Viagem Medieval: A Rota do Românico
 Viagem Medieval: A Rota do Românico

Viagem Medieval: A Rota do Românico

Música e Património edificado na promoção da História

É uma das rotas culturais mais conhecidas de Portugal e uma das mais prestigiadas em todo o mundo, pelo esforço realizado na reabilitação das igrejas românicas do norte do país. Fruto do esforço da Associação de Municípios do Vale do Sousa, a Rota do Românico divulga também o passado cultural literário e musical, realizando sessões de poesia e música medieval em muitas das igrejas e mosteiros que fazem parte de uma rota composta atualmente por 58 monumentos.

Não é difícil viajar no tempo. Não é preciso uma máquina futurista, muito menos uma cabine telefónica da polícia inglesa (alusão à série de ficção científica britânica “Dr. Who”) para realizar um périplo pelo tempo e o espaço. A literatura, a música - e em tempos mais contemporâneos - a fotografia e o vídeo já nos permitem essa viagem, sem o transtorno de nos colocarmos em perigo, nem de alterarmos irremediavelmente o rumo da linha temporal, ao darmos de frente com um possível tetra-tetra-tetravô.

Que dizer da viagem a outras eras que empreendemos quando adentramos num mosteiro do séc. XIII, uma ermida dos inícios da nacionalidade ou ultrapassamos uma ponte que não se sabe bem se é romana ou medieval. Ou quando colocamos a mão, ao de leve, numa coluna granítica de um altar-mor, uma estrutura arquitetónica sóbria, fria, mas que quase nos leva a sentir que os espíritos nos falam através desse simples toque: o “património é a história que se toca”, como tive a oportunidade de escrever num artigo publicado em 2007.

Assim é quando música medieval se funde com o monumento. Entusiasta desta forma de arte, tenho por hábito assistir a récitas deste género, com o agradável prazer de já ter ouvido, entre paredes quase milenares, virtuosos como o catalão Jordi Savall, Eduardo Paniagua e o seu “ensemble” de música moçárabe ou ainda os galegos Milladoiro, Resonet ou Luar na Lubre. Com todos estes extraordinários exemplos da música erudito e do estudo histórico da música, tive a oportunidade de viajar ao tempo em que Afonso X o Sábio redigia a suas célebres “Cantigas de Santa Maria” ou ao final do período Al-Andaluz em que o vizir Ibn Zamrack proferia os seus poemas pelos palácios nazaris de La Alhambra, em Granada.

Muitos destes tive a grata satisfação em ouvir entre paredes de templos recentemente restaurados pela Rota do Românico, o último dos quais na igreja de S. Miguel de Entre-os-Rios, para escutar Origo Ensemble, grupo composto apenas por vozes femininas, com recurso a instrumentos de sopro como o oboé e a gaita-de-foles ou de precursão como o “drume frame”, instrumentos tradicionais que se perdem na raiz dos tempos.

Concerto Origo Ensemble Igreja S. Miguel de Entre-os-Rios

Do reportório deste grupo encontramos composições medievais como a Rosa das Rosas – cantiga de Santa Maria nº 10, de Afonso X, datada do séc. XIII, as peças do Livro Vermelho de Monserrat (séc. XIV) como Mariam Matrem Virginem ou Stela Splendens Solis Ortus, Cardine, de Gilles Binchois, do séc. XIII, partituras que nos recordam a importância da música na vida das comunidades religiosas e dos crentes que se amontoavam pelas rotas de peregrinação que cruzavam estas paragens.

Espetáculo "Monumentum" pelo Origo Ensemble, gravado na Ermida da Nossa Senhora do Vale, em Cête, Paredes.

A Rota do Românico (RdR) é uma iniciativa idealizada em 1998, através da VALSOUSA - Associação de Municípios do Vale do Sousa, composta pelos municípios de Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira, Paredes e Penafiel (no distrito do Porto) e Castelo de Paiva (distrito de Aveiro), com os objetivos de desenvolver um esforço de preservação e divulgação do património cultural e religioso edificado datado do período românico (séc. XI ao séc. XIV), composto por pontes, memoriais, igrejas, ermidas e mosteiros, para além do acervo artístico, literário, musical e mesmo gastronómico encontrado na história destes monumentos, bem como a promoção turística e hoteleira desta região às portas da cidade Invicta.

Em 2010 a rota foi alargada aos restantes municípios da sub-região do Tâmega e Sousa (deve o seu nome a dois dos principais afluentes do rio Douro), os concelhos de Amarante, Baião, Marco de Canaveses (distrito do Porto), Celorico de Basto (distrito Braga), Cinfães e Resende (já distrito de Viseu).

Desta rota fazem parte marcos da arquitetura e da história de Portugal como os mosteiros de S. Salvador de Paço de Sousa (onde se encontra o túmulo de Egas Moniz), Santa Maria de Cárquere e de Santa Maria de Pombeiro, as igrejas de Santa Maria de Meinedo (que foi sede do bispado de Magneto) e de Tarouquela, pontes como a ponte de Espindo, de Vilela ou ainda as torres de Vilar, Alcoufourados ou do castelo de Paço de Sousa. Referência ainda para o Memorial da Ermida e o Marmoiral do Sobrado, peças escultóricas relacionadas com a beata Mafalda, filha de D. Sancho I. Ao todo são 58 monumentos arquitetónicos e escultóricos de caráter românico (corrente artística que surgiu em França, após a reforma levada a cabo pelo papa Gregório VII) que encontramos ao longo da rota, contando ainda, mais recentemente com dois centros de interpretação: Centro Interpretativo do Românico, em Lousada, fundado em 2018 e, mais recentemente o Centro de Interpretação da Escultura Românica, aberto em julho de 2020, em Abragão. 

A RdR integra, desde dezembro de 2009, a Rota Europeia do Património Românico, conhecida como “TRANSROMANICA”, ao qual se junta o facto de que muitas das igrejas e dos mosteiros foram edificadas em algumas das rotas do Caminho Português de Santiago.

Descobrir esta que é a mais importante rota de divulgação do património edificado em Portugal leva-nos a acreditar que nunca foi tão fácil viajar no tempo, ouvir o brandir das espadas, as juras de amor entre cavaleiros e donzelas, as preces dos monges ou as cantigas dos peregrinos a caminho de Compostela.

Ouça aqui algumas músicas do Grupo Origo Ensemble

Conheça aqui os programas culturais da Rota do Românico

Texto e Fotografias | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património pela Universidade de Vigo, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.