
O Silêncio que Nos Desumaniza
Somos contraditórios...
Se existe algo consensual sobre os seres humanos é que somos contraditórios, incoerentes e paradoxais. No entanto o único caminho para o consenso, para a coerência e para a heterodoxia é o diálogo e o encontro inter-humano com o outro. Apenas o encontro genuíno nos pode humanizar. Só no encontro é que expandimos e ampliamos a consciência. Sem encontro definhamos, não nos reconhecemos, desumanizamos.
Numa sociedade onde cada vez se fala menos, se escreve menos, se lê menos, se anda menos. Todos o movimentos vitais se atrofiam, fazendo com que o humano na sua essencialidade definhe.
Precisamos de falar para conversar, pois necessitamos de encontrar pontos de convergência com o outro. Precisamos de falar para nos escutarmos, para escutar o outro. Precisamos de falar para nos dizermos. Precisamos de falar para saber quem somos.
Necessitamos da escrita para traduzir pensamentos, para materializar ideias, para dar forma a um mundo interno que por essa via se manifesta, se exterioriza e se comunica. De algum modo a escrita, tal como a fala é um dizer, é uma forma de nos dizer. Ela diz-nos quando original e própria.Também aqui se requer autenticidade, para que as nossas palavras, para a nossa escrita seja verdadeiramente nossa, não de outros.
Por excelência falar e escrever são os meios de comunicação da palavra. A palavra esse mistério humano que nos cria e recria. Pela palavra o som ganha sentido, significado e significante. A palavra contribuiu para a nossa maturidade se for nutrida de experiências unificadoras que nos expressam verdadeira e sinceramente.
A palavra para ser consciência autêntica deve nos aproximar da nossa realidade. Deve surgir da perceção responsável, deve surgir a partir do que acontece em nosso ser e através das nossas ações. Deve-nos dizer, dizer algo de nós quando algo é dito. Não é mera palavra.
Mais do que falar sobre isso ou aquilo ela fala connosco. Mais do que dar, ela nos dá. A tarefa de aproximar as palavras da experiência não é fácil, seja na dimensão intrapessoal como interpessoal. A arte da comunicação necessita que a palavra e a experiência estejam próximas. Somente quando a nossa palavra se mistura com a nossa experiência é que ela tem poder de amadurecimento. A palavra destina-se, ela vai na direção de alguém, a palavra é intencional.
Com afirma García-Monge, o Homem pode dizer ou desdizer-se: é aí que reside a sua liberdade originária e fundadora. A palavra que nos diz, é a palavra através da qual dizemos algo a alguém. A palavra que nos diz é a palavra que faz o que anuncia. Ela anuncia quando o nosso ser está verdadeiramente em sintonia com o real (conteúdo da palavra dita). A palavra que é nossa procura casar com a escuta. Sem escuta é desabrigada. A palavra que nos diz procura abrigo no Outro.
Num mundo cada vez mais de disfarce, inautêntico, de mentira, de faz de conta, a autoafirmação pela palavra que nos diz, em conjunto com a confirmação do outro como legitimo outro é um ato de saúde.
Na atualidade o território da vitalidade humana está minado, cada vez que terceirizarmos as funções humanas através de saídas fáceis, rápidas e enganadoras que por aí proliferam, boicotamos a humanidade emergente que brota da interioridade da pessoa. Hoje facilmente colocamos a “máquina” a ler por nós, a escrever por nós, a dizer por nós. Quando assim é, o que fica? O que se diz de nós por esses meios? Nada.
Nada, porque não realizado, não agido pelo próprio. A ação da pessoa não se tornou verdadeiramente real, o que ficou, foi apenas uma autorização para que a “máquina” faça por si, mas em nosso nome.
A humanidade para ser humana carece de agenciamento, necessita de aprender a ser agente da sua própria vida em conjunto com a dos outros e em respeito pela dos outros. Ser agente de si é poder assumir a posse da sua liberdade para ser quem é, e quem pode vir a ser.
Necessitamos de ler mais. No exercício de ler, as funções mentais da imaginação e fantasia são musculadas, ganham circuito, fluxo e pulso o que por essa via poderão servir de auxilio na construção de conhecimentos, no ensaio da resolução de problemas e desafios, na procura de saídas, de destinos e soluções para “as coisas da vida”. Ler é um ato de abertura, ao ler possibilito uma maior e melhor leitura de mim, do outro, do mundo.
Sugestões de leitura:
García-Monge, J. A. (1998). Treinta palabras para la madurez. Desclée de Brouwer.
Gostou do texto? Deixe abaixo a sua reação e comentário...