Luís Filipe Sarmento: O Olhar que fala!
Luís Filipe Sarmento: O Olhar que fala!
Luís Filipe Sarmento: O Olhar que fala!

Luís Filipe Sarmento: O Olhar que fala!

Observador e senhor de um humor peculiar! Quando o conheci, na primeira exposição de Jú Pinto Bandeira — Recortes —, de imediato transpareceu-me uma certa altivez, mas no decorrer da conversa percebi que aquela postura era uma capa que o resguardava de uma timidez assim camuflada. Trocadas as primeiras palavras, rapidamente, revela uma personalidade forte, intensa e de grande generosidade para com os seus amigos. Falo de Luís Filipe Sarmento, escritor e poeta português, nascido em Lisboa, em 1956. Luís estudou filosofia, desde tenra idade demonstrou grande apetência para as letras e predileção pela cultura.

Para conhecer mais sobre o escritor tomei a liberdade de fazer algumas perguntas ao seu amigo de infância, José Pinto Bandeira, que se prontificou de imediato a conversar comigo. José, embora seja natural da mesma zona de Lisboa do que Luís Filipe Sarmento: “só nos conhecemos aos 13 anos no Liceu Padre António Vieira. Foi uma amizade profunda que se mantém até hoje”, sublinha.

José Pinto Bandeira sempre esteve ligado à cultura como espetador, por relações familiares e de amizade, contudo o seu percurso profissional seguiu um caminho diferente: “fui administrador e diretor de empresas. Agora reformado, trabalhei durante 40 anos ligado à informática e à consultoria”, explica. Todavia, a cultura continua na sua vida, seja pela nova aventura de Jú Pinto Bandeira, a sua esposa, que se lançou no mundo das artes (ver aqui), seja pela sua longa amizade com o escritor Luís Filipe Sarmento.

Luís Filipe Sarmento e José Pinto Bandeira

Fotografias | esq. José Pinto Bandeira. dir. Luís Filipe Sarmento e José Pinto Bandeira.

Como amigo de infância do Luís Filipe Sarmento, como vê a evolução do Luís ao longo dos anos?

Cresceu muito culturalmente e intelectualmente, amadureceu, ganhou experiência e Mundo, trabalhou e especialmente estudou muito, O fundo do seu ser mantém-se muito idêntico. Amigo do seu amigo.

Uma coisa vos garanto os sonhos de menino mantém-se no brilho dos seus olhos.

O Luís sempre mostrou apetência para o mundo das letras?

Sim, sempre. Partilhámos cinema, música e tertúlias que com os mais velhos muito aprendemos. Na minha casa, em 1970/71 escreveu o seu primeiro livro — “Nuvens” — que imprimimos em "stencil" e vendíamos a amigos e conhecidos."

Qual foi a reação de quem leu esse primeiro livro?

A reação foi de uma forma geral muito positiva. Embora todos soubessem do desejo e do gosto que o Luís sempre teve pelos livros e pela literatura – lembro que aos 15 anos éramos conhecidos em todos os alfarrabistas de Lisboa, onde gastávamos o pouco dinheiro que tínhamos – não deixou de ser com algum espanto o resultado daquele seu primeiro trabalho.

Marcou-o profundamente o comentário feito pela minha mãe, licenciada em Românicas, profundamente exigente e com grande cultura literária que lhe disse na altura:

“Continua porque um dia serás um grande poeta e escritor”

Isabel Maria*1

Rapidamente iniciou a escrita em jornais, revistas e foi assistente de realização em cinema e televisão. A partir daí aprimorou a sua escrita poética e o romance tornando-se o escritor que hoje é.

Reconhecido com inúmeros prémios internacionais e com uma ampla obra publicada, falta, no entanto, o reconhecimento pelas entidades literárias do nosso país. Já o merecia há muito e tarda em chegar.

Recorda alguma situação caricata nestes anos de amizade?

Como devem imaginar em mais de 50 anos de amizade as situações caricatas foram muitas. É difícil escolher apenas uma. Uma coisa vos posso garantir, sempre que estamos juntos “a vida acontece”.

Uma situação concreta, todas as noites, após bebermos café, dávamos grandes passeios a pé em que discutíamos variadíssimas questões. Uma noite discutíamos quando cairia o regime, sendo que estávamos de acordo de que não faltaria muito tempo: eram 22h30 do dia 24 de abril de 1974.

Foi importante ter a reflexão do Luís Filipe Sarmento sobre as obras da Jú?

A escolha do Luís Filipe Sarmento foi uma escolha evidente. Não só aceitou de imediato como me transmitiu que se sentiria magoado se não fosse convidado para este desafio. Trata-se de um escritor brilhante com uma amizade, a ambos, com mais de 50 anos.


Leia o texto na integra...

Colagens do Eterno Feminino de Jú Pinto Bandeira — Texto de Luís Filipe Sarmento

Quadros de Jú Pinto Bandeira

"Somos feitos de fragmentos, de instantes, de recortes que a memória guarda ou censura nos seus subterrâneos; e todos estes retalhos constituem o mosaico da existência de cada um; não somos o que fomos, mas somos o resultado do que fomos em cada momento, em cada episódio, em cada notícia da consciência. 

É, partindo deste princípio, que Jú Pinto Bandeira se entende nesse diálogo de várias linguagens semióticas entre simbologias do passado e do presente, orientando e reorientado leituras várias sobre o ser feminino, homenageando-o, sem descurar na sua técnica de collage, o peso ideológico no processo de transformação do mundo que a mulher, com as suas idiossincrasias e os seus mistérios, imprimiu nos últimos 150 anos no seu universo relacional e dialógico. 

Cada uma destas collages vem delinear, como afirma Croce, a história de um momento: o momento criativo a partir de outros inúmeros instantes plasmados nos seus suportes tradicionais, sejam eles jornais, revistas ou fotografias pessoais, criando assim, uma leitura estética definitiva, propondo uma reflexão no presente a partir de recortes do passado. 

Da arbitrariedade da técnica não me atrevo a falar até porque a artista não esconde, neste seu processo de criação, que faz, desfaz e refaz o seu edifício plástico, recorrendo a imagens previamente manipuladas às quais lhe atribui um novo valor estético e ideológico. 

Para quem acompanhou a Jú Pinto Bandeira nesta viagem, que nasce da aventura onírica, testemunhou que a artista percorreu o caminho do erro para, como sublinha Croce, encontrar a sua verdade que encerra, desde logo, o seu estilo, ou seja, a sua linguagem. E esta afirmação da sua verdade contém em si um longo processo de luta no qual revela o seu labirinto espiritual num tempo inflacionado de informação e contradição cujo corpo estético a Jú Pinto Bandeira expõe como objecto artístico. 

Esta experiência de conhecimento sensível, a percepção, mas também do afecto em si, expõem-na ao perigo consciente de reconstruir linguagens a partir de outras cuja tradução é o resultado estético do seu trabalho a partir de uma minuciosa observação da história que relê e converte num objecto de múltiplas leituras, tantas quantos os olhares que pelas suas obras deslizarão, dando assim corpo ao mistério da interpretação de cada observador."

Luís Filipe Sarmento
Março/2022 


Algumas das obras de Luís Filipe Sarmento 

Livros de Luís Filipe Sarmento

A Idade do Fogo, 1975;
Trilogia da Noite, 1978;
Orquestras & Coreografias, 1987;
Galeria de um Sonho Intranquilo, 1988
Fragmentos de Uma Conversa de Quarto, 1989;
A Intimidade do Sono, 1998;
Crónica da Vida Social dos Ocultistas, narrativa, 2000, 2007, 2015;
Gramática das Constelações, 2012;
40 Poemas 40 Pinturas (c/Luís Vieira Baptista), 2015;
Ao Rubro (reúne toda a sua obra poética de 1975 a 2020), 2020.


Fotografia de capa | autoria: José Lorvão
*1 ► Isabel Maria Ducla Soares Mouzinho de Almeida (1925-2001), Licenciada em Românicas, esteve sempre ligada ao mundo das artes através do seu tio Coronel Pereira Coelho.

Mais Histórias de Vida |
Jú Transforma Papel Velho em Arte
Gilberto Gaspar: “A Vocação e Maldição são Dádivas do Ser” 
Rodrigo Serrão: "Que a tua Musa te Leve Longe"

Gostou da entrevista? Deixe abaixo a sua reação... smiley