Tempo é Vida
“A cada apelo da vida deve o coração estar pronto a despedir-se e a começar de novo... Para com coragem e sem lágrimas se entregar a outras e novas relações.”Hermann Hesse (1877-1962), em "O jogo das contas de vidro"
Envelhe(Ser) é apreciar o curso da vida. A vida corre no seu tempo e no seu ritmo próprio. Ao ser humano cabe entrar neste curso e perceber que também ele está na correnteza da vida, a sua vida. A sua vida, uma vida que emerge e lhe pede que o ritmo seja o que lhe é próprio, e não um empréstimo, ao jeito do ritmo dos outros. Encontrar o que lhe é próprio, é o único modo de se orientar, porque só assim se pode estar de acordo com o seu destino, com o seu sentido.
E se há tempo existencial que pede inteireza, esse tempo é a velhice. Na velhice a pessoa “bate de cara” consigo. O passado é maior do que a perspetiva de futuro. A pessoa é desafiada a reconciliar-se com o seu passado, a viver mais no seu presente, no aqui, corpo e agora, presente. Deve fazer-se presente, mas com olhos no futuro. Sempre com olhos maioritariamente no futuro, apesar do futuro a aproximar cada vez mais da finitude, ou de uma maior consciência dela. Já não se tem todo o tempo do mundo, mais do que fazer, o tempo, é um tempo de ser, deixar ser e continuar sendo.
Com o envelhecimento e a velhice somos levados a tomar o tempo com urgência, a acolhê-lo para deixar que os eventos da vida entrem em nós, para desse modo poder observá-los, senti-los “escutar-lhes” o impacto.
Viver maioritariamente no presente, lembrando-nos que o presente é tocado por todos os tempos, tal como nos recorda Nicolau de Cusa: “o agora presente inclui todo o tempo”. A vida é encontro, a vida é plenitude, embora possa, como acontece muitas vezes, ser mais descompasso do que encontro.
Como refere a psicóloga e psicoterapeuta portuguesa Isabel Abecassis, a cada encontro pessoal uma circunstância nova que nos oferece a possibilidade de obter uma perceção diferente que desse modo pode enriquecer-nos desdobrando novas possibilidades — ajustes criativos — até então irreconhecíveis.
Neste processo de nos conhecermos, independentemente da idade, o desafio é aceitar o que conheço acerca de mim e atribuir-lhe valor. Como refere a autora em referência, “é necessário usar o que se aprendeu a partir do que se é”. O desafio é viver a partir do seu lugar de vida, do seu poder, daquilo que se é. Esse é sempre o ponto de partida para cada mudança a encetar.
Na velhice é urgente uma boa relação com o tempo, apesar das contradições da nossa época e sociedade que no agir quotidiano dilui cada vez mais as diferenças entre as idades, pois é pedido o mesmo para todos independentemente da idade, o slogan é: “viver tudo rapidamente, tudo ao mesmo tempo e tudo de uma vez” (slogan de um canal de TV). O apelo é bem atrativo, mas denota um modo de vida insano, deslocado de um ritmo mais saudável e próprio ao humano — o seu ritmo, aquele que lhe é próprio.
Como já referimos noutros artigos, na relação com o tempo vivido, no tempo da vida humana, a grande questão é o modo como nos relacionamos com o futuro, com o que está por vir. Sendo que viver é aprender a deixar correr o curso do tempo: passado, presente, futuro.
Neste olhar para a frente o que nos caracteriza enquanto humanos é o que temos como certo, ou seja, a indefinição, a possibilidade. Isto é dizer, tal como defende o Psicólogo brasileiro Maurício de Carvalho: “nós não conseguimos prever o que nós somos, seremos e faremos”.
Somos seres em aberto, e assim continuamos na velhice. Ser em aberto é estar aberto para o caminho que a existência humana é. Esta imagem, a do Homem como caminhante e caminho é já muito antiga, recordamos aqui Heráclito, o filósofo pré-socrático, que já no seu tempo nos dizia que ser humano é ser peregrino, um peregrino de si, do outro e do mundo.
Neste sentido a vida humana desde a sua origem é um ensaio sobre o tempo que lhe é dado a viver. Vivemos num intervalo, entre o nascer e o morrer, entre o chegar e o partir. E neste intervalo, somos atravessados pelo tempo, passado, presente e futuro.
Vivemos na alternância de cronos e kairos, transitamos por entre estas duas dimensões, e também elas atravessam os três tempos. Sendo que tempo é vida, não é dinheiro, pois vida não é negócio. O grande desafio é saber ser e continuar sendo neste tempo-vida que nos é dado a viver.
Ser e continuar sendo em relação, na relação. Porque eu só posso ser na medida do que me descubro na relação com o outro. Para nós, humanos, Tempo é Vida.
É vida que transcorre, entre uma chegada e uma partida. Tempo é Vida, porque este intervalo se preenche e se descobre numa relação recíproca entre um Eu e um Tu, que na felicidade do encontro viram um nós, para logo de seguida retornarem a ser um Eu e um Tu. E assim, Eu e Tu, quando no sentido da saúde seguem o ritmo desta dança em alternância.
Dancemos.
Fotografia de capa | Vítor Fragoso
Sugestões de leitura |
Empis, I. (2013). Ousar Ser. Oficina do Livro.
Hesse, H. (2017). O jogo das contas de vidro. Leya.
Maurício de Carvalho, J. (2006). Filosofia e Psicologia: o pensamento fenomenológico-existencial de Karl Jaspers. Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Ver também |
A Velhice com Conhecimento e Integridade
Não Somos Humanos por Natureza
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Armanda Barros
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