A utopia do Papa-Moscas Preto
A utopia do Papa-Moscas Preto

A utopia do Papa-Moscas Preto

Início de agosto, a época da caça à cenoura está oficialmente em stand by, uma espécie de intervalo até ao início de setembro. Em busca de mais sol e de águas mais amenas, as espécies raras que constituem o corpo administrativo migraram para sul, poisando nalgum daqueles vales encantados, amplamente publicitados pelas comissões de inquérito.

Todos os anos o fazem, não em busca de alimento abundante, mas porque precisam de exibir os novos iates, ditar as novas tendências de moda… se bem que bronze com branco nunca passa de moda.

Como a viagem é longa, algumas destas aves migratórias fazem algumas paragens para recuperar forças ou obrigados pela viatura elétrica americana. Normalmente viajam durante a noite, para evitar predadores e também porque está mais fresco, durante o dia, procuram alimentar-se e repor energias.

A partir de hoje e sem autoridade para tal, declaro que esta gente será designada por “Papa-moscas pretos”, espero não ofender esta pequena ave de 13 centímetros (Ficedula hypoleuca). Um pensamento mais aprofundado sugeria uma certa incoerência, se vestem de branco porquê esse nome? Apenas porque me apeteceu… e basta!

Um mês inteiro sem CEO, CFO, CIO ou quaisquer outras siglas, abre novas perspetivas, inspira-se uma liberdade e expira-se alguma tranquilidade. As férias não são para já, mas a fome é imensa, o cérebro precisa de uma espécie de gelatina de morango, disfarça mas não mata a fome.

Se juntarmos umas horinhas “roubadas” de 6ºfeira e de 2ºfeira a um fim de semana, "voilá"… Eis uma taça de gelatina! O planeamento mental dá lugar às pesquisas online, o sonho conduz as teclas e a necessidade força ao trabalho pela noite dentro, nem um “papa-moscas” conseguiria estimular tanto empenho.

Charles Chaplin tinha razão “a persistência é o caminho do êxito”, consegui o impossível: um alojamento de traços modernos num contexto rústico, com ar condicionado em todas as divisões. Não vou entrar no clichê de que se ouvem os galos, mas realisticamente, os grilos pintam um cenário mágico na noite Alentejana.

Já falei da TV XL? Ou da máquina de lavar a loiça? É…importante e agradável, mas nada bate a simpatia da senhora Daisy, uma Golden Retriever preta com muito amor para dar.

Um "welcome drink" com a doçura do mel de flores caseiro, pão e queijo da zona regado com o charme de um tinto Marquês de Montemor by Dorina Lindemann, foi o melhor quebra-gelo de sempre.

Sem incêndios, com temperaturas que nem atingem os 30ºC usufruo do passeio, dos cheiros e cores do berço de São João de Deus. Castelo e igrejas incríveis, restaurantes onde a ementa é cantada, vão deixar boa memória. Recuperar a alegria onde foram planeadas as viagens dos descobrimentos portugueses, é uma gelatina de luxo que, ao contrário do que afirmei no início, consegue tirar a fome.

Numa altura em que está tudo na praia (com o devido distanciamento social…é claro) estou eu a vaguear livremente na terra onde há generosidade e mais oliveiras do que pessoas.

Os papa-moscas e as suas cenourinhas lá em baixo e eu, mais feliz e tranquilo do que nunca, cá em cima. Não visto de branco, nem tenho iate, mas tenho história, carne de porco no tacho com migas e calor familiar.