Encontros com a Paz

Encontros com a Paz

Como referi em artigo anterior, falar de paz é subversivo. Hoje cada vez mais. Quando no íntimo do humano, o discurso e a ação transbordam nas diversas violências presentes no quotidiano vivido, o que resulta é o aumento do senso de desnorte, de desesperança, de desilusão. 

Ouve-se cada vez mais: “sempre foi assim...” — a história da humanidade atesta o desvio, o conflito, a oposição e o embate. Um senso que aumenta a quase certeza de que tais sentimentos parecem omnipresentes. Embora, ao contrário do que nos dizem, nem sempre tenha sido assim, daí as reminiscências de uma primitiva idade de ouro,  memórias passadas de tempos distantes, é certo, mas historicamente confirmadas. Trata-se de memórias epidérmicas que não resultam apenas de imaginação mítica (ainda que válida) nem de desejos inconscientes. Sim, chegaram a existir tempos áureos em que a humanidade conviveu em concórdia e harmonia. 

No entanto, a atualidade é totalmente contrária, é paralisante, o que aumenta a possibilidade de se generalizar a instalação do desânimo. Quando tal acontece — para quê lutar? Por quem lutar? 

Mais do que o medo, hoje a desilusão é uma “arma” usada para aturdir as “massas humanas” e torná-las dormentes. Estamos deprimidos e parece que há quem se alegre com isso.

A apatia e consequente desvitalização do ser humano  está cada  vez mais presente no “desfiar de penas que choramos”, no entanto ela reflete precisamente a consequência do sentido perverso e invertido, daquele que deveria ser o sentido real do vivo, nomeadamente  a preservação de cuidado para com a vida, para com qualquer vida. No  ser humano, o cuidado essencial reflete-se na crescente tomada de consciência para com a fonte viva que nele habita e que o une a todos os sistemas vivos.

Quem não se reconhece na fonte, não se cuida, não cuida. Sem reconhecimento só pode existir “fuga” e, em consequência, as águas vivas não nos vitalizam, esvaiem-se. 

Para contrariar tal estado, perante uma imagem que circulou na Internet, talvez fruto do cenário de um desejo de outro alguém,  a saber, uma menina judia de mão dada com um menino palestino, muçulmano, ambos radiantes e alegremente felizes, a sua esperança deteve-me. Perante tal mensagem idílica, mas possível, senti-me inspirado pela palavra, e brotou do meu íntimo uma vontade de traduzir o que vi como possibilidade tendo essa imagem como pano de fundo.

Como resultado desse impacto, brotaram estes possíveis que se traduziram nas palavras que se seguem. Para melhor visualização do leitor, tenha aquela imagem em mente, duas crianças alegremente tocadas pela sua amizade, apesar dos sinais externos de uma origem étnica, religiosa e nacional conflitante. 

Vamos ao texto, tal como me saiu: 

São apenas duas crianças, apenas isso. E é apenas isso que devemos ser, crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos — humanos, plurais, diversos, Vivos.  Devemos "simplesmente" criar condições para podermos vir a ser verdadeiramente humanos. 
Tudo o resto são roupas que quando nos confundem impedem-nos de ser corpo inteiro. Quando nos confundimos com a roupa, somos do partido, somos do clube, somos da religião, somos da nação. Somos isso tudo, mas não somos livres. Quando somos as roupas e não o corpo, somos mais facilmente manipulados por quem vende as roupas, e nos divide entre aquela que é a nossa e a dos outros.
O nosso destino é vir a ser humano diverso, plural, singular, individual e coletivo sem confundir a roupa. O nosso destino é ser cidadão planetário, onde apenas o planeta é pátria e é mátria. Ambos filhos de um destino que tem de ser necessariamente comum.


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