O Sexo e a Religião

O Sexo e a Religião

Vamos ao sexo...

Uma das realidades mais extraordinárias que conheci no Cristianismo quando dele me reaproximei na juventude tardia, foi a sua compreensão acerca da sexualidade humana. Ao contrário da perspetiva redutora que havia acabado por assumir a partir do medíocre e religiosamente impermeável húmus sociocultural académico em que cheguei a viver, encontrei uma expansão da sexualidade até aos seus mais íntimos horizontes.

Para o Cristianismo a sexualidade é vista desde um ponto de vista que, frequentemente, nos é estranho. Não o da imaturidade ou o da desumanidade, mas o do amor e da bondade que entretecem o cenário de uma pureza sinónima da ausência, pelo menos aspirada, de uma absolutização do que, em cada um, há de menos autêntico. Uma vez vista a sexualidade – incluindo na sua expressão genital – desde essa ótica – em que a liberdade é comemorada como uma escolha do melhor amor –, reencontramos uma sã sabedoria celebrativa do sexo como uma das mais ricas, mas igualmente mais frágeis, expressões da nossa humanidade. 

Essa sabedoria vê a comunicação amorosa sexual como algo que permite, por um lado, a superação da inclinação egoísta e, por outro lado, a adesão a um compromisso fiel, com relação e interação significativas que multipliquem o prazer. Um prazer digno e mutuamente buscado que possibilita que o físico se converta num canal de experiência espiritual numa intimidade profunda e que faz crescer.

Por outras palavras: para o Cristianismo, a sexualidade na sua vivência genital acaba por ser entendida e vivida como expressão do amor verdadeiro e não daqueles instintos meramente "pré-reflexos" que começam numa confusão sem consciência. Uma confusão que, apesar de tantas vezes cantada nos slogans do “amor livre”, não permite nem a liberdade, nem o amor.

O sexo é, então, a expressão daquele amor que começa por criar a distância de respeito que permite ver o amado como uma pessoa e não como um objeto de satisfação instintiva. Um respeito que atestará a profundidade do amor que permite uma união entre pessoas, a qual, não podendo ser obliterada por nenhuma inclinação possessiva, faz resplandecer o Infinito pessoal. Aquele infinito de que a sexualidade é, simultaneamente, demanda e dom. Aquele Infinito de Amor que também quer dar-se a viver pelo prazer daqueles que se amam, comunicando-lhes o Amor plenamente desapropriado que Ele mesmo é. É verdade: os cristãos não acreditam num Deus que só vive connosco as nossas aflições, mas igualmente a nossa alegria e o nosso prazer. 

É inegável que o orgasmo seja uma das mais compressíveis consequências naturais da atração sexual e do enamoramento genital. Contudo, para os cristãos, o ser humano não é apenas uma realidade biológica: ele, também sendo biológico, é muito mais do que isso porquanto dotado de uma dimensão espiritual que lhe é (a) central.

Em consequência disto, o apogeu do mencionado enamoramento e da dita atração encontrar-se-á castrado se se ficar pelo, já de si maravilhoso, orgasmo. Tal apogeu só se realiza no encontro pessoal em dinâmica de amor, o qual permite a realização da verdade daquele a quem se ama. Isto mesmo é constatável pela comum afirmação dos amantes ante a relação sexual, que geralmente não se traduz por um “vamos atingir o orgasmo”, mas por um “vamos fazer amor”.

Na verdade, pode-se chegar a esta mesma constatação desde uma breve descrição dos corolários que dimanam da relação sexual em contexto do amor genuíno na complementaridade e na comunicação dos sentimentos mais profundos. Em concreto e nomeadamente:

 A afirmação da identidade pessoal – o amante está a dizer, ao dar-se sexualmente, implicitamente “quero-te a ti, àquele que tu és”;

 A experiência de uma confiança personalizante – quem ama diz “confio em ti, confio-me a ti”;

 A vivência gozosa da reconciliação – diante das dificuldades relacionais, no fazer amor diz-se “perdoou-te e aceito o teu perdão”.

Se o amor é aprendermos a abrir-nos ao outro através do desapego de nós mesmos, então há poucas realidades como o sexo que nos eduquem tão bem para o mesmo (e vice-versa), mas apenas conquanto o sexo não se torne num “fim” despótico, antes se mantenha na ordem dos “meios” diletos.

É precisamente isto que nos revela um texto bíblico – o Cântico dos Cânticos –, que é dos mais belos hinos a uma irmandade entre o “eros” – o desejo ardente do outro – e “caridade” – a generosidade generativa “ego” - desinteressada – que aponta para uma sexualidade plena que está liricamente presente no mesmo com uma crueza (igualmente erógena e genital) que espanta e comove.

Sim: o sexo assim vivido converte-se num altruísmo ardente selado na nossa corporeidade. E será que isto, que eleva a possibilidade do prazer ao máximo, não requer um verdadeiro respeito mútuo?

Ignorando-se este respeito, a sexualidade é ferida e acabamos feridos, pois rejeitamos a exigência de infinito endógena à nossa identidade. Orgasmo sim – quanto mais intenso, melhor –, mas reconhecendo-se que os amantes têm infinitamente mais a dar um ao outro do que apenas um contacto entre peles. A saber: podem oferecer um contacto de corações em que se tal infinito não é vivido não há prazer digno desse nome, pois nada é mais completamente repleto de desprazimento do que um amor que se tornou uma prisão de instintos.

Tal contacto vivido no infinito permite uma segurança perfeita. Permite, depois de o personalizarmos e o vivermos a partir do seu mais íntimo, a entrega do nosso corpo ao outro para podermos percecionar, com confiança e ousadia sadias, que essa mesma entrega se torna como que numa comemoração das palavras de Jesus: “eis o meu corpo entregue por ti”.

Eis, justamente devido a isto que foi apontado, o facto de que podemos orar através da sexualidade. Inclusive, e quiçá sublimemente, aquela vivida genitalmente. A Vida da nossa vida e, assim, o Corpo do nosso corpo – no sentido de “relações”, com o suporte material que neste Universo as mesmas requerem –, já não somos nós, mas a génese de toda a realidade: Deus-Amor. O segredo derradeiro da vida é este Deus-Amor, donde estamos desafiados a pensar nessa vida, que também é o nosso corpo, como uma expressão criatural da própria vida de um Deus Criador que é tão Caridade como Eros. Orar com a nossa vivência sexual é ajoelharmos os nossos corações diante do Mistério que está dentro daquele a quem amamos; a quem acolhemos e a quem nos damos espiritualmente através da nossa corporeidade.