A vida e os seus sentidos

A vida e os seus sentidos

Depois de no artigo anterior aqui publicado ter falado sobre a ansiedade e a sua experiência, hoje, e no seguimento desse tema falo-vos do que permite acolher, aliviar e ir além da ansiedade, especialmente quando esta se excede e gera sofrimento, uma vez que a ansiedade se amplia no sem sentido e perde-se na sua deriva.

Para ir além da deriva da ansiedade quando esta se excede é preciso seguir em liberdade o destino da vida e da existência humana. Este é um destino que nos pede sentido, ou melhor, pede-nos sentidos, pois a existência é multifacetada, polissémica e diversa.

A vida e sua humana existência quando num sentido que flui, segue no caminho da saúde, um caminho de abertura e em estado de constante nascença. Tudo aquilo que feche a vida num sentido único, aprisionando-a, oprimindo-a, acabará por adoecê-la.

A ausência de sentido angustia-nos, embora seja essa mesma angústia agitada pelo tédio e pelo vazio, que uma vez acolhida nos coloca no movimento de procura de possibilidades que ultrapassem as barreiras que nos bloquem a ampliação de sentido. Possibilidades que quando se apresentam nos permitem prosseguir com a vida em projeto e para destinos futuros.

Quando assim é, o vazio do sem sentido faz-se fértil e o tédio estimula a criatividade. Necessitamos de rumo, de propósito, de horizontes de sentido e de esperança.

Segundo Viktor Frankl, a carência de um sentido para a vida é a base do sofrimento atual, o reflexo de uma humanidade que vive sem perspetivas. A falta de sentido para a vida faz com que o Homem se envolva num grande vazio, terreno árido e estéril, o contrário de um vazio fértil e criativo que se deixa preencher por experiências e partilhas afetivas que acontecem no seio das relações humanas, sendo desse modo potencialmente geradoras de memórias existenciais emocionalmente salutares e transformadoras.

O vazio atual reflete o mal-estar da civilização, um reflexo do mal-estar daqueles que agem como autómatos sem se darem conta da vida que os habita e sem tomarem consciência do sentido que a própria vida oculta em si. Falo-vos da necessidade de sentido, da vontade de sentido e dos sentidos da e para a vida, que uma vez alinhados com o nosso momento existencial nos permitem ultrapassar os estados ansiógenos, dando-lhes outros destinos que seguem no caminho da saúde e da criatividade.

O destino do ser humano mais do que determinado pelo inconsciente, ou reagente aos acontecimentos, é um poder vir a ser. Um poder vir a ser uma abertura às possibilidades que a vida lhe coloca. Um poder vir a ser o agente da sua própria existência, ou seja, alguém que age, com escolha e decisão, mais do que aquele que reage por impulso ou automatismo.

O ser humano possui um interesse contínuo pela procura do sentido da vida. A este movimento, Viktor Frankl, chama de vontade de sentido. O indivíduo quando na posse da sua liberdade é convidado a decidir perante todas as circunstâncias que a vida lhe apresenta. Assim torna-se um ser orientado para a realização do seu significado existencial.

O ser humano é chamado à liberdade e à responsabilidade pessoal para dar uma resposta à vida e suas situações, pois como defendia o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers, o ser humano é um ser em situação, e a partir desse princípio pode descobrir o sentido que a sua vida tem em conjunto com a dos outros.

Ainda segundo Viktor Frankl, os sentidos são únicos e mutáveis e nunca faltam, pois, a Vida não deixa de ter sentido. É necessário de algum modo encontrar sentido para a vida, para a dor e para o sofrimento. Aqui recordamos Nietzche que nos dizia que “quem tem um porquê para viver, pode suportar qualquer como”.

No entanto, e perante esta perspetiva de Frankl, a vida nunca deixa de ter sentido, o que não significa que não contactemos com o sem sentido e os seus absurdos (aquilo que está além do entendimento). É precisamente essa a grande tarefa, desocultar sentidos outros naquilo que se apresenta como sem sentido.

Aqui recordamos o psicanalista ítalo-brasileiro Contargo Calligaris que nos relembrava que o sentido da vida não tem de ser um sentido maior, pode ser algo aparentemente trivial e do quotidiano, mas que nos preenche a vida e o momento existencial, alias o problema é que muitas das vezes ansiamos desesperadamente por um sentido maior para vida, desligando-nos das pequenas grandes coisas, deixando que a vida nos escape numa quimera futura.

O presente, a realidade que se vive, apesar de difícil, deve apontar para futuros esperançosos, esse é o grande sinal da saúde psicoemocional, pois revela alguém que deu seguimento à sua vida, apesar dos sofrimentos, dos obstáculos e das agruras. Reflete alguém que se permitiu ir além da aridez das dificuldades, das lutas e das perdas, alguém que prosseguiu sem negar o vivido e sem ficar preso na teia do passado quando este se prende em ressentimentos.

Aquele ou aquela que começa a fechar-se nos afetos, sofre de ressentimento já o dizia Nietzche, pois é um sentimento que não se desdobra na troca com os outros e com o mundo. O ressentimento é um sentimento que passa a ser vivido numa espécie de recuo em relação ao outro e ao mundo (Christian Dunker). Quando assim é, o tempo não passa mais, fica ali e dali não sai. O avesso do ressentimento seria o seguimento, ou seja, poder dar continuidade à vida, estar aberto ao novo e ao que se renova a cada instante. No fundo poder, como nos recordava Vergílio Ferreira, viver o instante que passa.

Viver o instante que passa é poder viver, apesar e além das condicionantes, como possuidor da sua liberdade. Viver o instante que passa é poder viver o presente, respeitando o passado e prosseguir em direção ao futuro. Viver o instante que passa é poder compor a sua história a cada momento, uma história que se compõe em coexistência e em convivência. Viver o instante que passa é poder conjugar o verbo “esperançar” e caminhar. Pois esperança não é apenas um esperar passivo, ela é um ato, é mais caminho do que uma espera.

E assim finalizamos deixando o caminho desimpedido para a possibilidade de sentidos amplos e transformadores, porque libertos, abertos e criativos. Na vida o sentido é o que indica, o que convida, o que sinaliza o destino, o resto é confiança apesar do risco, e quando assim é o Sentido pode-nos encontrar.

Prosseguimos?


Sugestões de Leitura |
Frankl, V. E. (2010). Psicoanalisis y existencialismo: de la psicoterapia a la logoterapia. Fondo de Cultura Económica.
► Frankl, V. E. (2012). O homem em busca de um sentido. Lua de Papel.
► JASPERS, K. (1998). Iniciação Filosófica, Lisboa. Portugal, Guimarães Editores.

Texto e Fotografia | Vítor Fragoso - Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

Ver também | Viver com a ansiedade

Ver também | Entre a Sabedoria e o Sabor da Vida