Património Cultural das Rotas Portuguesas a Santiago de Compostela
Património Cultural das Rotas Portuguesas a Santiago de Compostela
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Património Cultural das Rotas Portuguesas a Santiago de Compostela
Património Cultural das Rotas Portuguesas a Santiago de Compostela

Património Cultural das Rotas Portuguesas a Santiago de Compostela

A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago

Os Caminhos de Santiago são uma das rotas de peregrinação religiosa e cultural mais importantes do mundo. Há mais de mil anos que gentes de toda a Europa rumam até à Galiza para venerar as relíquias do Apóstolo Santiago, que, segundo a tradição jacobeia, se encontram na magnífica catedral de Santiago de Compostela.
Em 2021 celebra-se o ano Santo Compostelano, conhecido também como o ano Xacobeo.

Ano Jacobeo - Peregrino a Caminhar

Nos próximos meses, dedicarei, todas as semanas, uma crónica sobre a história por detrás da tradição e o património cultural dos vários caminhos portugueses a Santiago de Compostela, com principal enfoque para o Caminho Central, que nos levará de Lisboa à capital galega, textos esses que mais tarde serão compilados num livro que há muito promete ser publicado.

Embarque comigo e com a Draft World Magazine pelos Caminhos de Santiago e descubra o fascínio que leva, atualmente, peregrinos de todas as nações, credos e culturas, a percorrerem centenas de quilómetros até Compostela.
E Bom Caminho!

Capítulo I – Entre a história e a Tradição, um nome para a eternidade

Jacob, Iacobus, Yagus, Tiago

A tradição fala-nos de Jacob, filho de Zebedeu e Salomé, irmão de João, nascido na cidade de Betsaida, na Galileia, a escassos quilómetros de Cafarnaum.
Quando se tornou homem, acompanhou o pai e o irmão nas lides da pesca, no Mar da Galileia. Aí conheceu Simão Pedro e André. Juntos haveriam de ser os primeiros apóstolos a seguir os ensinamentos de Jesus.

James Jacob Peregrino

Conhecido como um dos três preferidos do Messias (juntamente com Pedro e o seu irmão João), Tiago, conhecido como o Maior (de forma a distingui-lo de Tiago, irmão de Jesus, apelidado o Justo) esteve com Jesus em alguns dos episódios mais importante do seu ministério, como os episódios da Transfiguração, a ressurreição da filha do chefe da sinagoga de Cafarnaum, Jairo, e ainda durante a chamada Agonia do Senhor, no monte das Oliveiras, antes da prisão de Cristo. Boanerges ou “filho do Trovão”, lhe chamou o Salvador, pelo seu caráter intempestivo.

A Bíblia refere ainda que Santiago terá estado presente na terceira aparição de Jesus, após a ressurreição, junto às margens do lago Tiberíades.
Após lhes oferecer o dom das falas, Jesus ordena aos seus discípulos que se espalhem pelos quatro cantos do mundo, outorgando a Santiago a tarefa de evangelizar a Hispania, conhecido por muitos como o fim da terra, para lá dos Pilares de Hércules.

Aí, na província mais ocidental do império romano, começou por desembarcar num pequeno ilhote ao largo da atual província de Cádis, consagrando um antigo templo do semideus dos Doze Trabalhos a S. Pedro. Desde então esse ilhote ficou conhecido como Sancti Petri.

Sancti Petri

Ainda no campo da tradição, as crónicas não são unânimes quanto às peripécias seguintes da evangelização de Santiago em terras iberas. Uns referem que terá prosseguido pela Bética, a sul, em direção à costa ocidental atlântica, enquanto outros defendem que ter-se-á dirigido a Tarraco, havendo ainda uma terceira versão que refere a possibilidade do Apóstolo ter chegado à atual Cartagena e daí até Cesaraugusta.

Na que é hoje conhecida como a cidade de Saragoça, Santiago terá recebido a visita de Nossa Senhora, que lhe apareceu sobre um pilar de jaspe, introduzindo desta forma na Hispania o importante culto mariano à Virgem do Pilar, que, com forte relação cultural e religiosa, se venera na capital da comunidade autónoma de Aragão.

Pelo caminho terá convencido outros a aderirem aos preceitos de Jesus. Mais tarde seriam conhecidos como os Sete Varões Apostólicos: Eufrasio, Cecilio Indalecio, Hesiquio, Segundo, Tesifonte e Torcuato (ou Torcato, santo de enorme veneração no norte de Portugal). Após a morte do mestre, terão viajado a Roma para serem ordenados bispos por S. Pedro.

Mas a tradição (pois muito pouco a história pode provar) fala-nos de outros discípulos que se encantaram pelas lições de Santiago: Pedro de Rates e Basílio. O primeiro, martirizado no momento em que celebrava uma missa, tornou-se no fundador da diocese de Braga, o segundo terá estado na origem da diocese portucalense.

E finalmente dois outros discípulos, aqueles que ficariam com o seu mestre até ao fim, mesmo depois de Nossa Senhora, em nova aparição, desta feita em Muxia, junto à costa galega, a poucos quilómetros de Finisterra, ter ordenado o regresso de Santiago a Jerusalém. Teodoro e Atanásio eram os seus nomes. Lá na Judeia, no ano 40 da nossa era, o filho de Zebedeu tornar-se-ia no primeiro apóstolo martirizado, às mãos de Heródes Agripa, por decapitação, com o seu corpo lançado aos cães. Antes que as feras devorassem a carne, Teodoro e Atanásio recolhem o corpo e colocam-no numa barca que, por intervenção divina, logra sulcar o Mar Mediterrâneo e, já na costa galega, subir pela desembocadura do um rio e alcançar a cidade de Iria Flavia.

Aí, os discípulos terão amarrado a barca a uma antiga ara votiva romana em honra a Neptuno. É essa pedra que estará na origem do atual nome dessa localidade, porventura uma das mais importantes da rota jacobeia portuguesa: Padrón, cidade banhada pelo rio Sar.

Mais uma vez a lenda suplanta a história. Os escritos da Idade Média falam de uma rainha pagã, de seu nome Lupa, como a personagem que concederá a Santiago e seus discípulos (depois de lhes oferecer uma parelha de touros bravos e de os mandar para a cova de um dragão) uma última e condigna morada, um mausoléu no meio de um cemitério romano que, depois de abandonado e consumido pela vegetação ao longo dos séculos, se tornaria no bosque Libredón, lugar onde a tradição aponta como o local onde se encontra hoje a catedral de Santiago de Compostela.

O Breviarium Apostolorum, documento latino do séc. VI ou VII (e que terá sido uma tradução de um texto ainda mais antigo, escrito em grego) e a narrativa de monges eruditos, como Beda o Venerável ou o beato de Liébana, reforçam, ao longo da Alta Idade, a tradição da predicação do “Apóstolo Santo” na Hispania, concebendo uma legitimidade ao Caminho de Santiago, a partir de relatos em que os factos históricos se aproximam mais da crença do que da verdade, conferindo uma aura mística típica de uma lenda, mas que encontra sempre um fundo de verdade.

A descoberta da tumba sagrada

O centro histórico de Santiago de Compostela é um lugar fervilhante de gente. Pelas ruas do “casco” antigo turistas, peregrinos, estudantes e santiagueños atropelam-se numa azáfama diária, cada um na sua missão. Parece difícil imaginar, mas há 1200 anos, onde hoje contemplamos a catedral, os mosteiros de San Payo de Antealtares e San Martiño Pinario, a Praça do Obradoiro, o Pazo de Raxoi ou o Hostal dos Reyes Catolicos, tudo não passava de vegetação densa, provavelmente povoada por animais do bosque, que escondiam um lugar mágico e misterioso, como todas as histórias que povoam o imaginário galego e jacobeu. Ali, no meio do bosque Libredón, que cobria por inteiro os vestígios de um antigo aquartelamento militar e um campus stellae (expressão que os romanos usavam para identificar os seus cemitérios), um eremita de San Fiz de Solovio, de seu nome Paio, alertado por umas estranhas luzes no céu, encontrou, por volta da década de 20 ou 30 do séc. IX, os vestígios de um antigo mausoléu.

Espantado (ou atemorizado) com intrigante achado, Paio (ou Pelayo) dirigiu-se a Iria Flavia, sede bispado à época, para anunciar a Teodomiro (cuja urna sepulcral, encontrada em 1955, se conserva no interior da catedral compostelana) a sua descoberta. 

Tombo do Bispo

O bispo quis, como S. Tomé, ver para crer. Após cruzar o denso bosque, clérigo e ermita terão finalmente alcançado uma pequena clareira. Lá se encontrava o mausoléu. Entrando no mesmo, encontraram três túmulos, o central feito, diz a lenda, de mármore. O bispo, conhecedor da tradição do apostolado de Santiago em terras iberas, não tem dúvidas: é a arcis marmaricis descrita no Breviarium Apostolorum, o lugar da última morada do Apóstolo e dos seus dois discípulos, Teodoro e Atanásio. Descoberta transcendental, pensou logo o bispo de Iria Flavia, sobretudo porque naquela época os cristãos empreendiam um esforço de reconquista face ao jugo islâmico que assolava a península desde o séc. VIII. Al-Andaluz, chamavam ao seu reino os emires e, mais tarde, os califas de Córdova.

Sem demora, Teodomiro solicitou audiência a Afonso II das Astúrias. Apelidado de O Casto, tinha, há pouco tempo, mudado a capital do único reino cristão da península que sobreviveu à razia dos seguidores de Maomé, de Cangas de Onis para Oviedo. Aí, motivado pelos relatos do prelado, movido de uma fé inabalável (e pelo facto de tal notícia significar a oportunidade de convencer Carlos Magno e os seus cavaleiros a acorrerem ao seu chamado para fazer frente aos “infiéis”), cavalgou até ao mausoléu, empreendendo aquela que é conhecida, por todos os estudam e amam a tradição jacobeia, como a primeira peregrinação ao túmulo do Apóstolo Santiago, percorrendo o primeiro de muitos dos caminhos que agora se conhecem até Santiago de Compostela: o Caminho Primitivo.

 

*1 Fonte | Vallenajerilla

Lê toda a rubrica  | 
Capítulo II – Antes do Caminho de Santiago, o Caminho pré-cristão
Capítulo III – Fernando I de Leão, o primeiro peregrino do Caminho Português
Capítulo IV - Os Caminhos Portugueses a Santiago
Capítulo V – Rota do Património da Costa Atlântica Portuguesa
Capítulo VI – Da Capital do Gótico ao Reduto dos Templários
Capítulo VII – Tomar: O bastião Templário que salvou Portugal
Capítulo VIII – O Tesouro da Rainha Santa na cidade dos Estudantes
Capítulo IX – Em Santiago para Agradecer o Milagre das Rosas
Capítulo X – O Caminho na rota da Gastronomia
Capítulo XI - O Caminho passa pela Rua Colorida
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