A Aldeia mais portuguesa de Portugal
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A Aldeia mais portuguesa de Portugal

Crónica das Aldeias Históricas

Crónica de um roteiro de três dias a algumas das mais belas aldeias de Portugal

Neste roteiro “transportei-me” para destinos mágicos como Sortelha, Idanha-a-Velha, Monsanto, Marialva e Trancoso, com passagem ainda, neste mesmo périplo por paisagens beirãs, pela aldeia de Penha Garcia e as cidades da Guarda, Penamacor e Castelo Branco. No primeiro dia o encanto deu-se na Guarda, Sortelha, Penamacor e Castelo Branco, mas a viagem pelos caminhos de Portugal continua...

Dia 2 | Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Monsanto e Penha Garcia.

Empurrado para fora da cama e para a frente do ecrã do computador, a manhã começou com a crónica do primeiro dia porque o prometido é devido. Tinha-me comprometido em enviar filme “escrito” da etapa inicial de uma aventura, em grupo, por algumas das mais bonitas aldeias beirãs.

Terminado o texto, abandonei o transe literário a que me votei voluntariamente. O sol despontou e logo aproveitei para descobrir a panorâmica para a cidade de Castelo Branco, que tanto me impressionou na noite anterior, quando deixei que os olhos se perdessem nos milhares de pontos luminosos da urbe e dos montes à volta, desde uma janela improvisada de uma antiga torre até ao horizonte montanhoso marcado pela Serra da Estrela.

Ao subir a rampa de acesso à muralha do castelo, ornamentada com uma vegetação acabada de acordar do inverno, encontro, no meio das árvores, a igreja de Santa Maria do Castelo, agora sim bem mais visível na claridade do dia do que no breu da noite.

Primeira igreja matriz albicastrense, da sua arquitetura não resta quase nada, à exceção da parede lateral norte, mercê de episódios fatídicos que atingiram a orgulhosa edificação como as guerras da Restauração, em 1640, um incêndio em 1704 e a estocada final a pertencer às tropas de Junot, em 1807. Viria a ser reconstruída na segunda metade do séc. XIX. No interior do templo podemos contemplar o túmulo do escritor setecentista João Rois.

De costas voltadas para a igreja, recordo o cenário da noite passada, mas desta vez à luz diurna. A panorâmica para a cidade é entusiasmante. Nesta “varanda” para Castelo Branco o viajante pode contemplar as mais importantes “landmarks” da capital da antiga província da Beira Baixa, como a Sé, o museu Cargaleiro ou o paço episcopal.

Perguntei-me como seria a paisagem a partir deste mesmo lugar quando os templários decidiram construir, no séc. XIII, uma fortaleza fundamental para o corredor defensivo que separava as possessões cristãs dos domínios mouros, conhecido como a Linha do Tejo (ou da Raia) que incluía ainda os castelos de Abrantes, Almourol, Tomar, Monsanto, entre outros.

Agora toca a correr morro abaixo porque o estômago já desesperava pelo pequeno-almoço e havia que seguir viagem para mais um dia cheio que nos levaria da sede do distrito até à próxima paragem da aventura: Idanha-a-Nova.

Boas estradas levam-nos em menos de uma hora à mais nova das “Idanhas”. Avistando o Centro Cultural Raiano, inaugurado em 1997, ao entrarmos no centro histórico da vila, espera-nos uma “guarda de honra” formados pelos solares da Família Trigueiro e Aragão e dos Marqueses da Graciosa. Espelho da realidade atual, a pacatez causava estranheza, aqui e acolá interrompida pelas discussões acaloradas que já se viviam manhã cedo no bar da Casa do Benfica.

Descobrimos os fortes laços de Idanha com as suas tradições ao entrarmos no pequeno mas acolhedor Centro de Artes Tradicionais que, apesar de dividir o exíguo espaço com o posto de turismo local, conserva a relações dos idanhenses com o testemunho intemporal da arte de produção do adufe, único instrumento realmente de origem portuguesa.

Com um passo curto digno de um calçado de tamanho “40” alcançamos Nossa Senhora da Conceição, orago da igreja matriz desta vila raiana, cuja atual edificação data do séc. XVI, de cariz renascentista, com traços do gótico visíveis na capela-mor e o barroco presente na talha dourada do altar principal e na fachada do templo.

Apesar de avistarmos, a poucos passos do templo, uma das torres do antigo castelo, agora transformada em sineira, uma escadaria considerável devemos transpor para alcançar o reduto fundamental da antiga estrutura militar, agora conservada em forma de um imenso miradouro para toda a paisagem envolvente, que não deixa ninguém indiferente, tal é o alcance que a vista pode alcançar, sublinhada por uma lâmina de granito que conserva a estrofe de uma canção tantas vezes interpretadas pelas adufeiras:

“Subi ao Castelo
E ao longe vi a Espanha
Dei um abraço a Monsanto
E o coração a Idanha”

Terminada a contemplação do casario a partir do ponto alto da fortaleza, erguida por iniciativa do grão-mestre da ordem do Tem, D. Gualdim Pais, descemos à terra banhada pelo rio Pônsul e seguimos para a Idanha original, não sem antes descobrirmos a natureza contemplativa e a energia que se vive nos mais emblemáticos lugares de peregrinação como a que se sente no santuário de Nossa Senhora do Almortão, padroeira da vila. A lenda diz que a imagem da Virgem, que agora repousa no simples templo, terá sido encontrada e guardada em Monsanto, tendo desaparecido misteriosamente e encontrada “milagrosamente” muitos anos depois, no meio de uma murta, no lugar onde, ano após ano, milhares de peregrinos se deslocam, pela terceira segunda-feira depois da Páscoa e a 15 de agosto, para venerá-la.

De interior humilde e quase ingénuo (a avaliar pela disposição “tosca” dos azulejos que enfeitam a entrada do altar-mor e ainda os quadros que enfeitam as paredes, obras que mais parecem saídas do pincel pouco treinado de uma criança), o altar onde a imagem ricamente vestida se encontra não passa despercebido pela exuberância da sua talha dourado e pela quantidade extraordinária de promessas e ex-votos que podemos testemunhar). Tenho muita vontade em peregrinar à Senhora do Almortão.

O tempo, esse “inimigo comum” já corre a desfavor, à medida que a manhã vai trocando lugar com o meio-dia. É hora de viajarmos no tempo e na história e adentrar na "Civitas Igaeditanorum", assim chamada pelos romanos do tempo da dinastia dos imperadores flávios, Egitânia como os visigodos a conheciam, a “Idania” dos muçulmanos, Idanha-a-Velha da atualidade. Sede de poder municipal, até este passar em, 1879, para a “nova” Idanha, ainda hoje conserva o pelourinho que nos recorda o foral de D. Manuel I.

E se esta localidade, agora reduzida à condição de aldeia, encanta pelas suas casas tipicamente beirãs, a natureza simples das capelas do Espírito ou de S. Sebastião, à medida que vamos deixando para trás a muralha defensiva, é a mais antiga catedral de Portugal que concentra todas as atenções.

De construção visigótica, a antiga catedral do Bispado da Egitânia é um documento histórico essencial para compreendermos a arquitetura paleocristã, antes do esforço unificador do românico. Ladeado pela necrópole alto-medieval, o templo guarda a memória do período em que os mouros a transformaram em mesquita, sendo ainda visível o lugar onde os crentes de Maomé depositavam o Alcorão: o Mihrab.

O estudo da história continua no recente museu epigráfico egitaniense, onde encontramos objetos das mais variadas eras gravada nas pedras da velha Idanha, desde o período romano, suevo, visigótico e islâmico.

A visita a uma das mais icónicas aldeias históricas termina no Lagar das Varas, sede do posto de turismo, lugar que nos recorda a importância da produção de azeite na região desde épocas mouras.
Um dos pontos altos do périplo por terras beirãs, Monsanto, próxima paragem do roteiro, espera-nos à hora de almoçar.

À medida que os quilómetros vão diminuindo no “GPS” vamos contemplando a penedia, o “mont-santo” que a mão humana conseguiu transformar de forma a proteger uma povoação de forte cariz defensivo.

Feita de altos e baixos, Monsanto é realmente maravilhosa, quase indescritível, apenas vivida e calcorreada para compreender a dimensão do património que podemos descobrir: desde a igreja matriz, de evocação a S. Salvador, edificada no séc. XVI, de traça gótica; passando pela Torre de Lucano (ou do Relógio), estrutura que conserva no seu alto uma réplica do Galo de Prata que Monsanto recebeu quando, em 1937, foi agraciada com o título da “Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”; as suas casas escavadas na pedra e encimadas por lajes graníticas de dimensão quase apocalípticas, que podemos avistar do miradouro do Forno, até alcançarmos, com dificuldade, o que resta da poderosa fortaleza templária, pouco tempo depois oferecida, “de mão beijada” à Ordem de Santiago, em 1172. No reduto do castelo podemos ainda contemplar as ruínas da capela românica de S. Miguel.

Conservadas agora na memória todas as experiências vivenciadas num lugar absolutamente transcendental, a tarde avisa-nos que o dia rapidamente se encaminha para o ocaso. Chegou a hora de saltar para a etapa complementar da jornada: Penha Garcia.

Não é todos os dias que temos a oportunidade de estacionar ao lado de um tanque. Equipamento de artilharia que há muito perdeu o seu poder de fogo, agora transformado em memorial aos soldados do Ultramar e da revolução de abril, o seu caráter blindado parece mesmo assim quer proteger o lugar, apontando bateria para possíveis intrometidos na tranquilidade local.

É outra daquelas pérolas beirãs. E deixamos apaixonar-nos pela sua natureza rústica, conservada nas paredes do Forno Comunitário e guardamos uma oração na igreja de Santa Maria (cuja construção inicial data do tempo de D. Dinis), é junto ao castelo que exacerbamos o nosso espanto por Penha Garcia, quando avistamos o castelo mandado construir pelo Povoador, com a paisagem para lá das paredes do miradouro a concentrar as atenções mais impressionantes. Daqui avistamos o vale do rio Pônsul, agora transformado na Rota dos Fósseis, percurso de três quilómetros por moinhos de água (que ainda hoje funcionam em pleno), marcas de icnofósseis gravadas nas pedras (como as trilobites) e que nos leva a ir de um lado ao outro da barragem de Penha Garcia, que fecha a albufeira criada para aproveitamento de água, a ser utilizada para a produção agrícola.

Antes que as luzes da cidade da Guarda se acendam, é hora de seguir para o reduto onde vamos finalmente repousar depois de uma “jorna” de encher o olho e o espírito.

Texto e Fotografias | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património pela Universidade de Vigo, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.