
Entre a Sabedoria e o Sabor da Vida
Há um saber intrínseco à vida. Um saber revelado através da humanidade potencialmente presente em cada um de nós, sim, porque não somos humanos, tornamo-nos e descobrimo-nos humanos. Trata-se de um saber e sabor que está presente e que habita em cada Homem, um saber que vale a pena descobrir. Cabe a cada Homem querer fazer dessa presença de saber um lugar de habitabilidade, para que a sabedoria possa ser a sua casa. Não se trata de algo distante, enigmático, ou obscuro, mas de um saber-sabor que decorre da vida quotidiana, da qualidade das relações humanas, da qualidade da experiência e prática de vida.
A inclinação para o saber é um impulso que se observa precocemente nas crianças e que está de acordo com a nossa natureza. Qualquer pessoa anseia profundamente por ver, compreender, saber. Em contraponto todos sentimos como indesejáveis a ignorância e o engano. Este saber advém da necessidade de conhecer, mas conhecer o quê? Conhecer-se a si, ao outro e ao mundo, mas acima de tudo, decorre da possibilidade de poder saborear essa experiência de estar vivo com tudo o que a vida tem, alegrias e dores, altos e baixos, luta e paz.
A raiz etimológica da palavra sabedoria resulta da palavra sabor, parece que a sabedoria tem a ver com um modo próprio de saborear a vida e a sua complexidade. Como defende o filósofo argentino Jaime Barylko “o saber tem objeto, o sabor tem um sujeito”.
Mas onde encontrar a sabedoria? Tendemos a procurá-la por fora, muitas vezes procuramos fora o que também está dentro. Ela, a sabedoria-sabor, está aí, na possibilidade de aprendizagem que cada situação quotidiana transporta. No que concerne ao saber tendemos a ansiar por respostas fáceis e por encontros prontos, tendemos a querer retê-lo, a conserva-lo. No entanto, o saber que é próprio da Sabedoria por sua natureza é amplo, complexo, inesperado, mutável e fluido. Não é de fácil apreensão, no sentido de ser algo simplista.
Os encontros são geralmente inesperados e requerem abertura, disponibilidade e atenção. A Sabedoria não tolera apegos e apropriações, pois vive na partilha e alimenta-se da troca. “Não arranques flores para guardá-las, continua caminhando e as flores alegrarão o teu caminho” (Rabindranath Tagore). De que vale reter quando se sabe, se o saber só ganha sentido e sabor na partilha?
“O amor à sabedoria é um despertar para ver e mudar o nosso mundo”, lembra-nos o filósofo francês Merleau-Ponty. Retomamos a pergunta: onde encontrar a sabedoria? Como e onde procurá-la?
Nasrudin, o grande sábio muçulmano do séc.XII, em certa ocasião estava agachado, tateando o solo como se estivesse procurando algo aproveitando a luz de uma lâmpada. Um conhecido seu aproximou-se, e ao vê-lo desta maneira perguntou-lhe:
“Que buscas tu?”
“A minha chave, bom homem”, respondeu.
Os dois ajoelhados vasculham:
Terra, poeira, pedra,
Da porta à soleira
Percorrem metade do caminho,
Mas nada.
Cansado de tanto remexer
Com todos os dedos a doer
E alguns dormentes, disse o ajudante:
“Mas, raio, onde perdeste tu a chave?”
“Em minha casa, não sei onde a pus.”
“Então, porque a procuramos aqui e não lá?”
“Não vês vizinho?
Aqui há mais luz.”
Os ensinamentos de Nasrudin, como em geral os derivados da mística sufi, por mais paradoxais que pareçam têm sempre um significado oculto. Nesta narrativa expõe-se o drama por todos sabido, de que, quando aceitamos que as chaves da vida e a verdadeira solução para os nossos problemas se encontram, “no interior de casa”, no interior da “alma”, no entanto, preferimos procurá-las fora, no mundo conhecido. Procuramos onde estamos habituados. Porque implica esforço e por vezes é incómodo penetrar na nossa interioridade, conhecermo-nos e encontrar a verdadeira resposta àquilo que nos inquieta. Muitas vezes sentimo-nos incapazes de encontrar força para enfrentar as adversidades e vencer o medo.
Estamos tão mecanizados que perdemos, ou não encontramos a perspetiva real perante as alternantes formas mutáveis que o mundo nos apresenta. Ficamos fascinados com a rapidez das mudanças superficiais, entramos facilmente nos jogos do mundo consumista que no seu apelo acaba por nos consumir – “ando consumido/a por isto ou por aquilo”. Esta velocidade, este colorido e mudança não deixam de nos fascinar, mas também acabam por nos adormecer fazendo com que nos escapem as verdadeiras oportunidades de saber-saborear o quotidiano da vida.
Costumo dizer que a vida é “gourmet” que não é “fast”, e todo o “gourmet” pede tempo, o tempo do sabor. Quer provar? Vá, experimente, saboreie.
Sugestões de Leitura |
► Barylko, J. (1995). Sabiduría de la vida. Emecé.
► Merleau-Ponty, M. (1993). Elogio da Filosofia. Guimarães Editores.
► Shah, I. (1994). Aprender a aprender: psicología y espiritualidad al estilo Sufi (Vol. 23). Paidos Iberica Ediciones SA.
Texto e Fotografia | Vítor Fragoso - Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta