hoje. Saibamos estabelecer este diálogo transdisciplinar, e os nossos modos de compreensão e a atuação sobre o humano sairão mais enriquecidos.
Mas regressemos à ninfa Eco. Eco foi personagem principal de numerosas lendas e narrativas míticas que tinham por objetivo explicar a origem do eco. Eco era uma ninfa, reconhecida pelo seu encanto, juventude e beleza, que vivia nas montanhas e nas grutas. Foi uma das ninfas que a deusa Hera acompanhou quando esta se casou com Zeus. Eco tinha a tarefa de distrair a atenção de Hera, esposa de Zeus, o casal primordial da última geração dos deuses olímpicos, com conversas e cantos, sempre que Zeus se ausentava nas suas aventuras amorosas com deusas e mortais.
Quando Hera descobriu a artimanha, castigou Eco, retirando-lhe a voz e fazendo-a repetir sempre a última sílaba das palavras que eram faladas na sua presença. A ninfa Eco ficou conhecida como "aquela que não sabe falar em primeiro lugar, que não pode calar-se quando se fala com ela, que repete apenas os últimos sons da voz que lhe chega" (Ovídio, em Metamorfoses). Pouco tempo depois, Eco apaixonou-se por Narciso, mas impossibilitada de lhe confessar o seu amor e ignorada por ele, refugiou-se nas cavernas, onde morreu de desgosto e onde ainda hoje se consegue ouvir o eco da sua voz. Quanto a Narciso, este foi castigado pelos deuses por ter recusado Eco. Condenado a apaixonar-se pela sua própria imagem, Narciso morreu a olhar para o rosto refletido nas águas de um lago.
Eco e Narciso traduzem bem o Amor desencontrado entre o par amoroso que se fecha de algum modo sobre si, impossibilitando dessa forma uma verdadeira relação dialogante e recíproca. Amores narcisos e doentes que se fecham e que apenas ouvem o eco das suas necessidades confundidas em projeções e transferências relacionais que retornam em reflexo para si, sem transformação genuína, porque carentes do verdadeiro encontro humano, porque ausentes de reconhecimento mútuo de uma afetividade e emocionalidade partilhada de um e de outro (EU e TU). De um EU e de um TU que pode vir a ser um NÓS, sem nó, porque em laço é reciprocamente amoroso.
É preciso amar o amor e desenvolver a capacidade de guardar e partilhar aquilo que nos faz bem e eleva em humanidade. Relembramos Virgínia Satir um dos expoentes dentro das terapias sistémicas e familiares que defendia que as pessoas que vivem e experimentam a amorosidade da humanidade estão dispostas a correr riscos, a serem criativas, a competir e a mudar quando a situação assim o exige. Elas sempre encontram meios para se adaptarem às coisas novas e distintas, conservando a parte útil da sua “antiga personalidade” e deixando de lado o que não serve. Experimentam sentimentos amorosos, alegres, autênticos, criativos, produtivos e responsáveis, estas pessoas podem valer-se de si mesmas, amar com profundidade e lutar justa e eficazmente. São capazes de encontrar bons fins com os seus traços de ternura e rudeza, e conhecem, no essencial a especificidade de cada sentimento.
Fotografia de capa | Diana e Cupido. Metropolitan Museum of Art.
Sugestões de Leitura |
• Campbell, J. (2016). En Busca de La Felicidad: Mitologia y transformación personal. Kairós.
• Campbell, J. (2020). O Poder dos Mitos. Lua de Papel.
• Commelin, P. (2020). Mitologia: grega e romana. Esfera dos Livros.
• Diel. P. (1991). O Simbolismo na Mitologia Grega. Attar.
• Eliade, M. (1981). Aspectos do Mito. Edições 70.
• Hamilton, E. (1983). A Mitologia. Publicações Dom Quixote.
• Lamas, M. (2000). Mitologia Geral Vol. I. Editorial Estampa.
• Satir, V. (2006). Vivir Para Amar: Un Encuentro Con Los Tesoros De Tu Mundo Interior. Editorial Pax México.
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