Em tempos sombrios, resistir é um ato de humanidade

Em tempos sombrios, resistir é um ato de humanidade

Resistir, encontrar, transformar...

Começa a ser uma recorrência dizer que vivemos tempos obscuros. Quanto maior a escuridão, maior a necessidade de luz. As diferentes visões de mundo e modos de ser acentuam-se, os opostos radicalizam-se, a distância entre pessoas vira lonjura. Hoje, como antes, o mandamento parece ser: uns contra os outros, dividir para reinar.

A mentira, a farsa e a perversidade ganham lugar ao humano, corroendo as relações, desumanizando-as. A dissimulação afasta-nos uns dos outros, instala a desconfiança. Hoje, o disfarce ganha lugar à autenticidade, ganha terreno à liberdade — a liberdade de poder ser eu com outros, de poder tornar-me outro com os outros, porque diferentes — ou seja, a vida dissimulada encerra as pessoas numa lógica perversa e doentia de ausência de reconhecimento do outro como legítimo outro.

Perante o isolamento de si, o monólogo ganha terreno, o solipsismo enclausura a pessoa. A encenação ganha palco, o comportamento histérico é vangloriado e, pior que isso, não se questiona.

Hoje, assiste-se ao espetáculo de uma sociedade em decadência, onde cada vez mais pessoas estão passivamente instaladas no seguidismo fanático, indiferentes ao ridículo. Hoje, a máxima é a da palavra vazia, sem vitalidade nem ação transformadora. Hoje, as palavras de ordem são: “não interessa, não tenho nada a perder, o que eu quero é ver isto a pegar fogo”. Mas quem se queima somos todos.

Cada um está no seu quadro, com maior dificuldade em aceder ao círculo do diálogo, em sentar-se à mesa redonda das ideias, em dispor-se ao face a face com rosto humano. Quando não nos dispomos ao Encontro, as relações humanas tornam-se muros, tornam-se distantes. Quando distantes, não nos reconhecemos, não reconhecemos a nossa semelhança em humanidade.

E é precisamente nestes períodos que nos é exigida a afirmação da livre vontade, a confirmação cívica, participativa e consciente, que se reflete no ato de eleger, escolher, apontar para onde é o destino (comum), qual o caminho e como seguir nessa direção. Em nosso entender, a direção só pode ser uma: a de um caminho humanamente partilhado e fraternalmente construído — fraternidade, igualdade, liberdade.

Em tempos obscuros, a democracia perde o seu vigor, novos fascismos se instalam, corroem-se os seus pilares: a liberdade, a escolha, a responsabilidade, os direitos e os deveres. Perante a corrosão do espaço público e político (o que é comum), urge encontrar espaços de diálogo e construir pontes que nos façam descobrir o que de comum partilhamos, para que nenhum “falso Messias” capture a humanidade na teia da sua mentira diabólica.

Em tempos sombrios, urge resistir. Urge fazer resistência à farsa, à mentira, ao falso messianismo, à salvação mentirosa, à ideia do eleito e do escolhido. Eleitos e escolhidos somos TODOS em humanidade conjunta.

Humanidade somos todos e qualquer um, pois a vida do humano é uma coexistência. Recorda-nos Sartre: “existir é coexistir”. “Estamos condenados a nos entendermos”, diz o ditado.

Esta sentença é curiosa, pois é um paradoxo — condenação e destino estão lado a lado. No entanto, coexistir é mesmo isso: “bater de cara” uns com os outros. Sendo que o grande desafio é saber o que fazemos com isso, para que possamos ir no sentido do melhor e, desse modo, crescer em humanidade, para que esse encontro humano seja verdadeiramente humanizante e respeitador da dignidade de cada um.

Resistir, Encontrar, Transformar.

Resistir à barbárie, ao sem sentido, à fatalidade. Encontrar o rosto humano em cada um e cada uma. Transformar as relações humanas. Fica o desafio.

Vamos a isso?


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