Berço de heróis universais e anónimos
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Berço de heróis universais e anónimos

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas!

É uma das datas mais importantes do calendário nacional. A 10 de junho, data em que se assinala o aniversário da morte do escritor Luís Vaz de Camões, da diáspora portuguesa e do Anjo de Portugal, celebramos os heróis da história universal, mas também todos aqueles, que, de forma anónima, ajudaram a construir um país que, pelas melhores razões, está nas bocas do mundo.

D. Isabel tem dois filhos. Acorda, todos os dias úteis, às seis e meia da manhã. Demora sensivelmente 17 minutos a acordar os dois filhos, um de 12 e uma rapariga de 7. Vestir e não vestir, preparar-lhes o pequeno-almoço, arrumar o que falta nas mochilas, fecha a porta de casa já transpõe das sete. O autocarro passa a 150 metros do prédio, em que a mãe, divorciada, habita com os seus filhos há já mais de 14 anos, e não tarda. 
Está cheio, mas com um aperto aqui e acolá ainda cabem. 

Às 8h 20 chegam finalmente à paragem da escola. Os filhos, já focados em contarem o fim de semana aos amigos, despedem-se apressadamente da mãe, com a promessa de o filho mais velho levar a mais pequena “direitinho” até ao portão acabado de pintar da escola primária.

Isabel, funcionária da Junta de Freguesia, chega ofegante (como todos os dias úteis) ao seu local de trabalho. Sabe que a sua vida não é fácil, espera-lhe uma “jorna” intensa até às 17h, com uma pausa apressada para almoço, mas é uma daquelas funcionárias que dá gosto conhecer, sempre com um sorriso pronto para nos saudar. É uma heroína a D. Isabel.

Personagem fictícia que poderia muito bem não ser, é destes heróis e heroínas anónimas que Portugal sempre se fez, apesar de não figurarem na memória histórica, ao lado de nomes como Afonso Henriques, a Rainha Santa Isabel, São Nuno Álvares Pereira, a Padeira de Aljubarrota, Infante D. Henrique ou D. Pedro IV. Não são escritores como Gil Vicente, Camões, Fernando Pessoa ou Saramago, não são atletas como Carlos Lopes, Rosa Mota, Eusébio ou Ronaldo, não são artistas como Grão Vasco, Josefa de Óbidos, Machado de Castro, Guilhermina Suggia ou Henrique Medina e também não são pensadores como o Padre António Vieira, Agostinho da Silva ou Eduardo Lourenço. Não são, mas é a Isabel, o António, a Maria, o José, a Leonor e o Manuel que fazem o país andar, é para eles e para todos os portugueses que se encontram espalhados pelo mundo que se comemora, ano após ano, a data de 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.  

Os livros dizem-nos que esta data fica marcada pela morte, em 1579 ou 1580, do épico escritor de “Os Lusíadas”.

Elevado a categoria de poeta nacional, 10 de junho cedo se tornou como o dia para celebrar a portugalidade e a sua imagem no mundo, a sua cultura difundida pelos quatro cantos do globo, ao mesmo tempo que outras evocações, de caráter religioso, se iam acercando da mesma data, como a do Anjo Custódio de Portugal, que, apesar de se festejar, já desde o reinado de D. Manuel I, no terceiro domingo de julho, passaria, a partir de 1952, por ordem do Papa Pio XII, a comemorar-se também em igual dia de junho.

Antes de servir como arma de propaganda do Estado Novo, 10 de junho viu “a luz do dia” 300 anos após a morte do trágico escritor, quando D. Luís I assinalou, em 1880, o “Dia da Festa Nacional” em memória do vulto das letras portuguesas.

Mas é na vigência de Salazar que a data mais ganha relevo, fruto do esforço preconício do regime em exaltar as qualidades nacionais e o que de mais puro a cultura lusa poderia promover, ao ponto de batizar as comemorações como o “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”, apregoado aos sete ventos pelo então Presidente do Conselho na inauguração do Estádio do Jamor, em 1944.

Fruto do início da guerra colonial, em 1963, esta data passou a ser também conhecida como o Dia das Forças Armadas. E assim foi até à Revolução dos Cravos, com a democracia a transformar a comemoração para a versão que temos hoje: Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.

Todos os anos, uma cidade portuguesa recebe o presidente da República para as cerimónias oficiais. Depois da “pausa” forçada pela pandemia, cabe ao Funchal receber, em 2021, os mais altos dignitários da nação. Aí, na “Pérola do Atlântico”, a Isabel, o Manuel, a Maria, o António, a Leonor e o José vão assistir às paradas militares, assistir (apenas na televisão) à entrega das medalhas das ordens honoríficas às distintas personalidades, sem esquecerem nunca, que, no seu anonimato de cidadão comum, asseguram o futuro de uma nação que continua a destacar-se pela sua hospitalidade, as suas paisagens, cultura, património, gastronomia, no desporto, na investigação e em tantas outras áreas, geração após geração.

Autor | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património pela Universidade de Vigo, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.

Fotografia de capa | Dennis Trevisan

Fotografias da Inauguração do Estádio do Jamor | Biblioteca de Arte / Art Library Fundação Calouste Gulbenkian

Estádio Nacional, Lisboa, Portugal
Inauguração do estádio.

Localização | Vale do Jamor.

Arquiteto responsável | Miguel Jacobetty Rosa.

Fotógrafo | Estúdio Horácio Novais (1930-1980).

Data de produção da fotografia original | 10/06/1944.

Fotografia | Largo Luís de Camões -  Antoine Joub