Jú Transforma Papel Velho em Arte
Jú Transforma Papel Velho em Arte
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Jú Transforma Papel Velho em Arte

Jú Transforma Papel Velho em Arte

Uma mulher de olhar doce, voz calma e ponderada! O seu semblante imana uma serenidade que nos aconchega com as palavras, de estatura baixa mas gigante nas ações, do alto dos seus quase 65 anos e rosto de menina, assim é Jú Pinto Bandeira. Após 41 anos a trabalhar numa empresa de consultoria, chegando ao topo da carreira como diretora do departamento de formação, Jú viu-se de mãos dadas com a idade da reforma e o tempo que antes dizia faltar começou a ser mais do que suficiente para aquilo que o dia exigia de si. Este foi o momento certo para abraçar a sua paixão pela arte, em especial pela colagem: “Somos feitos de fragmentos, de instantes, de recortes que a memória guarda ou censura nos seus subterrâneos; e todos estes retalhos constituem o mosaico da existência de cada um...”, escreve o escritor Luís Filipe Sarmento sobre as obras de Jú Pinto Bandeira.

A arte fá-la feliz! Como observadora, Jú sempre gostou de frequentar espaços ligados à cultura e a “todos os tipos de atividades artísticas”, mas agora o tempo permite que se dedique a transpor para os quadros os seus pensamentos e experiências. Desafiada pela curadora Olga e Sousa, Jú Pinto Bandeira, de espírito aventureiro, como sempre mostrou ser ao longo da sua vida, arregaçou as mangas e aceitou o desafio de criar em menos de dois meses 20 obras para apresentar na sua primeira exposição — “Recortes” —, aliando as suas vivências — “não só dos países em que vivi, mas também dos mais de 50 países que já visitei.” —, ao ser feminino e à sustentabilidade: “Através dos recortes ajudamos igualmente o planeta. Transformamos papel velho em arte.”.

A artista abriu a porta da sua casa, e recebeu-me com a gentileza, simpatia e humildade que a caracteriza, da nossa conversa surgiu uma entrevista informal que poderá ler na íntegra abaixo.

Jú e um dos seus quadros

Já trabalhou em Angola, Moçambique e Timor-Leste. Qual foi a experiência mais marcante?

É difícil responder a esta questão. Em todos eles tive experiências marcantes e enriquecedoras.

A primeira vez que fui a Angola (1997) ainda havia guerra. Só por este facto foi uma experiência muito marcante que permaneceu e permanecerá para toda a minha vida.

Moçambique marcou-me pela amabilidade do seu povo e pela avidez de conhecimento. Estive numa zona muito pobre que nunca tinha tido formação profissional no local.

Timor-Leste conquistou-me pelo sorriso do seu povo e pela forma acolhedora com que me recebeu. Ver um novo país a desenvolver-se e seguir os seus próprios passos foi sem dúvida uma experiência muito bela e enriquecedora.

Uma última palavra para a beleza destes três países. Cada um com as suas características naturais é de uma beleza exuberante.

Jú Pinto Bandeira com locais de diversos países

Quantos anos trabalhou no estrangeiro?

A primeira vez que fui a Angola foi em 1997. Depois estive em 2003, 2004, 2008 e finalmente de 2011 até ao início de 2014. Somando as minhas estadas em Angola estive cerca de 6 anos.

Em Moçambique estive somente 3 meses (1999).

Timor Leste foi a minha última deslocação em trabalho. Estive 3 anos (2014-2017).

Após essa experiência em três países tão diferentes de Portugal, sentiu alguma mudança em si?

Conviver com realidades tão diferentes não só me enriqueceu profissionalmente como me fez olhar o mundo de uma maneira completamente diferente.
Viver o dia a dia com culturas tão diferentes transformou-me num ser humano muito melhor. Sem dúvida que todas estas vivências moldaram a minha personalidade e a forma de ver o mundo.

Devemos questionar tudo o vemos sem fazer, à priori, juízos de valor. Todos os povos têm hábitos e culturas diferentes. Não temos o direito de dizer que é mau ou que está errado só porque não conhecemos ou porque está longe dos nossos padrões civilizacionais. Não existem culturas ou povos, bons ou maus. Existem sim, formas, tradições, rituais, religiões e convenções estabelecidas pelas sociedades que são diferentes.

Saber respeitar as diferenças, faz parte das boas regras de tolerância e, em simultâneo, ajuda-nos a ver o mundo com outros olhos.

A informação é a chave para melhor conhecermos o mundo que nos rodeia e através dela encontrar os elos para um diálogo inteligente.

Foi este olhar e esta atitude que fui adquirindo ao longo dos anos, não só dos países em que vivi, mas também dos mais de 50 países que já visitei.

A minha postura perante o mundo é: “Todos Diferentes, Todos Iguais”.

Quando e como surgiu o gosto pela arte?

O gosto pela arte vem desde sempre. Estive permanentemente próxima de todos os tipos de atividades artísticas, embora como observadora.

Só com a minha entrada na reforma senti necessidade de transmitir a minha forma de ver o mundo através do que vivenciei ao longo dos anos. No fundo as colagens que hoje efetuo são a simbiose entre o passado e o presente focado no olhar feminino do mundo.

Quadros de Jú Pinto Bandeira

Porquê as colagens?

As colagens além de terem sido tratadas pelos grandes pintores da história são, sem dúvida, um recurso a que todos temos acesso.

As revistas, jornais e folhetos transmitem-nos tudo de bom e de mau que existe e existirá nas sociedades ao longo dos tempos. Então, pergunto eu, não será uma das melhores ferramentas para utilizarmos e nos inspirar a olhar o mundo e desta forma transmiti-lo aos outros?

A esta ferramenta adicionei fotografias que fui fazendo ao longo da minha vida.

Através dos recortes ajudamos igualmente o planeta. Transformamos papel velho em arte.

Qual é a mensagem que quer passar a quem vê os seus quadros?

A arte é sentida por cada pessoa conforme a vê, lê ou ouve. Através da imagem feminina pretendo demonstrar, independentemente da cultura, da religião, do local geográfico ou da forma como nos vestimos, que é muito mais o que nos une do que o que nos separa.

O que sente quando está dedicada à criação dos seus quadros?

São sempre momentos de reflexão sobre o mundo que nos rodeia. Os momentos de conceção são muito solitários e introspetivos.

Dois dos seus quadros são inspirados na sua sogra, Isabel Maria*1, qual é a história dessas obras?

Quadros Sinfonia no Parque e 1943 Pin Up

Os quadros “Sinfonia no Parque” e “1943 Pin Up” foram efetivamente inspirados na minha sogra.

No primeiro, “Sinfonia no Parque” a pauta de fundo foi escrita pela minha sogra para a Revista “Margarida vai à fonte” levada à cena em 1938 no Teatro Avenida. Disseram os jornais da época:

“Há, entretanto, um número desta revista o tema “Luz do Sol” que é, quanto a nós, o seu melhor número musicado. Não o escreveu nenhum daqueles, aliás ilustres compositores: escreveu-o uma rapariga que se assina Isabel Maria – e que ainda não tem catorze anos. É sem favor, uma revelação.”

Revista com artigo sobre Isabel Maria

O segundo “1943 Pin Up” baseie-me nas revistas da época, nas quais se encontram várias entrevistas e noticias sobre a minha sogra, para homenagear através dela, todas as mulheres viveram os anos da II Guerra Mundial.

Sobre este assunto tenho muito temas que espero desenvolver. Neste caso específico foi a moda associada ao ano de 1943, ficando famosamente conhecido como “PIN UP”. Mulheres sensuais, vestido silhueta-silhueta os lábios vermelhos e um delineador de olho-de-gato perfeito.

Como recebeu o convite da curadora Olga e Sousa? Há uma boa energia entre Artista e Curadora?

A vida é feita de encontros inesperados. Conheci a Olga no lançamento do livro do nosso amigo comum, Luís Filipe Sarmento.

O seu lado carismático, alegre e a sua força de vida cativou-me logo na primeira conversa. Penso que a empatia entre nós foi imediata.

Não escondo que foi com surpresa, mas com muito entusiasmo que recebi o convite da Olga para fazer a minha primeira exposição. Sou uma pessoa que gosto de desafios. Penso que foi isso que a Olga viu em mim.

Estarei sempre grata pelo estímulo e profissionalismo com que me tem acompanhado nesta caminhada. “Estamos juntas”.


*1 ► Isabel Maria Ducla Soares Mouzinho de Almeida (1925-2001), Licenciada em Românicas, esteve sempre ligada ao mundo das artes através do seu tio Coronel Pereira Coelho.

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Exposição "Recortes"
Gilberto Gaspar: “A Vocação e Maldição são Dádivas do Ser” 

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