Esperançar: Continuar Apesar de Tudo

Esperançar: Continuar Apesar de Tudo

Vivemos tempos estranhos, sombrios e carentes de luz, tudo é veloz e as vidas realmente exemplares pela sua humanidade de serviço têm pouco tempo de antena e escassa publicidade: o grotesco, o violento, e a imbecilidade ganham audiências crescentes. Vivemos tempos críticos de alienação, pela estupidificação e automatização dos comportamentos, hoje mais do que nunca, se repete, sem pensar porque se o faz. No entanto, em contramão do comum, hoje trago-vos à leitura uma vida exemplar, Albert Schweitzer.

Na contemporaneidade o valor maior é o imediatismo, o agora, o que está na moda, e seus derivados. Modismos cada vez mais ausentes de valor e significados mais elevados. Na velocidade de uma vida que corre em vertigem tendemos a esquecer o legado de humanismo, passado e presente que transportamos, e quando olhamos para trás por vezes fica-se com a sensação de que o testamento e testemunho que herdamos pouco ou nenhuma ligação têm com a atualidade. A nossa geração é cada vez mais uma geração desligada, ligada ao digital, mas desligada do contacto, da carne, do toque, do afeto, da história viva e vivificante.

Esquecer e desvalorizar o passado é pura ratoeira, sem história, não há presente, sem presente não há futuro. A história também é uma fonte viva, um manancial de horizontes, ela é antes de mais uma história do futuro, porque relembra, situa e aponta para além do imediato, desvela possibilidades.

Por estes motivos é importante lembrar e recordar Albert Schweitzer. Schweitzer (Kaysersberg, 14 de janeiro de 1875 Lambaréné, 4 de setembro de 1965) foi um teólogo, músico, filósofo e médico alemão, nascido na Alsácia, então parte do Império Alemão (atualmente uma região administrativa francesa).

Formou-se em teologia e filosofia na Universidade de Estrasburgo, onde, em 1901, o nomearam docente. Tornou-se também um dos melhores intérpretes de Bach e uma autoridade na construção de órgãos de tubos.

Aos trinta anos gozava de uma posição invejável: trabalhava numa das mais notáveis universidades europeias, tinha uma grande reputação como músico e prestígio como pastor da sua Igreja cristã protestante.

Porém, isto não era suficiente para uma alma sempre pronta para o serviço e para a dádiva à humanidade. Orientou a sua atenção para os africanos das colónias francesas da altura, que numa total orfandade de cuidados e assistência médica, debatiam-se pela vida na dura vida que levavam na selva.

Em 1905 iniciou o curso de medicina e seis anos mais tarde, já formado, casou-se e decidiu partir para Lambaréné no Gabão onde existia uma missão que necessitava de médicos. Lá chegado ao deparar-se com a falta de recursos iniciais, improvisou um consultório num antigo galinheiro e atendeu seus pacientes enfrentando obstáculos como: o clima hostil, a falta de higiene, o idioma que não entendia, a carência de medicamente e instrumentação médica e de saúde insuficiente.

Era uma grande alma, feito de valores elevados e resistentes às adversidades da vida. Podemos testemunhar a sua perseverança por uma vida idealmente mais humana quando afirma: “crescei em vossos ideais de forma a que a vida não possa privar-vos deles”.

Tratava mais de 40 doentes por dia e paralelamente ao serviço médico, ensinava o Evangelho numa linguagem apropriada e adaptada à realidade vivida, dando exemplos que tirava da natureza sobre a necessidade de agirem em benefício do próximo.

Com o início da I Grande Guerra os Schweitzers foram levados para a França como prisioneiros de guerra. Passaram praticamente todo o período da guerra, confinados num campo de concentração. Nesse período, Albert escreve sobre a decadência das civilizações.

Com o final da guerra, retoma seus trabalhos e, ante a visão de um mundo desmoronado, declara:

“Começaremos novamente. Devemos dirigir nosso olhar para a humanidade”

Albert Schweitzer

O seu destino estava bem definido, olhar e cuidar da humanidade. Era de uma firmeza de princípios incrível, e perante a realidade que lhe era dada a viver, mostra-se perseverante, realista e otimista, e quando lhe perguntam sobre o seu modo de atuar e de agir, responde:

“a quem me pergunta se sou pessimista ou otimista, respondo que o meu conhecimento é de pessimista, mas a minha vontade e a minha esperança são de um otimista”.

Foi médico, administrador, arquiteto, ambientalista e humanista tudo ao mesmo tempo. Acabou por construir o primeiro hospital na selva africana e que ainda hoje existe e aí está para que o testemunhemos e nos inspiremos. A situação financeira do hospital nunca foi estável, por isso era obrigado a angariar fundos e dádivas. Schweitzer viajava muito, à procura de benfeitores e mecenas.

No dia 23 de abril de 1957, Schweitzer lançou via a Rádio Oslo um “apelo à humanidade” contra as armas nucleares. Pois o mundo tornou-se perigoso de mais, afirmava: “os homens aprenderam a dominar a natureza antes de se dominarem a si mesmos”.

Quando esteve preso no campo de concentração, e se questionava como continuar, se valia a pena continuar, ele escolheu prosseguir o seu trabalho, sem perder de vista o sentido e propósito da sua vida. Era um homem esperançoso, continuava apesar de tudo. Cuidou e acolheu quem precisava e a obra fez-se. Realizou o primeiro hospital no meio da selva africana.

Do ponto de vista psicológico é importante termos em conta que a esperança é um bálsamo, um alento no caminho da vida, pois transporta amor, confiança e saúde.

A esperança é aqui entendida como ato, ela é um ato, um caminho, mais do que uma espera. Desenvolve-se dentro de nós através da consolidação de uma confiança básica, que cresce desde cedo quando o ambiente e as pessoas respondem às nossas necessidades. Ela serve para que perante uma queda na vida, não nos deixemos cair definitivamente (porque sentimos e depois sabemos que temos amparo).

Por vezes, também ele vacilou e sentiu que a luz no seu caminho se ia apagando, mas havia sempre alguém que lhe soprava as brasas para que ela se mantivesse acesa: “algumas vezes nossa luz apaga-se, mas é soprada em chamas por outro ser humano. Cada um de nós deve o mais profundo agradecimento aos que reavivaram esta luz”.

Voltemos à esperança, pois é esse o nosso caminho, o caminho de uma humanidade melhor, mais saudável e maior em respeito por si e por tudo o quanto vive.

Se a esperança falasse o que nos diria?

Escutemos:

“Sou uma presença que pode ficar, permanecer, mas dependo de ti para me colocares em movimento. Não sou uma ideia vaga. Eu, a esperança, não sou uma fantasia ilusória. Eu sou os pés que caminham, eu sou o chão que pisas (…) eu sou parte de uns pés adultos (porque maduros, determinados e firmes). Eu não me canso de esperançar. Eu sou um verbo a conjugar.” (Amaral,2020).

O psicólogo e terapeuta familiar Alexandre Coimbra Amaral, defende que em situações de crise uma das formas comuns de reação é o desanimar o movimento do corpo rumo ao futuro, ou seja, entrar em desânimo (com pouca vitalidade, com pouco animo).

A crise deixa o corpo mais rígido, menos criativo e mais alerta. Quanto mais nova e desafiadora é a experiência mais tempo pode durar esse parêntese, esse intervalo de confiança no futuro. Prossegue a esperança: “a partir daí, eu viro desesperança.

E continua: “Eu sou movimento, não sou uma ideia. Eu sou um caminho, que se faz caminhando. Eu não sou a linha de chegada daquele que sempre espera. Eu sou o trajeto da dúvida, eu sou a companhia da imperfeição, eu sou a sombra produtiva da hesitação. Eu não sou perfeita, nem habitante cativa do teu futuro” (Amaral,2020).

Lembra-te: “vais precisar de te mexer para me resgatares. Mas estou por aqui, sempre ao alcance dos teus braços. Não sou crença. Eu sou um caminho. Eu sou suor. Eu sou tropeço. Eu sou vitória. Eu sou tudo o que a vida pode oferecer como promessa de futuro, desde que seja vivida no que de mais real tem o presente. Eu sou a peregrinação da tua alma rumo ao que tu queres da vida. Agora despeço-me, pedindo-te que jamais esqueças que metade de mim és tu. E a outra metade, também. Porque eu sou movimento” (Amaral,2020).

Para finalizar, e retornando Albert Schweitzer, fruto da sua entrega e exemplo de humanidade, em 1952 acabou por ser galardoado com o prémio Nobel da Paz.

Cuidemos.


Sugestões de leitura |
Amaral, A.C. (2020). Cartas de um terapeuta para seus momentos de crise. Paidós.
Hagedorn, H. (1975). O Profeta das Selvas: vida e obra de Albert Schweitzer. Fundação Alvorada.
Schweitzer, A. (1995). Albert Schweitzer por ele mesmo. Martin Claret.

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