Fundação O Século: Presos à Decisão do Estado

Fundação O Século: Presos à Decisão do Estado

“Quando a situação está caótica o que há a fazer é meter as mãos à obra.”

António Júlio de Almeida

À conversa com, o atual presidente da Fundação O Século, António Júlio de Almeida ficou claro que a atividade social é na maior parte das vezes deficitária em quase todas as entidades, por isso: “as IPSS´s e as entidades como nós que se dedicam à área social e à causa social procuram receitas complementares que ajudem a suportar o défice de funcionamento da atividade social.”.

No caso da Fundação O Século há um problema adicional que é o custo de funcionamento do edifício: “existe uma diferença entre ter uma creche ou lar num espaço restrito, relativamente moderno em que os custos de exploração desse espaço são relativamente contidos, e ter um espaço como um edifício de grande dimensão como aquele onde se encontra a Fundação, com todos os problemas associados, desde a gestão de um espaço enorme que exige muitos custos de manutenção, muitos custos de limpeza, de lavagem, de reparação, entre outros.” Acrescenta.

Fundação O Século: Da Insolvência ao Equilíbrio... Com António Júlio de Almeida

Neste sentido, a administração procurou sempre obter receitas complementares, inicialmente com a Colónia de Férias e a Feira Popular, a partir do momento que a Feira Popular fechou, a Câmara Municipal de Lisboa começou: “a dar todos os anos um subsídio avultado à Fundação e mais tarde, nos tempos do então presidente da Câmara de Lisboa António Costa, perante a necessidade de rever e racionalizar as próprias despesas da Câmara, foi revista a relação financeira com a Fundação O Século.”. Nessa altura, decidiram atribuir o poder de exploração de um posto de abastecimento à Fundação O Século, em Lisboa, na zona do agora Parque das Nações, a troco de uma renda baixa. O que a Fundação fez foi: “sub-ceder a exploração do posto a uma gasolineira, neste caso a BP, “essa receita era fundamental para assegurar o equilíbrio normal das contas, da tesouraria e das contas de exploração”, explica António Júlio de Almeida.

Quais os erros cometidos pela anterior administração da Fundação o Século?

A antiga administração comprometeu as receitas futuras, referentes à exploração do posto de abastecimento, com empréstimos nos anos 2014 e 2015. O contrato de arrendamento com a Câmara Municipal de Lisboa: “durava até 2032 e garantia cerca de 11 milhões de euros e o que a administração fez foi esgotar esses 11 milhões, sob a forma de empréstimos ou sob forma de adiantamentos obtidos junto da BP, em dois anos e meio (2014, 2015 e 2016) estoiraram esse dinheiro todo e portanto as rendas futuras que são uma parte significativa e importantíssima das receitas da fundação desapareceram, evaporaram-se”, esclarece o atual presidente da Fundação O Século, António Júlio de Almeida.

A má gestão da antiga administração acabou por determinar que nos três anos seguintes, de 2016 a 2018, o agravamento da situação da Fundação fosse progressivo, porque a Fundação: “deixou de ter as suas receitas normais, complementares às suas próprias receitas da sua atividade social para financiar a atividade acabando por: “entrar em total insolvência”.

Em 2018, quando a nova administração assumiu a gestão da Fundação O Século esta estava insolvente: “devia dinheiro aos fornecedores, aos trabalhadores, ao Estado e à banca. Portanto completamente incapaz de honrar os seus compromissos e de prosseguir com a sua atividade normal.”, clarifica António Júlio de Almeida.

A situação de insolvência levou os curadores*1 a dirigirem-se à Segurança Social e dizer: “tratem disso que nós não vemos solução”.

Foi nesta fase crítica, em 2018, que António Júlio de Almeida foi contactado com a proposta para assumir o desafio de gerir a Fundação O Século: “primeiro quis ver qual era o estado da ‘arte’, saber onde me estava a meter, porque já estava numa pré-reforma, aí vi as crianças e acabou a pré-reforma e aqui estou”, partilha António Júlio de Almeida, sorrindo.

Assim que a nova administração assumiu a gestão da Fundação: “entramos a matar, não podia ser de outra forma”, garante António Júlio de Almeida. Naquele momento, ainda em 2018: “na impossibilidade de se prever um crescimento grande das receitas ou de se recuperar as receitas perdidas, a solução era conter os custos”, explica o Presidente da Fundação.

“Entramos a matar, não podia ser de outra forma”

António Júlio de Almeida

António Júlio de Almeida confessa que o processo de recuperação foi: “muito duro, doloroso, tínhamos 120 trabalhadores e reduzimos para 80”, sublinha. Segundo o Presidente da Fundação, foi feito um grande esforço na contenção de custos: “tivemos cortes radicais de custos em tudo o que era aquisição de matérias-primas e materiais, de fornecimento de serviços externos, renegociamos tudo o que era contrato com os fornecedores e continuamos hoje num processo muito persistente de redução de custos, através de consultas públicas frequentes, de prever a inflação, de prever o agravamento dos custos. De forma a manter uma estrutura de custos muito eficiente que garantisse manter o equilíbrio na exploração da Fundação”, salienta António Júlio de Almeida.

O Presidente sublinha que o equilíbrio da Fundação O Século foi atingido em 2019: “fechamos o ano de 2019, também com o apoio do Estado, que nos apoiou com o subsídio a fundo perdido através do Fundo de Socorro Social*3, ficamos com o resultado de 17 mil euros negativos. Partimos de um milhão de euros anuais estruturais de prejuízo, em 2015, 2016 e 2017, o prejuízo foi sempre, em média, cerca de um milhão de euros. Em 2018, as nossas medidas de redução de custos já fizeram com que o prejuízo no final do ano fosse inferior a 500 mil euros, portanto metade. Em 2019, praticamente no equilíbrio, com 17 mil euros de prejuízo e já com meios libertos positivos”, sublinha.

Em 2020, a situação manteve-se igual ao ano anterior, devido à pandemia e a uma quebra de receitas na área de turismo de cerca de 300 mil euros (a Fundação O Século tem um Hostel com mais de 30 quartos). Já em 2021 há uma estimativa de equilíbrio económico: “talvez um lucro ligeiro, é a minha expectativa e com uma situação financeira já muito melhorada”, sublinha António Júlio de Almeida.

Em suma, os objetivos eram:

Em 2018: Equilibrar a exploração (cumprido), e tentar resolver um problema financeiro: “que era óbvio, porque resultava da necessidade de pagar a dívida herdada”, explica, adiantando que “grande parte das nossas receitas para o nosso equilíbrio de exploração, não as recebíamos, estavam comprometidas com os empréstimos bancários que se deram as rendas em garantia e foram todas gastas em dois anos e meio”.

Plano:

Assegurar o equilíbrio económico.

2º Procurar encontrar soluções para os défices financeiros que necessariamente iríamos encontrar.

A crise pandémica trouxe um agravamento das receitas, mas também trouxe a oportunidade: “de reformar a dívida à custa das linhas covid. Conseguimos equilibrar as contas e prolongar no tempo o pagamento da dívida que tínhamos. Reformulamos a dívida bancária, limpamos a dívida a fornecedores, já não tínhamos dívida ao Estado, nem a trabalhadores”, explica António Júlio de Almeida, reforçando que têm uma perspetiva a médio prazo: "é mais compatível com o crescimento das nossas receitas, do pagamento da dívida bancária, também a uma taxa mais baixa do que aquela que tínhamos. Portanto, neste momento temos uma situação económica equilibrada".

Embora ainda com um horizonte de dificuldades até 2024, altura em que vence o último empréstimo bancário: “a partir de 2024 a 2032 temos mais liberdade na recuperação das rendas que estavam comprometidas com os empréstimos. Em suma, até 2024 a Fundação O Século terá a situação da tesouraria controlada com todas as operações de conversão de divida que foram feitas”, explica.

“Estou positivo, tenho boas expectativas. Acho que os tempos em que estivemos naufragados já passaram, começamos a pôr a cabecinha fora de água lentamente e hoje estamos a navegar praticamente em velocidade cruzeiro”

António Júlio de Almeida

O que esperar do Futuro?

"Isso é uma coisa magnífica que nos inspira muito e que nos motiva. Estamos nessa matéria praticamente presos pela decisão do Estado que tarda em chegar”

António Júlio de Almeida

Fundação O Século: As Dificuldades e o Futuro... Com António Júlio de Almeida

O que está em causa?

A Fundação O Século tem em mãos um edifício: “que está velho, causa imensos problemas, e tem um custo de manutenção tremendo. Tem também problemas de infraestruturas, as redes de saneamento que passam por baixo, o facto de o edifício estar afundado em relação à marginal faz com que com frequência tenhamos aqui inundações. Imagine o que é ter a cozinha e o refeitório tudo inundado e as crianças aqui a moverem-se, é complicadíssimo.

Segundo António Júlio de Almeida, os problemas mencionados só podem ser solucionados com uma intervenção profundíssima no edifício. Obras que iriam aliviar os custos elevados permanentes de manutenção e de reparação do edifício, garantindo também melhores condições na prestação e qualidade dos serviços: “mas só podemos fazer isso se o Estado nos vender o edifício”, relembra o presidente da fundação.

Por outro lado, a Câmara Municipal de Cascais: “deu-nos em direito de superfície, o terreno aqui atrás (da Fundação O Século), que funciona como parque de estacionamento, que criamos para tentar obter alguma receita complementar”, avança António Júlio de Almeida. O projeto será transformar o edifício atual e aproveitar o terreno de trás com parcerias, de forma: “que pudéssemos não correr riscos. Parceiros na área do turismo, na área da saúde e na área da mobilidade. Todas elas indústrias de futuro”.

Neste momento, a Fundação tem um projeto aprovado pelo Estado para aumentar a área da creche: "o Estado lançou um programa a nível nacional para desenvolver a capacidade de acolhimento de bebés e em condições financeiras boas, o Programa PARES*2. Temos hoje 35 bebés, a ideia era ter uma unidade nova com capacidade para 84 bebés”, explica. António Júlio de Almeida sublinha que o projeto está aprovado pelo Ministério da Segurança Social, contudo não podem avançar com o desenvolvimento do mesmo porque o Ministério das Finanças tarda em decidir se vende o edifício à Fundação O Século e em que condições.

Na lista de projetos está:

A expansão de atividades;
Modernizar o edifício e transformá-lo;
A criação de casas de acolhimento;
Aumentar o número de quartos na área turística.

O que falta para avançar?

Em suma, António Júlio de Almeida explica que o objetivo é não correr riscos nem de investimento, nem de gestão, correr apenas riscos próprios nas realidades que têm experiência. “Temos parceiros para isto tudo, de maneira a que o nosso risco de investimento e de gestão seja temporizado e contido.”

O investimento estimado para todos os projetos: “está situado entre 22 a 24 milhões de euros”. Este investimento garante que a Fundação O Século venha a ter receitas complementares: “de uma forma consolidada e que permita ver o futuro a 50 anos sem os traumas que vivemos nos anos passados”, garante.

Expansão da atividade social para Lisboa. Tendo em conta a ligação da Fundação com a cidade de Lisboa, o presidente revelou que têm em cima da mesa um projeto, nesta fase já marcado por um acordo com “a componente social” do ISCTE, que visa fazer um levantamento das necessidades em determinadas zonas de Lisboa, necessidades de higiene pessoal e de atendimento diário às famílias, de necessidades alimentares, de acompanhamento e de mobilidade. Depois de detetadas essas carências será estabelecido: “um plano, com os meios adequados para satisfazer essas necessidades”.

A escolha de expansão para Lisboa e não para Cascais prende-se pelo facto de, além da Vila à beira mar plantada ter uma rede social forte e vasta, existir uma forte ligação histórica da Fundação O Século com a capital.

Projetos para o Futuro?

“Está tudo dependente da decisão do Estado.”

"O Estado cria-nos uma angústia e amargura enorme porque o nosso futuro depende disto...”

António Júlio de Almeida

Nunca teve a intervenção do Estado. O edifício acomoda a atividade social da Fundação O Século desde os anos quarenta, há mais de 70 anos: “o Estado nunca gastou aqui um cêntimo, nem na compra do terreno, nem na construção do edifício, nem na sua manutenção, nem na sua reparação”. O edifício: “foi parar às mãos do Estado” devido ao processo de nacionalização*4, em 1976: “o edifício foi ‘sempre nosso’, por tanto, espero que o Estado o queira vender. Tudo no nosso programa de investimentos depende disso”, sublinha António Júlio de Almeida.

Mais de dois anos de espera. À data da entrevista ao presidente da fundação, António Júlio de Almeida, em maio de 2021, o pedido de compra do edifício, feito pela Fundação O Século em junho de 2019, estava próximo de fazer dois anos. Neste momento, estamos quase a chegar aos dois anos e meio de espera e com projetos guardados na gaveta aguardando a luz do dia. Entretanto surgiu uma espécie de oásis no deserto, abriu-se uma esperança para o futuro da Fundação O Século, à conversa com António Júlio de Almeida, soubemos que nas últimas semanas o presidente chegou à fala com um membro do governo: “fiquei na expectativa, temos esperança de resolver a situação da venda até ao final deste ano”. Caso a venda não aconteça muitos dos projetos da Fundação O Século ficam em risco, exemplo disso é o Programa de Expansão da Creche, a fundação tem dois anos de prazo para executar esse projeto, caso não seja colocado em prática: “perdemos o apoio de 70% a fundo perdido dos investimentos elegíveis. O programa*2 lançado pelo Estado para aumentar no país toda a capacidade de alojamento de crianças e de apoio a bebés. Corremos o risco de perder esse apoio se nos atrasarmos. Para usufruir do direito à superfície também temos um tempo limite para apresentar os projetos e iniciar as obras. Tudo isto pode ficar pendurado se o Estado não tomar uma decisão”, finaliza esperançoso.

Agora, com a instabilidade do Governo, vive-se na expectativa que esta situação de incerteza não venha a afetar a esperança que surgiu nas últimas semanas, vamos continuar a acompanhar a evolução deste processo.

*1 As Fundações não têm assembleia de acionistas mas sim um conselho de curadores.
*2 Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais
*3 Fundo de Socorro Social destina-se a prestar apoio às instituições particulares de solidariedade social ou instituições equiparadas e a famílias.
*4 Relembro que a Fundação pertencia ao grupo do jornal “O Século”. O jornal “O Século”, como outros órgãos de comunicação social, foi nacionalizado e, em 1979, encerrado com a promessa que reabriria após uma reestruturação, que nunca aconteceu. Cerca de 800 trabalhadores ficaram desempregados.”, Fonte, RTP Ensina

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